RESUMO: O presente artigo tem por objetivo geral desvelar as vantagens e desvantagens do emprego de câmeras corporais por policiais brasileiros, visando fornecer uma análise abrangente e contextualizada. A justificativa para esta pesquisa reside na crescente adoção de câmeras corporais pelas forças policiais, bem como na necessidade de compreender seus impactos na aplicação da lei e na relação com as comunidades, principalmente nos Estados do Rio de Janeiro e de São Paulo, que foram diretamente afetados por decisões do STF, respectivamente ADPF 635 de 2019 e decisão de 26 de dezembro de 2024, que tornaram obrigatório o uso de câmeras por policiais em determinadas circunstâncias operacionais. A metodologia empregada envolveu uma pesquisa bibliográfica, bem como a síntese de informações e dados para a formação de uma compreensão holística a respeito da temática. Os resultados alcançados demonstram que o uso de câmeras corporais pode promover a transparência das ações policiais, fornecendo evidências objetivas em casos de abusos e, assim, fortalecer a confiança da comunidade na aplicação da lei. No entanto, foram identificadas preocupações atinentes à privacidade dos cidadãos, custos financeiros e potenciais efeitos negativos na relação polícia-comunidade. Conclui-se que o uso de câmeras corporais pelos policiais no Brasil é uma praxe complexa, com vantagens e desvantagens a serem consideradas.
INTRODUÇÃO
O uso de câmeras corporais por forças policiais tem se tornado uma praxe cada vez mais difundida em todo o mundo, gerando grandes discussões acadêmicas, jurídicas e sociais sobre seus impactos na segurança pública, na transparência das ações policiais e na proteção dos direitos individuais. A segurança pública é uma área que está em constante expansão para atender às crescentes demandas da sociedade contemporânea. Nesse contexto, a utilização de câmeras corporais por agentes de segurança pública tem se destacado como uma ferramenta crucial para melhorar a transparência, responsabilidade e eficácia no cumprimento da lei.
Isso ocorre porque as ações operacionais da Polícia Militar constantemente são alvos de diversas críticas e até mesmo de denúncias à Corregedoria e ao Ministério Público, eis que eivadas de ilegalidades, excessos e arbitrariedades. Paradoxalmente, é inegável a importância dessas ações não só na inibição ou repressão criminal, mas também de seu caráter probatório para o processo penal, afinal, o testemunho policial constituirá prova em juízo.
Nesse contexto, o uso de câmeras individuais torna a atividade probatória mais eficaz e acaba por realizar também um tipo de controle da atividade policial, ao fazer seu monitoramento. Assim, é salutar a busca por ferramentas que possam tornar eficiente a atuação policial, ainda mais se um recurso propiciar concomitantemente controle interno da polícia, efetividade probatória, redução de recursos dispendidos para apuração de denúncias contra policiais, dados para gestão de informação operacional, meios de treinamento por meio da análise posterior das atuações, e até mesmo proteção policial.
2.1 O AVANÇO DO MONITORAMENTO COMO INSTRUMENTO LEGÍTIMA DE CONTROLE DA ATIVIDADE POLICIAL
O crime e a violência urbana são problemas críticos em países em desenvolvimento e em áreas marginalizadas de países desenvolvidos. Em sociedades marcadas por elevada desigualdade de classes, a relação entre agentes policiais e sociedade civil costuma ser particularmente conturbada. Recentemente, episódios de mortes provocadas por forças de segurança têm gerado protestos da população civil contra o uso excessivo de força policial[1].
O investimento em novas tecnologias e formação de policiais tem sido apontado como estratégia eficiente na prevenção de crimes e na melhoria da confiança dos cidadãos no trabalho da polícia.
Assim, na última década, departamentos de Polícia de todo o mundo passaram a implementar o uso de câmeras corporais (COP) nos fardamentos dos policiais. Seja sob a narrativa de que há incessante busca na redução dos níveis de uso da força, fortalecimento dos mecanismos de controle ou melhorias na produtividade, o fato é que a utilização de câmeras no cotidiano do patrulhamento tem sido vista como sinônimo de profissionalização das forças policiais.
Um relatório do Bureau Justice Statistics[2] publicado no ano de 2018 indicou que, no ano de 2016, 47% das forças policiais dos EUA já utilizavam câmeras corporais, percentual que chegava a 80% nos casos de grandes departamentos de polícia.
No Brasil, o uso de equipamentos de monitoramento nas atividades policiais vem sendo objeto de análise e testagem desde a década de 1960, mas naquela época ainda havia muita dificuldade por conta do tamanho dos equipamentos, o que inviabilizava o uso em escala. Todavia, alguns anos mais tarde, com o avanço tecnológico, principalmente com a redução do tamanho da câmera e com as fitas de 8 milímetros, vários sistemas passaram ser usados (SILVA; CAMPOS, 2015).
No decorrer do tempo, inclusive contemporaneamente, tais aparelhos viabilizaram a produção de valiosas provas criminais para desvendar diversos crimes, incluindo tráfico de drogas e embriaguez ao volante. Não obstante, com o aumento das denúncias de discriminação racial e social por parte de policiais, que eram acusados das mais diversas atrocidades, restou evidenciada a necessidade de um maior relato sobre as abordagens, dando às câmeras uma real e grande importância (JUNIOR, 2014).
Segundo Junior (2014, p. 5), o “uso de câmeras móveis teve início quando se fundou a associação de ‘Mães Contra Motoristas Bêbados’ nos Estados Unidos na década de 1980”. A iniciativa foi relevante por subsidiar provas significativas durante abordagens a motoristas bêbados. Em 1990, a utilização foi ampliada para diversas operações policiais, se tornando importante arma no combate às drogas, bem como aumentando o índice de condenação pelo tribunal do júri diante de provas consistentes obtidas através das filmagens (JUNIOR, 2014).
Em Santa Catarina, um exemplo do uso do vídeo monitoramento é o Projeto Bem-te-vi, que foi pioneiro no País ao promover o acesso integrado das imagens entre as diversas cidades monitoradas. Atualmente conta com 115 Municípios atendidos e mais de 2.432 câmeras instaladas (PMSC, 2017).
Após o período em que a cobertura por videomonitoramento dos espaços públicos foi alavancada em todo o mundo, a polícia adaptou a tecnologia e implantou câmeras em viaturas, obtendo, desta forma, ótimos resultados. Por conseguinte, o uso individual de câmeras passou a ser testado, e os resultados foram suficientemente bons para que os projetos se ampliassem para vários países. (SILVA; CAMPOS, 2015).
No Brasil, a primeira a adotar a tecnologia foi a Polícia Militar do Distrito Federal (DF), conforme citou o Coronel PM do DF Leonardo Sant’Anna ao Portal do G1 de notícias: “Nós começamos as pesquisas há aproximadamente um ano e meio. Temos ido aos Estados Unidos, e o treinamento está sendo feito lá, já o treinamento será feito aqui a partir do início de novembro de 2012”. (G1, 2012).
Os policiais do Batalhão de Operações Especiais (Bope) usaram óculos com câmeras de visão noturna acopladas, capazes de gravar as ações de combate, durante a invasão ao complexo de favelas da Maré, no Rio de Janeiro, em 2014. Além disso, eles também já haviam usado durante as manifestações que ocorreram no Rio em 2013 (SILVA; CAMPOS, 2015).
O Estado de Santa Catarina, representado pelo Município de Jaraguá do Sul, passou a testar dois tipos de câmeras corporais, após a experiência do DF, fornecidas por um fabricante específico em agosto de 2015. (PMSC, 2017).
O ministro do Supremo Tribunal Federal, Edson Fachin, em decisão proferida na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 635, determinou a instalação de câmeras nas fardas e equipamentos de geolocalização (GPS) de policiais do Rio de Janeiro, bem como aparelhos de gravação em áudio e vídeo em viaturas policiais do estado, assim como as equipes da polícia especializada do Bope, que, recentemente, adotou a medida. (BARROSO, Alexander).
Por fim, outro lugar em que a utilização de câmeras necessitou de intervenção do Supremo Tribunal Federal – STF, foi São Paulo. Em 26 de dezembro de 2024, no âmbito da Suspensão de Liminar (SL) 1.696/SP, O STF determinou ser obrigatório o uso de câmeras corporais pela Polícia Militar do Estado em operações policiais com maior potencial de risco, como incursões em comunidades, cumprimento de mandados em horário noturno e situações com envolvimento de grupos vulneráveis. (STF, 2024).
A medida também contempla casos de resistência à prisão, ocorrências em unidades prisionais e internações psiquiátricas forçadas. Essas diretrizes foram determinadas com base em evidências de que o uso das câmeras contribui para a redução da letalidade policial e para a prevenção de abusos, além de proteger os próprios agentes contra falsas acusações (STF, 2024).
2.2 VANTAGENS POTENCIAIS DAS CÂMERAS CORPORAIS NA APLICAÇÃO DA LEI NO CONTEXTO BRASILEIRO
Em uma pesquisa conduzida por Silva e Campos (2015), resultados apontaram que as câmeras individuais aumentam a transparência das ações policiais, evidenciando a legitimidade da ação para a comunidade. Ao gravar interações entre policiais e cidadãos, as câmeras corporais propiciam uma documentação imparcial e objetiva das abordagens policiais, minimizando a possibilidade de controvérsias ou disputas sobre o que realmente ocorreu durante uma ocorrência. Essa visão é corroborada por estudos empíricos conduzidos por outros pesquisadores brasileiros, a exemplo do trabalho de Monteiro et al. (2022), que avaliou o impacto do emprego de câmeras corporais pela Polícia Militar do Estado de São Paulo.
Os resultados indicaram uma redução significativa nos casos extremos do uso da força policial daquela localidade, tendo como um dos argumentos a melhoria na interação dos agentes de segurança pública com a sociedade civil. A presença das câmeras elevou a prestação de contas dos policiais e contribuiu para a construção de uma relação mais harmoniosa com a comunidade (Monteiro et al., 2022).
Além de promover transparência, as câmeras corporais fornecem evidências tangíveis que certamente serão utilizadas em processos criminais. Na concepção de Lorenzi (2021, p.38) “o resultado da gravação que pode ser crucial como elemento de prova, pois se feita corretamente, pode clarificar até os fatos mais controversos, uma vez que oferece uma visão imparcial do ponto de vista de um dos principais atores”.
Essa perspectiva é respaldada por estudos como o de Bonato Junior (2022), que dispôs que o emprego de câmeras corporais também auxilia no aperfeiçoamento da coleta de evidências de crimes que serão objeto de análise judicial. Além de documentar e registrar os encontros com o público, as filmagens viabilizam um registro das prisões e daquilo que os policiais testemunham em cenas de crime. (Bonato Junior, 2022).
Outro aspecto relevante das câmeras corporais é a influência que exercem no comportamento dos policiais durante o trato com o público. Isso ocorre poque a simples presença das câmeras pode servir como um mecanismo de autorregulação, condicionando os policiais a adotarem comportamentos mais comedidos e respeitosos (Monteiro et al. 2022). Santos (2023), corrobora essa concepção, eis que investigou a regulamentação do emprego de câmeras corporais pelos órgãos de segurança pública e os reflexos na persecução penal. Os resultados mostraram uma redução significativa nos casos de uso excessivo de força após a implementação das câmeras, sugestionando que a singela presença das câmeras no uniforme dos agentes foi capaz de resultar em um efeito dissuasivo sobre o comportamento agressivo que outrora era observado. (Santos, 2023).
Além de influenciar o comportamento dos policiais, as tecnologias ora discutidas também podem impactar a percepção da comunidade em relação à polícia, pois aumenta a confiança e a cooperação com as autoridades policiais (Júnior, 2014). Dessa maneira, os cidadãos podem se sentir mais seguros durante as interações com a polícia e mais propensos a relatar crimes ou colaborar com investigações. Esse viés é corroborado por Monteiro et al. (2022), que sustenta que estudos sobre o tema apontam que, em alguns contextos, há forte aceitação do uso das câmeras corporais entre a população e policiais.
Em suma, as câmeras corporais oferecem uma série de vantagens potenciais na aplicação da lei no contexto brasileiro, incluindo a promoção da transparência, a facilitação da responsabilização, a redução de incidentes de uso excessivo de força e a melhoria das relações comunitárias. No entanto, é inolvidável reconhecer que tais benefícios não são imediatos, eis que dependem da forma como as câmeras são implementadas e utilizadas pelas forças policiais. São necessárias políticas públicas e procedimentos claros para garantir que as câmeras corporais sejam uma ferramenta eficaz e responsável na promoção da segurança e na reconstrução da confiança entre a sociedade e as forças policiais.
2.3 DESAFIOS E LIMITAÇÕES DA IMPLEMENTAÇÃO DAS CÂMERAS CORPORAIS NA APLICAÇÃO DA LEI NO CONTEXTO BRASILEIRO
A implementação de câmeras corporais por parte das forças policiais no Brasil tem enfrentado uma série de desafios que precisam ser minuciosamente considerados. São inúmeras as preocupações atinentes à privacidade, armazenamento de dados, acesso às imagens, custos operacionais e o potencial para ampliar desigualdades sociais.
A respeito da privacidade e do consentimento, "a coleta indiscriminada de imagens de cidadãos durante as interações com a polícia pode violar direitos fundamentais de privacidade e autonomia". (Santos, 2023, p.71). Isso ocorre porque o simples fato de gravar pessoas sem consentimento pode gerar, além do desconforto, grande insegurança entre os cidadãos, especialmente em comunidades consideradas marginalizadas. É inquestionável a existência de resistência significativa por parte dos indivíduos dessas comunidades, que expressaram preocupações com a invasão de privacidade e o potencial para abusos por parte da polícia. Sob a ótica desses cidadãos, uso de câmeras pelos agentes de segurança pública pode ser percebido como mais uma forma de vigilância sobre determinadas comunidades, elevando desigualdades e alimentando desconfianças em relação às autoridades policiais. (GODINHO; RODRIGUES, 2022).
No que tange ao armazenamento e ao acesso às imagens capturadas pelas câmeras utilizadas pelos policiais, a falta de regulamentação adequada para tal procedimento pode resultar na retenção indiscriminada de dados por longos períodos, aumentando os riscos de vazamento, manipulação ou uso indevido das imagens (Monteiro et al. 2022). Não obstante, a falta de regras específicas e muito bem elaboradas para o acesso de imagens pode levar à invalidação da prova, pois abrirá brechas sobre quem terá permissão para visualizá-las e com qual propósito (ALMEIDA, 2020). Nos locais em que as câmeras corporais são utilizadas, há uma falta de padronização e controle na gestão das imagens capturadas, sendo existentes situações de imagens que foram perdidas, corrompidas ou acessadas por pessoas não autorizadas, o que pode comprometer a integridade e a confiabilidade das evidências capturadas pelas câmeras utilizadas pelos agentes públicos (Almeida, 2020).
Quanto aos custos operacionais, a questão é o custo elevado da implantação da tecnologia para o poder público, visto que a medida contempla aproximadamente 800 mil profissionais das corporações integrantes da segurança pública (civil, militar, penal). (BARROSO, 2024).
No que concerne à privacidade e o armazenamento de dados, há, também, a preocupação de que as câmeras corporais sejam usadas de forma abusiva ou manipulada para atender interesses específicos (SILVA; CAMPOS, 2015). Isso decorre do controle de quando e como as câmeras poderão ser ativadas, o que certamente viabilizará que os policiais evitem gravar incidentes problemáticos ou editem seletivamente as imagens para justificar suas ações (Silva; Campos, 2015). Nessa perspectiva, tal prática pode minar a confiabilidade das evidências apresentadas em processos judiciais e comprometer a responsabilização dos agentes policiais.
Alguns episódios já verificados evidenciaram esse tipo de comportamento de agentes públicos de segurança, conforme reportagem exibida pelo canal G1-Fantástico (2012). Nela, ficou evidenciado que houve situações em que as câmeras foram desligadas ou apontadas sentido diverso do que estava ocorrendo alguma interação possivelmente problemática, resultando em legítimas suspeitas sobre a conduta dos policiais envolvidos e, conseguintemente, sobre a lisura das evidencias obtidas. A falta de supervisão e regulamentação efetiva de controle sobre o uso dessas tecnologias de monitoramento pode propiciar práticas abusivas e, certamente, comprometer a confiabilidade das imagens produzidas.
No que tange a essa circunstância, o Conselho Nacional de Política Criminal do Ministério da Justiça e Segurança Pública (CNPCP/MJSP) editou a Recomendação, em 19 de janeiro de 2024, para o uso de câmeras corporais pelas polícias em todo o país. A medida é facultativa, eis se tratar de uma recomendação, mas visa orientar, padronizar e fomentar o uso das câmeras corporais pelos agentes de segurança pública da União e dos Estados. Para além das orientações dirigidas aos órgãos de segurança pública, a Recomendação elastece as diretrizes para atividades de segurança privada, cuja autorização das atividades fica a cargo da Polícia Federal. (BARROSO, 2024).
Conforme a Recomendação, as gravações devem ser ininterruptas, além de capturarem não apenas as interações com suspeitos, mas também com cidadãos inocentes.
Art. 5º - Recomendar que a gravação seja ininterrupta por todo o turno de serviço do usuário, tanto nos modelos/sistemas de acionamento e desligamento automáticos, quanto nos manuais.
Parágrafo único. Se a câmera apresentar mau funcionamento durante o turno de serviço, o fato deverá ser relatado ao superior imediato tão logo seja seguro fazê-lo, para que se providencie a pronta substituição do equipamento. (CNPCP/MJSP, 2024).
Outro ponto que chama a atenção, é que a Regulamentação prevê, em seu artigo 9º, que partes interessadas poderão pedir acesso às imagens, tanto as pessoas que sofreram abordagens policiais inadequadas quanto agentes acusados de abuso de autoridade. (CNPCP/MJSP, 2024).
Com base no documento, é possível identificar diversos pontos positivos como a transparência e prestação de contas; a redução de confrontos e uso excessivo de força; preservação da cadeia de custódia; treinamento e desenvolvimento profissional; aumento da confiança pela comunidade; melhoria da eficiência operacional; prevenção de ilícitos e conformidade com as normas legais e éticas e uma análise de cada um.
CONCLUSÃO
O controle da atividade policial, em uma democracia, deve garantir a eficácia da segurança pública sem sacrificar os direitos fundamentais. O Estado Democrático de Direito determina que o exercício do poder repressivo estatal esteja submetido à fiscalização pública, especialmente quando envolve o uso da força (NUCCI, 2023).
O uso das câmeras reforça a segurança jurídica do próprio policial, que passa a contar com um registro objetivo das ações desenvolvidas em serviço. Nesse viés, o agente público fica preservado de contra-acusações infundadas, e a gravação audiovisual se mostra como instrumento imparcial de aferição da legalidade das condutas. Trata-se, portanto, de um mecanismo que resguarda tanto o cidadão quanto o servidor público, equilibrando o poder estatal com os direitos individuais.
De fato, a decisão do STF representa um avanço civilizatório na política de segurança pública, ao estabelecer um modelo que valoriza a atuação técnica da polícia, promove a confiança social nas instituições e fortalece os princípios do devido processo legal. A tecnologia das câmeras corporais, longe de ser um obstáculo, constitui-se em uma ferramenta de proteção recíproca, garantindo à sociedade o controle sobre o uso da força e aos policiais a segurança de uma atuação respaldada por evidências. Todavia, existem diversos limites e limitações como a coleta indiscriminada de imagens de cidadãos durante as interações com a polícia, que podem violar direitos fundamentais de privacidade e autonomia. Além disso, o armazenamento e ao acesso às imagens capturadas pelas câmeras utilizadas pelos policiais, diante da falta de regulamentação adequada para tal procedimento, até porque a Regulamentação existente traz orientações e não vincula, fato que pode viabilizar a retenção indiscriminada de dados por longos períodos, aumentando os riscos de vazamento, manipulação ou uso indevido das imagens. A forma de utilização e os custos de implantação são dois outros grandes desafios a serem enfrentados.
Diante desses desafios e limitações, é fundamental que a implementação das câmeras corporais seja acompanhada por políticas públicas claras e mecanismos de supervisão fortes. É necessário garantir que a privacidade dos cidadãos seja protegida, eis se tratar de garantia fundamental, além de se atentar para que os dados sejam armazenados de forma segura e que haja transparência e prestação de contas no acesso e uso das imagens capturadas pelas câmeras. Somente dessa maneira será possível aproveitar plenamente o potencial das câmeras corporais como uma ferramenta eficaz e responsável na aplicação da lei no Brasil.
REFERÊNCIAS
ALMEIDA, C. A. B. Tecnologias aplicadas à segurança pública. Curitiba: Editora Contentus, 2020.
BARROSO, Alexandre. Benefícios e Desafios na adoção de câmeras corporais na segurança pública. 14 de fevereiro de 2024. Disponível em https://www.conjur.com.br/2024-fev-14/beneficios-e-desafios-da-adocao-de-cameras-corporais-na-seguranca-publica/ Acesso em 05 de maio de 2025.
BONATO JUNIOR, J. C. Uso de Bodycam pela Polícia Militar do Paraná: uma análise incipiente do tema. RECIMA 21. Revista Científica Multidisciplinar. v.3, n.1, 2022.
GODINHO, E., RODRIGUES, A. L. O uso de tecnologias na formação e atuação policial: um estudo comparado entre a escola de formação de oficiais da polícia militar de minas gerais e a polícia de segurança pública de Portugal.In: COTTA, F. A. Ciências policiais e tecnologias inovadoras na segurança cidadã. Jundiaí-SP: Editora Paco, 2022.
JÚNIOR, Dário Belinossi. O videomonitoramento da atividade policial no programa ronda no bairro, em Manaus, e sua influência no desempenho da função. Trabalho de Conclusão de Curso apresentado como requisito parcial para a obtenção do grau de Bacharel em Segurança Pública e do Cidadão da Universidade do Estado do Amazonas. 2014.
LORENZI, L. Q. Câmeras policiais individuais e o controle da atividade policial.2021. Disponível em: https://repositorio.animaeducacao.com.br/bitstream/ANIMA/13268/1/C%C3%82MER AS%20POLICIAIS%20INDIVIDUAIS%20E%20O%20CONTROLE%20DA%20ATI VIDADE%20POLICIAL%20f..pdf. Acesso em 06 de maio de 2025.
MONTEIRO, J., FAGUNDES, E., GUERRA, J., PIQUET, L. Avaliação do impacto do uso de câmeras corporais pela Polícia Militar do Estado de São Paulo. Relatório de Pesquisa da Fundação Getúlio Vargas. Disponível em: https://repositorio.fgv.br/server/api/core/bitstreams/4ee45e21-ecbf-4da0-b612-ae12c85e71bd/content Acesso em 05 de maio de 2025.
SANTOS, A. C. S. A regulamentação do uso de câmera corporais pelos órgãos de segurança pública e os reflexos na persecução penal: entre o efeito civilizatório e a armadilha solucionista. Revista de Criminologias e Políticas Criminais, 9(1), p.56-77, 2023.
SILVA, Jardel da; CAMPOS, Joamir Rogério. Monitoramento das ações policiais por meio do uso de câmeras de porte individual: uma análise de sua utilização nas atividades operacionais. Revista Ordem jurídica, v. 8, n. 2, jul./dez., 2015. Disponível em https://rop.emnuvens.com.br/rop/article/viewFile/141/135. Acesso em 06 de maio de 2025.
CNPCP/MJS. Ministério da Justiça e Segurança Pública/Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária. RECOMENDAÇÃO Nº 1, DE 19 DE JANEIRO DE 2024. Disponível em https://www.gov.br/mj/pt-br/assuntos/noticias/19.01.2024Recomendaosobreousodecmerascorporaisnasatividadesdosagentesdeseguranapblicaedeseguranaevigilncia.pdf. Acesso em 06 de maio de 2025.
G1 – DF. PM do Distrito Federal testa sistema americano que filma ação policial. Disponível em: <http://g1.globo.com/distrito-federal/noticia/2012/12/pm-do-distrito-federal-testa-sistema-americano-que-filmaacao- policial.html>. Acesso em: 05 de maio de 2025.
G1- Fantástico. Câmeras acopladas aos policiais gravam as ações na rua. Disponível em: <http://g1.globo.com/fantastico/noticia/2012/12/cameras-acopladas-aos-policiais-gravam-acoes-nas-ruas.html>. Acesso em 05 de maio de 2025.
Programa Bem-te-vi.Programa Bem-te-vi já é realidade em Santa Catarina. PMSC, 2019. Disponível em https://www.pm.sc.gov.br/noticias/programa-bem-te-vi-ja-e-realidade-em-115-cidades-de-santa-catarina. Acesso em 06 de maio de 2025.
STF. STF estabelece regras para uso obrigatório de câmeras corporais por PMs em São Paulo. 26 de dezembro de 2024. Disponível em https://noticias.stf.jus.br/postsnoticias/stf-estabelece-regras-para-uso-obrigatorio-de-cameras-corporais-por-pms-em-sao-paulo/ Acesso em 06 de maio de 2025.
NOTAS:
[1] Dentre os exemplos, é possível citar os casos da morte de George Floyd nos EUA (noticias.uol.com.br/reportagens-especiais/george-floyd-como-negro-morto-pela-policia-inspira-hoje-luta-antirracista/) e a morte de 9 pessoas em ação da PMESP em Paraisópolis (https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/noticia/2019/12/04/moradores-fazem-protestos-apos-morte-de-9-pessoas-em-acao-da-pm-em-baile-funk-de-paraisopolis.ghtml), acesso em: 05 de maio de 2025.
[2]Hyland, S., Body-WornCameras in Law Enforcement Agencies, 2016, Disponível em https://nij.ojp.gov/topics/articles/research-body-worn-cameras-and-law-enforcement Acesso em 06 de maio de 2025.
Advogado criminalista, especialista em penal e processo penal. Mestre, autor e professor universitário e de concursos. Conselheiro Seccional na OAB/DF, Presidente da Comissão de Processo Penal da OAB/DF e Secretário Adjunto da Comissão Nacional do Tribunal do Júri
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: COSTA, Anderson Pinheiro da. Uso de câmeras corporais pela Polícia Militar: vantagens e desvantagens na implementação Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 17 jun 2025, 04:55. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/68877/uso-de-cmeras-corporais-pela-polcia-militar-vantagens-e-desvantagens-na-implementao. Acesso em: 14 ago 2025.
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