Da tendência de se estabelecer o contraditório e ampla defesa em fase investigativa[1] imparcial e isenta com oitivas de “informantes” e “testemunhas arroladas pela defesa, em prestígio ao princípio da verdade possível
Assunto extremamente contemporâneo diz respeito sobre a (im)possibilidade do delegado de polícia ouvir “testemunhas arroladas pela defesa”[2] e “informantes” indicados pela defesa técnica ou próprio conduzido, em sede de lavratura de prisão flagrancial[3] ou no curso das investigações, em homenagem a busca do princípio da verdade possível.
Não podemos olvidar que, pilar da investigação moderna e qualificada deve adotar uma postura imparcial, isenta e compatível com recognição (reconstrução) dos fatos o mais fiel da verdade possível.
Noutro quadrante, devemos lembrar também que, os atos de investigações (inclusive em sede de lavratura da prisão flagrancial e do Inquérito Policial) na visão moderna positivada têm ganhado a tendência de cada vez mais se estabelecer o contraditório e ampla defesa[4], em prestígio ao princípio da verdade possível.
Obviamente, dentro da observância da sigilosidade e do resguardo pela busca do princípio da verdade possível, a possibilidade da oitiva de “testemunhas arroladas pela defesa” e “informantes” indicados pela defesa técnica ou próprio conduzido, em sede de lavratura de prisão flagrancial ou no curso das investigações, nos parece plausível, contudo, temos que ter o devido cuidado para não fixar como obrigatória tal providência, sob pena de criação de estratégias e teses defensivas que em algumas hipóteses podem soar absurdas, como algumas já criadas em sede judicial – em determinadas situações – e atrapalhar a própria condução dos atos.
Dando sequência, cumpre abordar que, em regra, toda pessoa poderá ser testemunha, e não poderá eximir-se da obrigação de depor (arts. 202 e 206). Todavia, existem exceções que o legislador previu, permitindo que algumas pessoas possam recusar esta tarefa ou determinando a proibição de prestar testemunho em outras hipóteses.
Nesse passo, tecnicamente, a testemunha vai expressar o que presenciou ou ouviu acerca dos fatos na sua totalidade ou em parte, firmando compromisso de dizer a verdade, sob as penas da lei.
Já o informante é aquele que presenciou ou ouviu os fatos na sua totalidade ou em parte, mas não pode firmar compromisso de dizer a verdade, em virtude de alguma circunstância legal que impede[5] a atribuição de uma credibilidade e comprometimento maior com a verdade, mas que suas falas podem contribuir ou não para a busca do princípio da verdade possível.
Outro ponto a ser destacado antes de aprofundarmos no debate, é que a “testemunha” fala sobre o fato que propriamente presenciou ou ouviu – focado aqui em sede da lavratura de auto de prisão em flagrante delito (que é permeada pela cognição sumária ou efêmera). Assim, não pareceria adequado a terminologia de “testemunha arrolada pela acusação e defesa”, que ficaria mais reservada mais para o curso das investigações e a própria instrução processual em juízo (ao menos no que toca a “testemunha arrolada pela defesa” – porquanto nas funções do Inquérito Policial contemporâneo, o Delegado de Polícia e o próprio instrumento procedimental não possuem compromissos com a acusação ou defesa, mas com a verdade possível.
Argumento outro a ser considerado também, é aferir a “disponibilidade” da testemunha, informante ou outro ator em face do momento do flagrante delito ou não, já que o prazo para a finalização do auto de prisão em flagrante ou correlato é diminuto, guardando esse detalhe de maior disponibilidade da testemunha, informante ou de outro ator mais permissividade quando do curso das investigações, cujo o fator temporal é mais elástico e de cunho exauriente (ou tendente a ser exauriente).
Portanto, embora se respeite eventuais opiniões contrárias, não se visualiza motivo plausível e louvável de não realizar oitiva de uma testemunha (informantes ou outro ator) indicados pelo suspeito capturado ou sua defesa técnica, no ato da oitiva policial, à luz do artigo 304 do CPP, até para a Autoridade Policial obter mais subsídios para deliberar se decreta (ratifica) ou não a prisão em flagrante delito (e apreensão flagrancial) para lavrar ou não o Auto de Prisão em Flagrante Delito (APFD) ou Auto de Apreensão de Flagrante de Ato Infracional (AAFAI), em busca da verdade possível, e observado o lapso temporal de finalização do ato. Com maior razão também, impede sublinhar que essa possibilidade seja estendida ao curso das investigações.
Em outras palavras, entendemos perfeitamente possível a oitiva de uma testemunha (informantes ou outro ator) arrolados pelo suspeito capturado ou sua defesa técnica – ainda que informado de maneira informal –, no ato da oitiva policial do artigo 304 do CPP, até para a autoridade policial angariar mais subsídios para decidir se decreta (ratifica) ou não a prisão em flagrante delito para lavrar ou não o Auto de Prisão em Flagrante Delito (APFD) ou Auto de Apreensão de Flagrante de Ato Infracional (AAFAI), em busca da verdade possível e observado o lapso temporal de finalização do ato. Com maior razão também, impede sublinhar essa possibilidade também no curso das investigações.
Como já dito, sob o prisma da investigação moderna, torna-se imperiosa a adoção e condução de atos policiais pela Autoridade Policial com técnica-jurídica, imparcialidade, isenção para a busca da verdade possível, devendo compatibilizar com asseguramento das garantias fundamentais e viabilizar participação ativa da defesa na fase extrajudicial do inquérito policial, sem perder de vista a discricionariedade motivada do Delegado de Polícia, quanto ao critério[6] se realmente a testemunha apontada seria necessária e relevante ou não naquele momento.
Necessitamos superar um senso comum teórico de dicotomia inquisitória-acusatória, que insiste em rotular o inquérito policial como inquisitorial (com toda a carga e visão depreciativa jurídica e política decorrente), impondo a possibilidade de busca da verdade possível.
Com isto, em nosso sentir, trata-se de dever do delegado de polícia exaurir (esgotar) ou buscar exaurir as providências cabíveis e disponíveis para apurar os fatos, de maneira imparcial (e não enviesada como mero instrumento unilateral da acusação), isenta com motivação técnico-jurídica.
Diga-se de passagem, que, no plano normativo, o artigo 14 do CPP deve ser interpretado no sentido de apenas indeferir, justificadamente, diligências irrelevantes, impertinentes ou protelatórias (aplicando como referencial o § 1o do art. 400 do CPP).
Nessa direção, o critério também para oitiva das testemunhas “arroladas pela defesa” deve seguir análise técnico-jurídico da Autoridade Policial quanto à sua prévia demonstração de pertinência pela defesa, assim como a sua imprescindibilidade, temporalidade e relevância para o caso investigado, sob pena de indeferimento de diligências protelatórias, irrelevantes, impertinentes que não venham a agregar absolutamente nada na busca da verdade possível.
Aliás, é possível cogitar, desde que possível dentro do flagrante – e no curso das investigações também – a possibilidade de acareações entre as testemunhas, com os demais desdobramentos de flagrante por crime de falso testemunho dentre outros.
Quanto a negativa do Delegado de Polícia em admitir a participação do advogado do investigado/autuado nas oitivas de testemunha, vítimas e outros atores diversos configura prática ilícita ou abusiva?
Nesse ponto, ainda que sustentemos a tendência do contraditório e da ampla defesa em sede de delegacia de polícia, já posicionamos no artigo intitulado de a “negativa do Delegado de Polícia em admitir a participação do advogado do investigado/autuado nas oitivas de testemunha, vítimas e outros atores diversos configura prática ilícita ou abusiva?” (escrito por este autor e o delegado de polícia João Gabriel Cardoso) no sentido de que não há ilegalidade alguma na conduta do Delegado de Polícia que nega motivadamente e justificadamente a participação do advogado de defesa em oitivas de testemunhas, vítimas e demais atores – que não seja o autuado/investigado –, primeiramente por inexistir permissão legal no ordenamento jurídico brasileiro, evitando que haja interferência e ingerência na busca da verdade possível.
Em segundo lugar, ainda que existam posicionamentos defensáveis no sentido da admissibilidade de participação do advogado nas oitivas de testemunhas[7] propriamente ditas, seguimos o posicionamento da inexistência de crime contido na Nova Lei de Abuso de Autoridade, justamente por não haver amparo legal para tal tipificação. E por derradeiro, ainda que haja posicionamentos favoráveis em conferir tal direito do advogado, sob pena de nulidade absoluta, demonstramos que há posição firme institucional[8], da doutrina e jurisprudência pátria[9][10] no sentido de que até mesmo nulidade absoluta – embora tenhamos ressalvas neste ponto –, necessitaria da comprovação de prejuízo[11], sob pena de não ser declarada e reconhecida.
Ademais, entendemos que o mesmo raciocínio deduzido ao longo do artigo, se aplica aos demais procedimentos policiais, inclusive ao adolescente em conflito com a lei.
É importante que, na eventual deliberação negativa do Delegado de Polícia que venha obstar (negar) à participação do advogado em oitivas de testemunhas, vítimas, informantes e demais atores – que não seja o autuado/investigado – conste a motivação expressamente daquela negativa.
DAS CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ante o exposto, embora se respeite eventuais opiniões contrárias, não se visualiza motivo plausível e louvável de não realizar oitiva de uma testemunha indicada pelo suspeito capturado ou sua defesa técnica – ainda de que de maneira informal –, no ato da oitiva policial do artigo 304 do CPP, até para a autoridade policial angariar mais subsídios para decidir se decreta (ratifica) ou não a prisão em flagrante delito para lavrar ou não o Auto de Prisão em Flagrante Delito (APFD) ou Auto de Apreensão de Flagrante de Ato Infracional (AAFAI), em busca da verdade possível e observado o lapso temporal de finalização do ato. Com maior razão também, impede sublinhar essa possibilidade também no curso das investigações.
Em outras palavras, entendemos perfeitamente possível a oitiva de uma testemunha (informante ou outro ator) indicados (arrolados) pelo suspeito capturado ou sua defesa técnica – ainda que indicados de maneira informal –, no ato da oitiva policial do artigo 304 do CPP, até para a autoridade policial angariar mais subsídios para decidir se decreta (ratifica) ou não a prisão em flagrante delito para lavrar ou não o Auto de Prisão em Flagrante Delito (APFD) ou Auto de Apreensão de Flagrante de Ato Infracional (AAFAI), em busca da verdade possível e observado o lapso temporal de finalização do ato. Com maior razão também, impede sublinhar essa possibilidade também no curso das investigações.
Por fim, temos em nosso sistema de persecução criminal contemporâneo, a tendência de cada vez mais se estabelecer o contraditório e ampla defesa em fase investigativa imparcial e isenta no Inquérito Policial e na Lavratura da Prisão Flagrancial de Delito (ou Lavratura de Fragrante de Ato Infracional), assim como no curso destas investigações, em prestígio ao princípio da verdade possível.
REFERÊNCIAS
LIMA, Renato Brasileiro de Manual de processo penal: volume único / Renato Brasileiro de Lima – 8. ed. rev., ampl. e atual. – Salvador: Ed. JusPodivm, 2020.
BRASIL. SITE DO STF. Disponível em: http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=752042346. Acesso em: 29 de jan. 2021, às 23h.
BRASIL. SITE DO STF. Disponível em: http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=4312985 Acesso em: 29 de jan. 2021, às 23h.
[1] No Inquérito Policial e na lavratura do Auto de Prisão em Flagrante Delito (ou Lavratura de Fragrante de Ato Infracional).
[2] Cabe pontuar que, tecnicamente não há essa previsão legal da defesa técnica ou a própria autodefesa arrolar (indicar) “testemunhas de defesa”, informantes dentre outros atores em sede flagrancial.
[3]Auto de Apreensão em Flagrante de Ato Infracional (AAFAI) ou correlato.
[4] Alterações do Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil quanto a necessidade de advogado acompanhar interrogatório, acaso esteja constituído, sob pena de nulidade; Alterações no Código de Processo Penal quanto a necessidade de advogado acompanhar o policial em caso de óbito em decorrência de intervenção policial entre outras nuances.
[5] Além das hipóteses de sigilosidade em razão de ofício, ministério e profissão que haja imposição de segredo e que o mesmo deva ser guardado.
[6] O critério também para oitiva das testemunhas arroladas pela defesa deve seguir análise da Autoridade Policial quanto à sua prévia demonstração de pertinência, sua imprescindibilidade, temporalidade e relevância para o caso investigado, sob pena de indeferimento de testemunhas protelatórias, impertinentes, irrelevantes que não venham a agregar na busca da verdade possível.
[7] Lembrando que entendemos com maior razão não se aplicar essa participação do advogado em sede flagrancial ou no curso procedimental perante eventuais vítimas e “informantes”.
[8] Existe posição institucional firmada pela Corregedoria da Polícia Civil do estado do Paraná entendendo diametralmente oposto, qual seja, de que o advogado não tem prerrogativa/direito de acompanhamento de oitiva de testemunhas na fase policial. Vide Protocolo nº 16.118.243-5. Corregedoria Área Norte. Manifestação exarada por: Dra. Thaiz Fernanda Corona – Corregedora Auxiliar, em 02 de outubro de 2019.
[9] Tanto é verdade o que estamos afirmando que o próprio Supremo Tribunal Federal já se manifestou no sentido de negar tal direito ao advogado. Inclusive, na Petição de nº 7.612/DF[6], o Ministro Gilmar Mendes sustentou brilhantemente o seguinte:
“Destaco que a norma do art. 7º, XXI da Lei 8.906/94, prevê a assistência dos advogados aos investigados durante a realização dos interrogatórios e depoimentos de seus clientes, não estendendo essa prerrogativa aos depoimentos e interrogatórios dos demais investigados e testemunhas.” (STF - Pet 7.612/DF, Rel. Min. Edson Fachin, j. 12/03/2019. )
[10] Há uma decisão isolada da 1ª instância da comarca de Granja (1ª Vara) do Poder Judiciário do estado do Ceará – da qual não concordamos – , entendendo que o advogado teria esta prerrogativa. Vide no Habeas Corpus nº 0050625-49.2020.8.06.0081- Paciente: Jose Joaquim Benicio Lopes e outros. Impetrante: Joao Saldanha de Brito Junior.
[11] Neste sentido são as lições de Renato Brasileiro de Lima, que cita inclusive posicionamento do Supremo Tribunal Federal. Vejamos: “Ainda que se queira objetar que se trata de verdadeira nulidade, o fato de a Lei nº 13.245/16 tê-la rotulado de absoluta não acarreta, de per si, a invalidação do referido ato, salvo se comprovado o prejuízo causado ao investigado. Afinal, conforme recentes decisões do Supremo Tribunal Federal (v.g., STF, 2ª Turma, HC 117.102/SP, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, j. 25/06/2013), o reconhecimento de uma nulidade, ainda que absoluta, também pressupõe a comprovação do prejuízo. Por conseguinte, ainda que não seja franqueado ao advogado presente o direito de assistir a seu cliente investigado durante a realização do interrogatório policial, não há falar em invalidação do procedimento investigatório se este, por exemplo, permanecer em silêncio.” (LIMA, pag. 208, 2020).
Delegado de Polícia no Estado de Mato Grosso, atualmente lotado como delegado adjunto da Delegacia Especializada de Roubos e Furtos de Barra do Garças. Ex-assessor do Tribunal de Justiça de Mato Grosso. Pós-graduado em Ciências Penais pela rede de ensino Luiz Flávio Gomes (LFG) em parceria com Universidade de Santa Catarina (UNISUL). Pós-graduado em Gestão Municipal pela Universidade do Estado de Mato Grosso - UNEMAT e pela Universidade Aberta do Brasil. Curso de Extensão pela Universidade de São Paulo (USP) de Integração de Competências no Desempenho da Atividade Judiciária com Usuários e Dependentes de Drogas. Colunista do site Justiça e Polícia, coautor de obra jurídica e autor de artigos jurídicos. Atualmente também é professor de cursos preparatórios para concursos públicos.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: JOAQUIM LEITãO JúNIOR, . A (im)possibilidade de o delegado de polícia ouvir testemunhas “arroladas pela defesa” e “informantes” em sede de lavratura de prisão flagrancial ou no curso das investigações e a busca do princípio da verdade possível Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 15 set 2025, 04:22. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/coluna/3863/a-im-possibilidade-de-o-delegado-de-polcia-ouvir-testemunhas-arroladas-pela-defesa-e-informantes-em-sede-de-lavratura-de-priso-flagrancial-ou-no-curso-das-investigaes-e-a-busca-do-princpio-da-verdade-possvel. Acesso em: 15 out 2025.
Por: LEONARDO RODRIGUES ARRUDA COELHO
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