RESUMO: A interpretação do Direito Tributário envolve a determinação do sentido utilizado pelo legislador. A admissão de um grau maior ou menor de determinação das normas reflete no significado a ser construído na interpretação do texto legal. A utilização de termos de Direito Privado pelo legislador tributário gera mais uma camada de complexidade na interpretação: a necessidade de se responder se a expressão foi utilizada no sentido em que concebido pelo ramo jurídico de origem ou se o legislador tributário adotou um conteúdo próprio. Com o constante surgimento de novas tecnologias e seus impactos na economia, esses desafios assumem dimensão maior. Neste artigo, serão abordadas as expressões “pessoa jurídica” e “propriedade imobiliária” em face das inovações promovidas pela tecnologia Blockchain.
Palavras-chave: Interpretação. Direito Tributário. Direito Privado. Blockchain.
ABSTRACT: The Tax Law interpretation involves the determination of the meaning used by the legislator. The admission of a larger or lesser decree of determination of the rules reflects on the meaning to be built when interpreting the legal text. The use of Private Law terms by the tax legislator creates another layer of complexity in the interpretation: the need to answer if the expression was used in the meaning designed by the originary legal branch or if the tax legislator adopted a peculiar content. With the constant emergence of new technologies and its impacts over the economy, these challenges assume a larger dimension. In this article, the expressions “legal entity” and “real estate” will be addressed regarding the inovations promoted by the Blockchain technology.
Keywords: Interpretation. Tax Law. Private Law. Blockchain.
1. INTRODUÇÃO
O espaço concedido ao intérprete das normas tributárias é tema que sempre ocupou posição relevante na doutrina. Contribuiu para tanto a grande quantidade de normas constitucionais versando sobre tributação e prevendo uma série de materialidades de impostos distribuídos entre os entes federativos.
A previsão constitucional de várias materialidades dividindo-se os respectivos impostos entre União, Estados e Municípios, buscou conferir maior rigidez à repartição de competências tributárias, impedindo eventual alteração desta pelo legislador infraconstitucional.
Há ainda a utilização, nessa divisão de competências tributárias, de termos e designações já utilizadas no Direito Privado, o que acrescenta o debate sobre a adoção ou não das noções consolidadas em outro ramo do Direito.
Assim, por mais analítica que a Constituição Tributária seja, o texto constitucional possui maiores limitações que as legislações infraconstitucionais para descrever com detalhes e precisão realidades complexas. Essa constatação por si só já dificultaria a aceitação da ideia de que as materialidades dos impostos trazidas pela Constituição seriam conceitos com um conteúdo fechado, passíveis de verificação e controle objetivo. Uma vez que os dispositivos constitucionais que discriminam as competências tributárias não descem às minúcias acerca das materialidades dispostas, surge naturalmente uma amplitude de sentidos que não se coaduna com a pretensão de certeza acerca da expressão econômica a ser tributada.
Tal amplitude ou indeterminação do texto constitucional pode ter impactos na interpretação das normas de competência tributária que se valem de palavras que correspondem a conceitos utilizados pelo Direito Privado, levantando dúvidas sobre a identidade de significados.
As constantes evoluções tecnológicas acrescentam um ingrediente relevante à dificuldade do texto constitucional para descrever de forma suficiente as realidades tributáveis. O surgimento de novos modelos negociais e meios de criação de valor (cada vez mais dissociados de um elemento físico e cada vez mais automatizados) gera questionamentos sobre a adequação de materialidades introduzidas na Constituição de 1988 para alcançar um cenário econômico fluido como o atual.
A conclusão sobre a suficiência ou não das regras de competências tributárias para abarcar situações novas como criação de valor e geração de receitas em sistemas de Blockchain pode depender da posição adotada em relação a certas premissas.
As discussões que mais contribuem para se concluir pela maior ou menor amplitude das materialidades elencadas pela Constituição em face de realidades inexistentes em 1988 dizem respeito à adoção de tipos ou conceitos pelo constituinte; à utilização de conceitos próprios de direito privado ou não quando diante de impostos sobre a propriedade, circulação de mercadorias, prestação de serviços ou operações de crédito; à possibilidade ou não de de se adotar a consideração econômica como critério de busca de elementos substanciais das materialidades tributáveis; à compreensão do princípio da legalidade tributária na atualidade; a influência das Ciências Econômicas e Contábeis na interpretação do Direito Tributário.
Neste trabalho, serão abordadas apenas as discussões sobre conceitos e tipos no Direito Tributário e a presença dos institutos e formas de Direito Privado nas normas tributárias. Serão analisados conceitos cuja interpretação precisa ser revisitada diante de inovações econômicas proporcionadas pela tecnologia Blockchain.
A compreensão básica de certas atividades e situações econômicas exercidas por intermédio da tecnologia Blockchain é fundamental para o presente trabalho, pois permite entender até que ponto há um distanciamento entre essas novas realidades e o conteúdo capturado pelo constituinte ou legislador das atuais normas de Direito Tributário e de Direito Privado.
Apenas depois de serem apresentadas as discussões sobre interpretação das normas de Direito Tributário e de Direito Privado e o conhecimento introdutória da tecnologia Blockchain será possível se deparar com alguns cenários que permitem uma discussão mais específica no que tange à aplicação das normas atuais a essas novas realidades.
Dentre as materialidades discutidas é possível citar a “renda” e a possibilidade de sua tributação quando da permuta de criptoativos e quando da alienação de criptoativos obtidos em jogos (Web3 Gaming ou Blockchain Gaming)[1], a “propriedade”, utilizada para definição do IPTU e do ITR, os tokens de governança e de utilidade e a tributação de valores mobiliários.
Além do plano constitucional, também podem ser investigadas as possibilidades interpretativas na legislação infraconstitucional no que tange aos significados de pessoa jurídica e domicílio, dada sua relavância para diversas normas tributárias.
Este trabalho tratará dos conceitos “pessoa jurídica” e “propriedade imóvel”. Assim, será possível extrair algumas conclusões sobre os caminhos possíveis na interpretação do Direito Tributário em face das atividades econômicas exercidas por meio da tecnologia Blockchain.
2. BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE A INTERPRETAÇÃO DO DIREITO TRIBUTÁRIO
No presente tópico serão abordadas as discussões existentes na doutrina brasileira sobre a adoção de tipos ou conceitos na formulação das normas de competência tributária e a delimitação ou não das normas tributárias aos conteúdos de Direito Privado quando da utilização de expressões utilizadas nesse ramo jurídico.
2.1 A ADOÇÃO DE TIPOS OU CONCEITOS NA CONSTITUIÇÃO DE 1988
Cumpre, inicialmente, esclarecer a terminologia tipos/conceitos na abordagem metodológica utilizada pela doutrina tributária.
Muitos autores brasileiros utilizaram a expressão “tipo” ou “tipicidade fechada” como referência a uma determinação precisa de sentido pelo legislador tributário. Nessa compreensão, o tipo tributário seria a descrição rígida da realidade tributável, de modo a cercear a liberdade e as alternativas interpretativas em relação ao que se elegeu como fato suscetível de tributação.
Ocorre que a doutrina alemã que desenvolveu o referencial teórico do tipo entende-o justamente como uma noção aberta e fluida[2], permitindo uma evolução das caracterísitcas típicas de modo que seu confrontamento com os fatos analisados seja feito por uma ótica de adequação, e não subsunção.
Essa discrepância foi bem apontada na obra da professora Misabel Derzi, ao mencionar o abandono do tipo fechado por Karl Larenz a partir da terceira edição de sua obra sobre metodologia jurídica. Na realidade, a expressão “tipo fechado” é contraditória, uma vez que as notas distintivas do tipo são justamente a temporariedade ou fluidez em seus contornos, e a “aptidão para ordenar os fenômenos por meio da comparação, sem rígidos cortes de seção”[3].
Desse modo, o tipo é formado por elementos empíricos e normativos, sendo uma forma de pensamento que serve ao Direito para caracterizar relações jurídicas[4]. No tipo, os dados concretos da realidade são ordenados por critérios de semelhança[5]. Não há fronteiras fixas no tipo, uma vez que a falta de um de seus traços característicos não necessariamente compromete a tipicidade - a realidade multifacetada do tipo compreende um raciocínio “mais ou menos”, ao contrário do conceito, que se orienta por dicotomias “sim ou não”[6].
Ao contrário do tipo, portanto, o conceito oferece fronteiras rígidas em sua descrição de certo objeto, com notas fixas e irrenunciáveis, separando-se de forma rigorosa as espécies[7]. O conceito, por ter a pretensão de correspondência precisa com o dado da realidade, alcança-o por meio da subsunção, ao contrário da técnica de adequação do tipo. Afirmar que um termo constitucional, seja ele uma palavra ou uma expressão, representa um conceito significa dizer que ele “conota propriedades necessárias e suficientes para sua verificação”[8].
Humberto Ávila, contudo, ressalva que a diferenciação entre o tipo e o conceito não pode ser obtida meramente com a atribuição de indeterminação ao tipo e de determinação ao conceito. Isso porque também o conceito pode conter certa dose de indeterminação no que tange a ambiguidade e vagueza. A indeterminação do tipo, por outro ângulo, refere-se às suas propriedades, na medida em que seus elementos podem ser substituídos por outros no decorrer do tempo[9].
Para Sérgio André Rocha, tanto os conceitos indeterminados quanto os tipos seriam instrumentos de abertura das regras tributárias, sendo marca distintiva do tipo uma abertura decorrente dos dados concretos do mundo fático[10].
O professor Luís Eduardo Schoueri entende ser possível a utilização de conceitos indeterminados e cláusulas gerais na definição legal da hipótese tributária[11]. Para o autor, o emprego de cláusulas gerais e conceitos indeterminados em matéria tributária não viola a segurança jurídica, uma vez que a indeterminação na lei pode dar lugar à determinação quando da aplicação[12]. Dessa maneira, o legislador tributário deveria buscar o máximo de clareza possível, afastando-se a ideia de que a segurança jurídica só poderia ser atendida mediante uma determinação conceitual absoluta[13].
Desse modo, é possível afirmar que seja pela adoção do tipo ou do conceito como premissa na definição das normas de competência tributária, sempre haverá um espaço a ser preenchido pela atividade interpretativa,
Este trabalho enfatiza a complexidade das atividades econômicas atualmente desenvolvidas e seu impacto na interpretação constitucional e legal do Direito Tributário. Assim, busca-se uma atuação do intérprete que, partindo dos limites constitucionais e legais, leve em consideração a construção da norma a partir do texto escrito em uma relação de proximidade com os fatos a serem analisados. É dizer, não apenas a situação econômica e social existente quando da edição das normas constitucionais e legais exaure o sentido a ser extraído pelo intérprete. Novas realidades, ainda que não regulamentadas por outros campos do Direito, podem possuir o sentido da realidade econômica que a norma tributária pretende tributar.
Não se adota, portanto, uma postura que apenas a tributação por meio de listas expressas e exaustivas de fatos tributáveis. A norma tributante muitas vezes possui uma indeterminação capaz de suscitar discussões legítimas a respeito do seu alcance no que tange a novas manifestações econômicas proporcionadas pelo avanço tecnológico.
Soa mais adequada essa premissa que aceita o debate sobre o alcance de normas tributárias, as quais por sua vez que não necessariamente se apresentam com um significado claro e passível de comprovação objetiva[14].
Por outro ângulo, a exigência de normas detalhistas contribui para aumentar ainda mais a dificuldade de compreensão do Direito Tributário[15].
Uma sociedade cada vez mais complexa como a atual pode causar uma proliferação de normas legais casuísticas, criadas no intuito de que a lei deve ser precisa e determinada. Uma “legiferação compulsiva”, no entanto, prejudica o sistema jurídico e cria um estado caótico, dificultando até mesmo a identificação do diploma normativo aplicável a determinado caso concreto[16].
2.2 OS CONCEITOS DE DIREITO PRIVADO NO DIREITO TRIBUTÁRIO
O art. 109 do CTN[17] enuncia a liberdade que o legislador tributário possui para definir os efeitos tributários dos institutos, conceitos e formas de Direito Privado. Mesmo que as expressões de Direito Privado também possam ter seus dilemas de interpretação[18], a doutrina brasileira de forma majoritária costuma atribuir a essa remissão a outro ramo jurídico uma maior estabilidade e segurança de conteúdo.
Apesar do direito privado ser utilizado para a definição do conteúdo e alcance do conceito de pessoa jurídica (primeira parte do art. 109), pode o legislador tributário atribuir efeitos tributários que não necessariamente se coadunam fielmente com a disciplina e os efeitos que o conceito costuma ter no direito privado (segunda parte do art. 109 do CTN). Em uma boa síntese, o recorte da realidade eocnômica pelo Direito Privado não é o único possível[19].
Um bom exemplo da definição de efeitos tributários próprios a institutos e conceitos de direito privado envolve a noção de pessoa jurídica. No direito privado, o conceito de pessoa jurídica possui uma compreensão no Código Civil segundo a qual a pessoa jurídica de direito privado só começa a existir com a inscrição do ato constitutivo no respectivo registro.
Para fins tributários, o CTN traz um conceito amplo de pessoa jurídica para abranger as sociedades irregulares, que, não obstante desatendam a forma de direito privado são capazes de gerar efeitos tributários. Nesse sentido, o art. 126, III do CTN dispõe que a capacidade tributária passiva não depende de a pessoa jurídica estar regularmente constituída, bastando que configure uma unidade econômica ou profissional.
Do mesmo modo, o Regulamento do Imposto de Renda (Decreto 9.580/2018, art. 162) equipara pessoas físicas empresárias (empresas individuais) a pessoas jurídicas para fins de definição do contribuinte de imposto de renda.
Há, contudo, um limite para a manipulação dos conceitos de direito privado pelo legislador tributário. Trata-se dos institutos, conceitos e formas de direito privado utilizados pela Constituição Federal para a definição de competências tributárias. Nessa linha, o art. 110 do CTN[20] aborda a influência dos conceitos de direito privado na delimitação das competências tributárias
Alguns tributos possuem como fato gerador a prática de atos regulados pelo direito privado. Para esses tributos, vigora a ideia de que, se a Constituição Federal utilizou um conceito específico de direito privado para a definição de uma competência tributária, esse mesmo conceito de direito privado não pode ser alterado pela lei tributária.
A aplicação dessa ideia possui uma dificuldade: a determinação de quando a Constituição teria de fato pretendido se reportar a um conceito de direito privado, já que também é possível haver um sentido “coloquial” de termos utilizados pelo direito privado.
O primeiro problema surge diante da possibilidade de o constituinte adotar expressões criadas no direito privado em sentido diverso, o que é perfeitamente possível diante da superioridade da Constituição, que não se subordina à legislação privada que lhe precede[21].
Como última advertência em relação ao art. 110 do CTN, é preciso esclarecer que a constitucionalização de um conceito de direito privado em norma de competência tributária não significa sua estagnação ou imutabilidade. Da mesma forma que todas as outras normas constitucionais, o intérprete e o Judiciário não estão interditados de proceder à interpretação evolutiva das normas de competência tributária. A incorporação de um conceito de direito privado pelo constituinte de 1988 não tem o condão de congelar no tempo o significado desse conceito, uma vez que todas as normas constitucionais são passíveis de serem interpretadas de acordo com a realidade econômica e social que devem regular[22]. O fato de, em determinado contexto, o STF decidir pela incorporação de determinado conceito privado em norma de competência tributária não significa um engaloiamento da própria Corte Constitucional, que poderá construir uma nova interpretação em um momento distinto[23].
A exposição de tais premissas possui papel decisivo para a maior clareza sobre a análise dos institutos, conceitos e formas de Direito Privado presentes na legislação tributária em face das inovações econômicas advindas com a tecnologia Blockchain.
3. OS IMPACTOS DA TECNOLOGIA BLOCKCHAIN NA ECONOMIA E NA SOCIEDADE
A crise financeira de 2008 que abalou a economia global gerou um ambiente de desconfiança em relação a instituições financeiras, que funcionam como intermediárias em transações com moeda e depositárias de boa parte das reservas de pessoas físicas e jurídicas. No dia 31 de outubro de 2008, foi publicado o whitepaper do Bitcoin, no qual seu autor propõe um sistema eletrônico de pagamento sem a necessidade de se confiar em terceiros intermediários[24]. Tal sistema seria mantido por pontos (tradução livre para “nodes”) que mantém o poder computacional exigido para a validação das transações efetuadas.
O whitepaper do Bitcoin, curiosamente, não utiliza a palavra Blockchain, mas utiliza as palavras block e chain inúmeras vezes, possuindo ainda a expressão chain of blocks. Fato é que a ideia de um sistema de transações públicas baseado na ausência de confiança nos atores que a validam e cuja execução é previamente determinada ganhou aplicações que muito ultrapassam a transferência de dinheiro.
Embora não haja uma definição universal do termo Blockchain[25], é possível enxergar essa tecnologia como uma plataforma digital que armazena, processa e verifica uma sucessão de transações em cadeia. A validação das transações se dá por um mecanismo de consenso por meio da criptografia e codificado em linguagem de programação, sendo que a cadeia representa um registro distribuído e compartilhado pelos pontos (validadores) que participam do sistema.
Por haver uma definição prévia do mecanismo de consenso que validará as transações e registros, não há necessidade de se confiar nos validadores, que apenas seguem a programação computacional conhecida por todos. Em outras palavras, a tecnologia Blockchain pode ser entendida como uma rede distribuída de computadores que se vale da internet para processar transações e compartilhar registros[26] de forma automatizada e consoante a programação do sistema, sem constante intervenção humana (algumas blockchains, como a Solana, já enfrentaram situações de congestionamento em que houve a implementação de novas configurações de validação).
A tecnologia Blockchain (também chamada de Distributed Ledger Technology[27]) pode ser utilizada para realização de eleições, governança corportativa, controle de produtos em supermercados, rastreamento e controle de produção agrícola e registro civil, dentre tantas outras aplicações. Alguns entusiastas dessa tecnologia, inclusive, defendem a superação de formas de organização de Estado e de Bancos Centrais pela estrutura descentralizada de atuação permitida pela Blockchain[28].
4. DESAFIOS IMPOSTOS AO DIREITO TRIBUTÁRIO E AO DIREITO PRIVADO DIANTE DAS INOVAÇÕES PROPORCIONADAS PELA TECNOLOGIA BLOCKCHAIN
Como dito anteriormente, são inúmeras as possibilidades de aplicação da Blockchain na economia e na sociedade.
Abordaremos a partir de agora um recorte mais restrito desse problema, selecionando dois temas específicos. Assim, serão expostos os desafios enfrentados pela interpretação de conceito de Direito Tributário e de Direito Privado em face de Decentralized Autonomous Organizations e a noção de pessoa jurídica e contribuinte; e, finalmente, a “propriedade” imobiliária no metaverso contruído em Blockchain.
4.1 DECENTRALIZED AUTONOMOUS ORGANIZATIONS E OS CONCEITOS DE PESSOA JURÍDICA E CONTRIBUINTE
As Decentralized Autonomous Organizations (DAOs) podem ser compreendidas, em uma aproximação inicial, como organizações de pessoas físicas ou jurídicas por meio da Blockchain com uma finalidade determinada, fazendo as vezes das tradicionais associações civis e sociedades empresariais.
As maiores diferenças em relação às figuras já conhecidas de organização do ser humano para a consecução de finalidades comuns estão nas possibilidades proporcionadas pela tecnologia Blockchain, quais sejam, a maior descentralização e desterritorialização no processo de tomada de decisões e a maior facilidade de execução de tarefas sem intervenção humana.
Segundo Vitalik Buterin, a ideia de uma DAO aproveita o mesmo conceito de uma organização e adiciona o elemento “descentralização”. As DAOs seriam uma alternativa moderna a estruturas hierárquicas administradas por um grupo de humanos interagindo pessoalmente e controlando seus ativos por um sistema jurídico. Por meio de uma DAO, a interação humana ocorre por meio de um protocolo codificado em linguagem de programação cuja aplicação se dá em uma Blockchain. Vitalik ainda esclarece que uma corporação de acionistas poderia ser transportada integralmente para o sistema de Blockchain, onde ocorreria a governanança, votação e registro de propriedade das ações. Até mesmo o controle de veículos, cofres e propriedade imobiliária poderia ser integrado em Blockchain, em um sistema de “smart property”[29].
Em junho de 2022, doi apresentado, nos Estados Unidos, projeto de lei que define a DAO como uma organização que utiliza smart contracts (os chamados contratos inteligentes aplicações de software que permitem transações automatizadas em Blockchain, sem a necessidade de intermediário ou verificador)[30] para efetuar ação coletiva para fins negociais, comerciais ou não lucrativos; por governança exercida de forma distribuída/descentralizada e que seja constituída sob as leis estatais[31].
Uma DAO pode ser definida de forma mais sintética como uma organização na qual as regras de administração estão previamente determinadas e são executadas por computação, de forma automatizada. Uma entidade assim constituída não seria controlada por um indivíduo, mas sim por acionistas/sócios que votariam por meio da Blockchain com base na sua proporção de ações/cotas[32].
Apesar do ideal de descentralização de uma DAO, não se pode esquecer que a prática tem demonstrado a existência de concentração de poder nas mãos de poucos atores mesmo nessa forma de organização[33].
Dessa compreensão básica, já é possível perceber os desafios que as DAOs representam para o Direito Tributário e para o Direito Privado. Uma primeira discussão diz respeito à personalidade jurídica e à responsabilidade. Considerando que as DAOs podem operar de forma autônoma e negociar ativos sem a intervenção direta de humanos[34], o intérprete encara desde logo uma dificuldade em identificar o sujeito obrigado a registro de atos, recolhimento de tributos e capacidade processual, dentre outras relações e situações jurídicas que podem surgir da atuação de uma DAO.
Uma primeira barreira a ser enfrentada diz respeito à existência ou não de personalidade jurídica na constituição de uma DAO. A se adotar uma compreensão formal de que pessoa jurídica só existe com o registro dos atos constitutivos de uma entidade, a resposta sobre a configuração de personalidade jurídica em uma DAO dependeria apenas da verificação desse requisito, que poderia nunca ser atendido.
Uma outra abordagem poderia ser adotada, privilegiando as finalidades da presonalidade jurídica e identificando tais finalidades quando da constituição de uma DAO, ainda que não haja o seu registro. Nesse sentido:
Partindo do Código Civil, necessário se faz enfrentar o seu art. 49-A, parágrafo único, incluído pela Lei 13.874/2019, que define a autonomia patrimonial das pessoas jurídicas como um instrumento (não como um fim em si mesmo) com a finalidade de estimular empreendimentos, gerar empregos, tributo, renda e inovação em benefício de todos.
(...) O art. 49, parágrafo único, do Código Civil constitui uma declaração didática de que as pessoas jurídicas não são realidades jurídicas descasadas e dissociadas da realidade em que se inserem. A origem de uma pessoa jurídica, desde sempre, foi permitir a afetação e organização de um patrimônio por um grupo de pessoas que se reúnem na consecução de uma atividade ou negócio.[35]
Essa concepção parece ser corroborada no Direito Tributário, ao se discutir a possibilidade de se compreender a DAO como contribuinte. Isso porque o art. 126, III do CTN dispõe que a capacidade tributária passiva (condição de contribuinte) independe “de estar a pessoa jurídica regularmente constituída, bastando que configure uma unidade econômica ou profissional”. Como bem observa Luís Eduardo Schoueri, a pessoa jurídica, mesmo sento instituto próprio de Direito Privado, é aproveitada no Direito Tributário com sentido diverso, abrangendo até mesmo nas sociedades irregulares na legislação do Imposto de Renda[36].
Desse modo, mesmo que, por uma concepção mais formal, o conceito de Direito Privado de pessoa jurídica não seja atingido pela DAO não registrada, a condição de contribuinte poderia ser alcançada pela configuração de uma unidade econômica ou profissional[37].
Ainda que outras questões mais complexas possam surgir envolvendo a DAO no Direito Tributário e no Direito Privado (identificação de domicílio, controladores e responsabilidade por atos e decisões), a questão básica sobre a existência de uma pessoa jurídica parece merecer, em uma abordagem geral, uma resposta afirmativa.
4.2 PROPRIEDADE “IMOBILIÁRIA” EM UM METAVERSO TOKENIZADO NA BLOCKCHAIN
Em uma breve definição, metaverso pode ser entendido como uma realidade virtual, em que as pessoas do “mundo real” tomam parte de um cenário no qual podem ter relações sociais com outras pessoas, possuir bens virtuais, ter funções, empregos e personalidades que tomam forma própria quando da imersão nesse universo separado. Exemplos de realidades virtuais populares entre o final dos anos 1990 e início de 2000 podem ser encontrados nos jogos “The Sims” e “Second Life”.
Com a tecnologia Blockchain, a discussão sobre realidade virtual ganha uma dimensão mais complexa, pois torna-se possível que as pessoas sejam proprietárias de seus personagens, bens e terreno virtuais sem a possibilidade de a empresa desenvolvedora da plataforma possa confiscar os itens virtuais ou censurar negociações desses ativos. Assim, o integrante desse mundo virtual construído em tecnologia Blockchain é o real detentor dos ativos virtuais, funcionando a empresa desenvolvedora como intermediárias das negociações e produtora/fomentadora de conteúdo que agregue valor ao ambiente. Exemplos desse modelo podem ser vistos nos jogos Axie Infinity, Decentraland e Sandbox.
Tomando o exemplo de Axie Infinity, os usuários ou jogadores podem possuir personagens para jogar na forma de tokens não fungíveis (Non Fungible Tokens-NFTs). Da mesma forma, os usuários também podem possuir lotes de terra na forma de NFT que possuem localização e caracterísitcas determinadas dentro do mundo virtual chamado “Lunacia”[38], podendo ser da espécie “Savannah”, “Forest”, “Arctic”, dentre outras.
Considerando a existência de itens virtuais que representam terrenos/bens imóveis, surge a questão a respeito da correspondência entre esses ativos virtuais e a noção de propriedade imóvel para fins de regulamentação pelo Direito Civil e pelo Direito Tributário no que tange aos impostos sobre tal materialidade (ITR e IPTU).
Quanto à existência do direito de propriedade, não há maiores dúvidas sobre sua caracterização quanto a bens/ativos virtuais. Aqueles que adquirem os NFTs referentes a terrenos virtuais podem usar, gozar e dispor da coisa (art. 1.228 do Código Civil), inclusive por meio de custódia própria. É possível inclusive a extração de valor (monetário ou não) de tais terrenos virtuais, uma vez que seu detentor pode obter, pela posse da terra virtual, criptomoedas conversíveis em moeda fiduciária. Pode ainda exercer comércio, cultivar e colher plantações ou construir edificações[39], agregando valor a essa propriedade virtual.
A aproximação entre esses terrenos virtuais e os bens imóveis, contudo, não parece viável. De acordo com o art. 79 do Código Civil, são bens imóveis o solo e tudo quanto se lhe incorporar natural ou artificialmente. Referido solo não pode ser compreendido como uma representação virtual de um terreno, ainda que tal se dê por meio de Blockchain e com o elemnto da infungibilidade (tokenização em um NFT).
Toda a construção jurídica acerca da propriedade imobiliária pressupõe a existência de atributos físicos e naturais (solo, espaço aéreo, subsolo) que não são fruto da criação humana de forma originária. Apesar de o ser humano poder adicionar construções e outros elementos que se incorporam artificialmente ao solo e assim passam a integrar o bem imóvel, a noção de solo que sustenta o núcleo da definição de bem imóvel pressupõe um elemento da natureza intransponível para os terrenos virtuais, que pressupõem o engenho e a criação humana.
Na realidade, os lotes de terras virtuais são melhor definidos como bens móveis intangíveis ou incorpóreos, que não possuem substância física.
A não caracterização dos NFTs que representam terrenos virtuais como bens imóveis, portanto, já é suficiente para excluir a propriedade desses ativos da tributação pelo IPTU e pelo ITR.
Ainda que assim não fosse, a caracterização como imóvel urbano ou rural de tais terrenos virtuais apresentaria problemas quanto à definição do ente competente para a tributação.
Primeiro, há a dificuldade de se aplicar a definição de zona urbana (art. 32, § 1º do CTN) a tais lotes de terra virtuais. Segundo, mesmo a definição de imóvel urbano ou rural pela finalidade de sua utilização (art. 15 do Decreto-Lei 57/1966) encontraria óbices quanto à consideração de atividades virtuais como exploração agrícola, pecuária ou extrativa. Da mesma forma que o solo virtual não se confunde com o solo físico no qual se baseia nossa construção jurídica atual, plantações, animais e minérios virtuais não podem ser simplesmente equiparados aos elementos naturais existentes no mundo “físico”. Terceiro, a definição do aspecto espacial do tributo restaria prejudicada pela condição virtual dos terrenos, que não se localizam em Municípios ou mesmo no território nacional, mas sim em um ambiente tecnológico cujo proprietário do terreno virtual pode fazer uso deste em um computador localizado no Brasil; enquanto a empresa desenvolvedora do jogo tem sede no Japão e utiliza servidores localizados nos Estados Unidos.
Conclui-se, portanto, pela inadmissibilidade de tributação de terrenos virtuais identificados como NFTs pelos tributos sobre a propriedade imobiliária (IPTU e ITR).
5. CONCLUSÃO
A interpretação das normas tributárias envolve não só o debruçamento sobre a legislação, mas também a discussão a respeito de premissas quanto ao espaço conferido ao intérprete e à amplitude semântica a ser considerada quando da análise dos textos legais. Quando as normas tributárias adotam expressões previstas também no Direito Privado, tem-se um ingrediente adicional de complexidade, qual seja, o exame da adoção ou não do sentido tal como previsto no diploma privado.
Os avanços tecnológicos e seus impactos sobre as relações sociais e econômicas intensificam o cenário desafiador da interpretação do Direito Tributário. Mesmo que se adote uma postura de maior determinação das normas tributárias, os questionamentos sobre o enquadramento de novas situações e relações em conceitos já conhecidos são inevitáveis, cabendo ao intérprete empreender uma tarefa de investigação e argumentação para responder aos dilemas postos.
Neste artigo foram analisadas, de forma breve e não exaustiva, duas questões específicas que podem surgir diante da criação de novas realidades em face das normas atualmente existentes.
Entendeu-se que as Decentralized Autonomous Organizations podem atender tanto ao sentido de Direito Privado de pessoa jurídica quanto ao sentido de Direito Tributário de contribuinte.
Diversamente, os lotes de terrenos virtuais mantidos em uma Blockchain como tokens não fungíveis não correspondem ao significado de bens imóveis ou propriedade imobiliária, seja no Direito Privado, seja no Direito Tributário.
Com essas considerações, busca-se contribuir para o debate sobre a interpretação do Direito Tributário em face de novas tecnologias que desafiam as noções já construídas e consolidadas para a economia tradicional.
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[1] Sobre esse tema, ver: BIASI, Carlos Eduardo de; DIAS JÚNIOR, Antônio Augusto Souza. Tributação das operações realizadas no ambiente do Axie Infinity pelo IR das PFs. Disponível em: “https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/tributacao-das-operacoes-realizadas-no-ambiente-do-axie-infinity-pelo-ir-das-pfs-25082021”. Acesso em 25/06/2022.
[2] SCHOUERI, Luís Eduardo, Direito Tributário. 5ª edição. São Paulo: Saraiva, 2015, p. 310.
[3] DERZI, Misabel de Abreu Machado. Notas de Atualização a Direito Tributário Brasileiro de Aliomar Baleeiro. 13ª edição. Rio de Janeiro: Forense, 2015, p. 961.
[4] LARENZ, Karl. Metodologia da Ciência do Direito. Tradução de José Lamego. 3ª edição. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1997, p. 662.
[5] TORRES, Ricardo Lobo. O Princípio da Tipicidade no Direito Tributário. In: COSTA, Alcides Jorge; SCHOUERI; Luís Eduardo; BONILHA, Paulo Celso Bergstrom. Revista Direito Tributário Atual n. 18. São Paulo: Dialética/IBDT, 2004, p. 23.
[6] KAUFMANN, Arthur. Filosofia do Direito. Tradução de Antonio Ulisses Cortes. 2ª edição. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2007, p. 188.
[7] DERZI, Misabel de Abreu Machado. Op. cit., 2015, p. 963.
[8] ÁVILA, Humberto. Competências Tributárias: um ensaio sobre a sua compatibilidade com as noções de tipo e conceito. São Paulo: Malheiros, 2018, p. 11.
[9] ÁVILA, Humberto. Competências Tributárias: um ensaio sobre a sua compatibilidade com as noções de tipo e conceito. São Paulo: Malheiros, 2018, p. 59-60.
[10] ROCHA, Sérgio André. A Deslegalização no Direito Tributário Brasileiro Contemporâneo. In: GRUPENMACHER, Betina Treiger (Coordenação). Tributação: Democracia e Liberdade. São Paulo: Editora Noeses, 2014, p. 557.
[11] SCHOUERI, Luís Eduardo, Direito Tributário. 5ª edição. São Paulo: Saraiva, 2015, p. 314.
[12] SCHOUERI, Luís Eduardo, Op. cit., 2015, p. 315.
[13] SCHOUERI, Luís Eduardo, Op. cit., 2015, p. 317.
[14] “Do ponto de vista agora filosófico, não há como se defender a idéia de que o texto normativo (que se pretende exaustivo) possua uma univocidade de sentido e um dado prévio que possa ser captado e reproduzido pelo intérprete autêntico, tal qual uma mente especular.” ANDRADE, José Maria Arruda de. Legalidade Tributária, Segurança Jurídica, Pós-Positivismo e a Difícil Relação entre Política e Direito. THESIS São Paulo, ano III, v. 5, 1º Semestre. 2006, p. 79-80.
[15] “E embora fosse aconselhável e desejável a observância dos princípios da seleção e do numerus clausus no Direito Tributário, da forma como tradicionalmente sempre se sustentou, a verdade é que, com a crescente sofisticação das atividades desenvolvidas pelos agentes econômicos, a adoção rigorosa desses princípios acabaria por se tornar inviável, ou, ainda pior, injusta.” BIANCO, João Francisco. Segurança Jurídica e o Princípio da Legalidade no Direito Tributário. In: COSTA, Alcides Jorge; SCHOUERI, Luís Eduardo; BONILHA, Paulo Celso Bergstrom (Coordenação). Revista Direito Tributário Atual n. 19. São Paulo: IBDT/Dialética, 2005, p. 20.
[16] ROCHA, Sérgio André, Op. cit., 2014, p. 539.
[17] CTN, art. 109. Os princípios gerais de direito privado utilizam-se para pesquisa da definição, do conteúdo e do alcance de seus institutos, conceitos e formas, mas não para definição dos respectivos efeitos tributários.
[18] Na Alemanha, por exemplo, discute-se não apenas a consideração econômica no Direito Tributário, mas também no Direito Privado. MÖLLER, Christian. Die wirtschaftliche Betrachtungsweise im Privatrecht: dargestellt an den Kapitalaufbringumgs- und -erhaltungsvorschriften im Recht der GmbH. Berlin: Duncker und Humblot, 1997.
[19] POLIZELLI, Victor Borges; ANDRADE JÚNIOR, Luiz Carlos de. O Problema do Tratamento Tributário dos Contratos Atípicos da Economia Digital: Tipicidade Econômica e Fracionamento de Contratos. Revista Direito Tributário Atual n. 39. São Paulo: IBDT, 2018, p. 470.
[20] CTN, art. 110. A lei tributária não pode alterar a definição, o conteúdo e o alcance de institutos, conceitos e formas de direito privado, utilizados, expressa ou implicitamente, pela Constituição Federal, pelas Constituições dos Estados, ou pelas Leis Orgânicas do Distrito Federal ou dos Municípios, para definir ou limitar competências tributárias.
[21] SCHOUERI, Luís Eduardo. Direito Tributário. 5ª edição. São Paulo: Saraiva, 2015, p. 765.
[22] “Mas não é só uma mudança no todo do Direito que arrasta atrás de si, como por simpatia, o Direito preexistente: também o fluir da vida o leva atrás de si. Novos fenômenos técnicos, económicos, sociais, políticos, culturais e morais têm de ser juridicamente apreciados com base nas normas jurídicas preexistentes. Ao ser o Direito obrigado a assumir posição em face de fenómenos e situações que o legislador histórico de maneira nenhuma poderia ter conhecido ou pensado, ele cresce para além de si mesmo. (...) Não pode ser nossa tarefa deixarmos o presente com os seus problemas e retrocedermos anos ou décadas para entrar no espírito de um legislador que nos não interessa já. Logo: interpretatio ex nunc e não interpretatio ex tunc. (...)” ENGISCH, Karl. Introdução ao Pensamento Jurídico. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2001, p. 172-173; “Os conceitos e institutos jurídicos são criados para conformar a realidade; em inúmeras situações, todavia, os fatos derrotam as normas, obrigando o jurista a reavaliar suas noções teóricas, de modo a adequá-las às novas necessidades e aspirações sociais.” (BINENBOJM, Gustavo. A Nova Jurisdição Constitucional brasileira. Rio de Janeiro: Renovar, 2010, p. 203)
[23] “Assim, o que se tem com a promulgação de uma lei ou uma consolidação de um entendimento jurisprudencial é a “finalização de uma rodada deliberativa” sobre o sentido a ser empregado na aplicação da norma. Essa estabilidade não significa imutabilidade ou aprisionamento eterno e indefinido ao resultado da “rodada deliberativa”, seja ela no âmbito legislativo com a publicação da lei, seja no âmbito judicial com a edição de uma súmula, ou a fixação de uma tese em recurso especial repetitivo (STJ) ou em repercussão geral (STF). A concepção de um processo contínuo de interpretação acima exposta é mais adequada até mesmo pela natureza do pensamento humano e das relações interpessoais, que influenciam e são influenciados pelas normas jurídicas, em um constante movimento de intercâmbio.” DIAS JUNIOR, Antônio Augusto Souza. A Competência para a Tributação da Renda e o “Inconcebível Fenômeno da Fossilização da Constituição”. Revista Direito Tributário Atual, n.47. São Paulo: IBDT, 1º semestre 2021. Quadrimestral, p. 83-84.
[24] NAKAMOTO, Satoshi. Bitcoin: A Peer-to-Peer Electronic Cash System. Disponível em: “https://bitcoin.org/bitcoin.pdf”; acesso em 20.06.2022.
[25] “It is important to note that ‘Blockchain’ does not have one single universally agreed-upon definition as it has a number of dimensions, including technological, operational, legal and regulatory.” KAKAVAND, Hossein; DE SEVRES, Nicolette Kost; CHILTON, Bart. The Blockchain Revolution: An Analysis of Regulation and Technology Related to Distributed Ledger Technologies. Disponível em: “https://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=2849251”. Acesso em 31/07/2021, p. 4.
[26] “What is blockchain? It is simply a secure public ledger platform shared by all parties through the Internet or an alternative distributed network of computers.” - PILKINGTON, Marc. Blockchain Technology: Principles and Applications. Research Handbook on Digital Transformations, edited by F. Xavier Olleros and Majlinda Zhegu. Edward Elgar, 2016. Disponível em: “https://ssrn.com/abstract=2662660”. Acesso em 27/07/2021.
[27] “In brief, a distributed ledger is a shared database which is accessible to multiple users or participants. One of the key characteristics is that the distributed ledger is maintained by its participants, and not by a central database administrator or party. Every participant can have an identical copy of the ledger. Based on a consensus mechanism and encrypted technology, additions to the database such as new transactions are grouped together and validated by a network of participants (“nodes”). Probably the most prominent application of DLT, known as blockchain, is the virtual Bitcoin currency.” CALLSEN, Gabriel. “FinTech, DLT and regulation”, International Capital Market Association (ICMA), Quarterly Report Q2 2017, Issue 45, 6 April 2017, p. 58.
[28] “Techno-libertarians and crypto-anarchists hold instead a more extremist position. They are generally inclined to consider the State as an illegitimate, unnecessary and irrmediably obsolete depository of power, and they openly encourage the use of the new information technology as a liberating force against the very concept of authority. According to this view, we are at a stage in history when individuals can gradually overcome any centralized political institution through distributed consensus and create the conditions for an idealistic society of equals, characterized by flat, rather than hierarchical, structures.” ATZORI, Marcella. Blockchain Technology and Decentralized Governance: Is the State Still Necessary? (December, 2015). Disponível em: “https://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=2709713”. Acesso em 01/08/2021, p. 4.
[29] BUTERIN, Vitalik. DAOs, DACs, DAs and More: An Incomplete Terminology Guide. Disponível em: https://blog.ethereum.org/2014/05/06/daos-dacs-das-and-more-an-incomplete-terminology-guide/”. Acesso em 01/08/2021.
[30] “Smart contracts are defined as agreements wherein execution is automated, usually by computers. Such contracts are designed to ensure performance without recourse to the courts. Automation ensures performance, for better or worse, by excising human discretion from contract execution.” RASKIN, Max. The Law and Legality of Smart Contracts.Georgetown Law Technology Review 304 (2017), p. 306. Disponível em: https://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=2959166. Acesso em 19/01/2022.
[31] Responsible Financial Innovation Act (Lummis-Gillibrand Crypto Bill). Disponível em: “https://www.gillibrand.senate.gov/imo/media/doc/Lummis-Gillibrand%20Responsible%20Financial%20Innovation%20Act%20%5bFinal%5d.pdf”. Acesso em 25/06/2022.
[32] RASKIN, Max. The Law and Legality of Smart Contracts.Georgetown Law Technology Review 304 (2017), p. 336. Disponível em: https://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=2959166. Acesso em 19/01/2022. No mesmo sentido: “Governance can be achieved by recording transactions directly to a blockchain, reducing operational costs, while providing a more transparent and auditable trails of every decision. Corporate governance models can be replicated by distributing decision-making power to multiple parties using multiple signature (multi-sig) technology, which prevents the execution of an action until multiple parties agree to a transaction. As opposed to traditional organizations, where decision-making is concentrated at the top (i.e., at the executive level), the decision-making process of a decentralized organization can be encoded directly into source code. Shareholders can participate in decision-making through decentralized voting, distributing authority throughout the organization without the need for any trusted centralized party.” WRIGHT, Aaron; DE FILIPPI, Primavera. Decentralized Blockchain Technology And The Rise Of Lex Cryptographia, 2015. Disponível em: “https://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=2580664”. Acesso em 11.09.2021, p. 16.
[33] Em 2022 foi noticiado que uma DAO na Blockchain Solana realizou um processo de votação no qual 90% dos votos vinham de uma única carteira (endereço na rede): “Earlier this week, Solend’s second proposal received 1,480,264 ‘yes’ votes and 3,535 ‘no’ votes with a majority of 99.8%. One wallet made up 90% of votes. Critics pounced that the protocol can hardly be said to be decentralized.”. Disponível em: “https://blockworks.co/solend-imposes-account-borrow-limit-underscoring-challenge-of-dao-governance/”. Acesso em 25/06/2022.
[34] WRIGHT, Aaron; DE FILIPPI, Primavera. Decentralized Blockchain Technology And The Rise Of Lex Cryptographia, 2015. Disponível em: “https://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=2580664”. Acesso em 11.09.2021, p. 3.
[35] DIAS JÚNIOR. Antônio Augusto Souza. A personalidade jurídica formal no Direito Tributário e o ágio interno. Uma interpretação sistemática e teleológica. Disponível em: “https://www.jota.info/paywall?redirect_to=//www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/a-personalidade-juridica-formal-no-direito-tributario-e-o-agio-interno-08092020”. Acesso em 24/06/2022.
[36] SCHOUERI, Luís Eduardo. Direito Tributário. 5ª edição. São Paulo: Saraiva, 2015, p. 763.
[37] “Para fins tributários, o CTN traz um conceito amplo de pessoa jurídica para abranger as sociedades irregulares, que, não obstante desatendam a forma de direito privado são capazes de gerar efeitos tributários.” DIAS JÚNIOR. Antônio Augusto Souza. Direito Tributário Didático. Salvador: Editora Juspodivm, 2021, p. 500.
[38] “Lunacia consists of 90,601 plots of Land. These Land plots are represented as Non-Fungible Tokens and can be freely traded by players.”. Disponível em: “https://whitepaper.axieinfinity.com/gameplay/land”. Acesso em 25/06/2022.
[39] “Plots can be upgraded over time using a variety of resources and crafting ingredients that can be found when playing the game. In addition, land-owners might find AXS tokens on their land plots, or use the Axies that occupy the land plot to explore resource nodes on the map. When interacting with resources nodes Axies can find AXS and potentially other resources. (...) Land gameplay is still being actively developed and will be released in phases. Phase 1 of this experience will focus more upon simulation and land management (production, resource gathering, building, and trading). Phase 2 will build in additional management gameplay elements (such as skill trees, jobs, and social/cooperative activities).” Disponível em: “https://whitepaper.axieinfinity.com/gameplay/land”. Acesso em 25/06/2022.
Graduado em Direito pela Universidade Estadual de Santa Cruz (UESC). Especialista em Direito Tributário pelo IBET. Mestrando em Tributação Internacional pelo IBDT. Procurador da Fazenda Nacional em Campinas.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: ANTôNIO AUGUSTO SOUZA DIAS JúNIOR, . Interpretação do Direito Tributário e do Direito Privado na Economia Blockchain Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 14 nov 2025, 04:28. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/69881/interpretao-do-direito-tributrio-e-do-direito-privado-na-economia-blockchain. Acesso em: 14 nov 2025.
Por: AMANDA CELESTRINO FREITAS
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Por: RAFAEL REIS BARROSO

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