O presente ensaio traça o novo perfil do Direito Internacional Público que tem se desenhado nos últimos anos, a partir da adoção unilateral de represálias e sanções políticas e econômicas pelos países, em substituição à adjudicação de conflitos pela jurisdição internacional.
Tradicionalmente, sempre se mostrou desafiador aos publicistas aceitarem a falta de execução do Direito Internacional Público entre os países signatários dos tratados, gerando desilusão na comunidade acadêmica, em especial ante à ausência de coercibilidade de suas normas. Essa característica inerente ao DIP tem feito muitos internacionalistas migrarem para outros ramos do direito internacional, como o DIPRI, a exemplo de Valério Mazzuoli.¹
Com efeito, a relação entre os dois ramos do direito internacional atravessa um paradoxo. A homologação de sentenças estrangeiras possuem o filtro da ordem pública e da soberania nacional, ao passo que a execução interna de sentenças internacionais contra o Estado-parte carece destes filtros.
Contudo, ambos os ramos estão imbricados. Em caso de não homologação da sentença estrangeira, objeto do DIPRI, o Estado-parte prejudicado pode acionar o Estado-parte que não homologou sua sentença nas instâncias internacionais, como a Corte Internacional de Justiça, decorrendo daí uma sentença internacional, objeto do DIP.
Segundo a clássica lição de Chiovenda “o processo deve dar, quanto for possível praticamente, a quem tenha um direito, tudo aquilo e exatamente aquilo que ele tenha direito de conseguir”. Mas o processo internacional se rege por finalidade diversa. À falta de coercibilidade das normas do DIP, é preciso assumir que em muitas ocasiões, a função deste ramo não é direcionada para a execução, mas para evitar o acirramento do conflito e a deflagração da guerra.
Importante pontuar que o Estado receptor não concorre para a formação da sentença estrangeira. Já a sentença internacional, por outro lado, ratifica a jurisdição do órgão prolator, com o Estado receptor atuando indiretamente na sua formação.
Em artigo sobre a matéria, Juliana Corbacho dos Santos Neves sintetiza a distinção: “em poucas palavras, decisão estrangeira é aquela prolatada por órgão integrante da estrutura institucional de outro Estado e tem seu fundamento no Direito estrangeiro e decisão internacional, por sua vez, é aquela emanada de tribunal internacional que tem jurisdição sobre o Estado-parte no processo internacional e possui amparo no Direito Internacional.”²
Na visão de Hildebrando Accioly:
“Falta à Corte Internacional de Justiça, como faltou à CPJI, a competência compulsória que obrigasse os estados a submeterem suas contendas à Corte. No fundo, os estados decidem se querem ou não se submeter ao sistema jurídico internacional. Nesse sentido de obrigatoriedade, o Estatuto da CIJ admite a possibilidade de os estados virem a declarar a CIJ compulsoriamente competente sobre disputas que versem sobre: (I) interpretação de tratados; (II) questões de direito internacional; (III) disputas sobre a existência de qualquer tipo de fato que venha a significar quebra de obrigação legal; e (IV) contestações sobre a natureza e a extensão de reparações a serem pagas devido a quebras legais.”³
O exame das normas internacionais revela este desafio de execução. Tratando sobre a competência do Comitê de Defesa da Concorrência no âmbito do Mercosul, o Protocolo de Fortaleza, firmado em 1996 e promulgado pelo Decreto 3.602/2000, dispõe no art. 27, §2º: “A determinação de cessação, bem como a aplicação de multa, serão levadas a efeito pelo órgão nacional de aplicação do Estado Parte em cujo território estiver domiciliada a parte infratora”.
Além da jurisdição comunitária, há tratados internacionais com disposição semelhante, como o art. 68.2 da CADH, que dispõe: “A parte da sentença que determinar indenização compensatória poderá ser executada no país respectivo pelo processo interno vigente para a execução de sentenças contra o Estado”. No entanto, o alcance dessa norma é restrito à parte pecuniária do dispositivo, não se aplicando às demais determinações da sentença emitida pela Corte IDH, como as obrigações de fazer.
De fato, a sentença estrangeira homologada deve ser executada como se fosse uma sentença nacional. A EC 45/04 alterou a competência para homologação do STF para o STJ, conforme art. 105, I, “i”, da CF, buscando desafogar a pauta da Suprema Corte. Apesar de relacionada à soberania da nação, na maioria dos casos, tanto a homologação quanto a concessão de exequatur, possuem como pano de fundo questões jurídicas de baixa complexidade, não justificando a competência da Suprema Corte. Após a homologação, a sentença estrangeira é executada na Justiça Federal, segundo o art. 109, X, da CF, seguindo o mesmo rito aplicado às sentenças nacionais, consoante o art. 965 do CPC.
Além disso, a CF atribui a competência para as causas que envolvam Estado estrangeiro ou organismo internacional ao STJ ou ao STF, a depender da contraparte no litígio. Se a outra parte for pessoa física ou jurídica com residência ou domicílio no Brasil, bem como município, a competência será da Justiça Federal (art. 109, II), com Recurso Ordinário para o STJ (art. 105, II, “c”). Se for a União, Estados, Distrito Federal ou Territórios, a competência originária para julgar a causa será do STF (art. 102, I, “e”).
Tradicionalmente, a jurisdição é composta pelos seguintes elementos: imutabilidade, definitividade e coercibilidade, mas no âmbito da jurisdição internacional esses elementos são relativizados. No caso de sentença estrangeira, a jurisprudência consolidada do STJ se firmou no sentido de que a mera pendência de ação judicial no Brasil não impede a homologação de sentença estrangeira, mas a existência de decisão judicial proferida no Brasil contrária ao conteúdo da sentença estrangeira impede a sua homologação.4 Porém, esse entendimento não se estende às sentenças internacionais.
Segundo a clássica lição de Bobbio, a sanção é incindível da prescrição normativa, compondo um todo unitário. Mas a mera previsão de sanção não é suficiente para conformar o fato normando ao preceito normativo, devendo ser estabelecidos meios coercitivos de cumprimento para vencer a resistência da parte recalcitrante.
O tema da coercibilidade no direito internacional (enforcement) é tratado de forma superficial pelos internacionalistas. Esta escassez de estudos doutrinários não ocorre por falta de relevância do tema, mas por sua aridez, e para alguns, insuperabilidade.
Com efeito, a característica da consensualidade do direito internacional revela uma contradição com o princípio democrático aplicado internamente. Enquanto neste a decisão da maioria pode ser imposta manu militari, o descumprimento das normas decididas voluntariamente por consenso pelos países não podem, cabendo apenas a exortação à nação recalcitrante. Essa natureza despoja as sentenças internacionais do atributo da coercibilidade, tornando-as pouco mais que recomendações dos tribunais que as proferem.
Os publicistas costumam atribuir essa discrepância ao atributo da soberania nacional, que ressoa nas relações jurídicas travadas entre as nações que convencionam tratados. Na lição tradicional da doutrina, a jurisdição pressupõe o requisito da coercibilidade, com diversas vertentes da Teorias do Estado buscando fornecer um arcabouço teórico para o exercício da jurisdição no plano interno. O mesmo não pode ser dito do exercício da jurisdição internacional.
De fato, no âmbito interno, qualquer que seja a deliberação provinda da jurisdição, seja declaratória, constitutiva, mandamental ou condenatória, nas áreas cível ou penal, haverá o atributo da coerção, por meio de medidas executivas diretas. Costuma-se dizer que, em última instância, homens armados exigirão seu cumprimento. Exemplo disso pode ser visto no art. 26 da Lei nº 12.016/09, o qual dispõe que o não cumprimento das decisões tomadas em Mandado de Segurança constitui crime de desobediência.
Apesar disso, a execução interna das deliberações internacionais passou por transformações recentes, que devem impactar no ordenamento pátrio. Um exemplo contundente dessa mudança de perfil pode ser visto na Lei nº 13.810/2019, que regulamentou o cumprimento das resoluções sancionatórias do Conselho de Segurança das Nações Unidas nos casos de terrorismo, estendendo suas obrigações a todos os brasileiros, residentes ou não, bem como às pessoas naturais, jurídicas ou entidades em território nacional (art. 8º). Na execução dessas sanções, o art. 33 prevê ainda a aplicação subsidiária tanto do CPC quanto do CPP, em especial das medidas executórias diretas.
Importante frisar que alguns países possuem legislação regendo a forma de execução interna das sentenças internacionais, como é o caso dos EUA e Canadá. O Peru também editou a Lei Processual nº 27.775/2002 para cumprimento das sentenças internacionais proferidas por tribunais internacionais (art. 1º). Contudo, apesar de serem dispensadas de homologação, essas leis ressaltam o filtro da segurança do Estado, da ordem pública e do interesse essencial da nação na execução interna das sentenças internacionais, à semelhança do que já ocorre no procedimento de homologação das sentenças estrangeiras, esvaziando a coercibilidade da sentença internacional.
O Brasil pode se espelhar na lei peruana, bem como na Lei n° 13. 810/2019, para regular mediante lei específica a execução interna das sentenças internacionais. Para tanto, a lei deve dispensar o procedimento burocrático de homologação e relativizar a soberania nacional e a proteção dos súditos, com fundamento na submissão voluntária à jurisdição internacional.
De fato, os arts. 21 e 22 do CPC regulam a competência jurisdicional concorrente, enquanto o art. 23 regula a competência jurisdicional exclusiva. Estes artigos aludem às sentenças estrangeiras, e não às sentenças internacionais. Por seu turno, o art. 1º, I, do CPP ressalva os tratados internacionais, como as regras processuais das Convenções de Mérida e de Palermo, enquanto o art. 7º do ADCT prevê a formação de um tribunal internacional de direitos humanos.
A despeito dessa previsão constitucional e da adesão do Brasil à jurisdição do TPI, o país ainda não firmou o acordo previsto no art. 103 do Estatuto de Roma, para a execução das sentenças condenatórias proferidas pelo tribunal. Com isso, aplica-se ao Brasil o instituto da “entrega”, colocando o condenado à disposição do tribunal, independentemente de extradição, para o cumprimento da pena imposta, que pode ser inclusive a prisão perpétua, excepcionando-se o requisito da dupla incriminação. A Argentina e a Colômbia já firmaram acordos com o TPI, estando habilitadas a receberem os condenados da corte.
Podemos denominar essa ausência de meios internos de coercibilidade do direito internacional público de “Jurisdição Internacional Figurativa”. De fato, no nível individual, as leis existem porque o poder foi entregue aos governos, que podem regular o comportamento individual, uma vez que milhões de pessoas concordaram com essa concessão. Essa força é suficiente para compelir alguém a agir ou não agir de determinada maneira. Já no nível internacional, quase duas centenas de países disputam espaço com interesses distintos, níveis variados de poder e um desejo muito baixo de entrar em guerra.
Na visão dos publicistas, esse traço é característico da finalidade específica do Direito Internacional Público, e não o desqualifica como ramo autônomo do Direito. A esse respeito, discorrendo sobre a execução no direito internacional, Donald R. Rothwell e coautores observam:
“Um dos desafios do sistema jurídico internacional é a sua aplicação. Embora o sistema jurídico municipal tenha desenvolvido mecanismos de aplicação da lei, abrangendo as forças policiais, os tribunais e os sistemas prisionais, não há equivalente no direito internacional. O fato de o direito internacional não possuir os mesmos mecanismos de aplicação que o direito municipal é destacado como um importante ponto de distinção entre os dois sistemas jurídicos. Costuma-se dizer que, na ausência de um "policial internacional", não é possível aplicar o direito internacional de forma eficaz. Embora seja evidente que o sistema jurídico internacional continua a enfrentar desafios de execução, os mecanismos desenvolvidos desde a criação da ONU em 1945 transformaram o sistema jurídico internacional em relação àquele que existia antes da eclosão da Segunda Guerra Mundial. O principal deles foi o estabelecimento da Corte Internacional de Justiça (CIJ) como órgão judicial da ONU – ela tem a capacidade de resolver disputas jurídicas internacionais e proferir sentenças vinculativas para as partes envolvidas no caso, e que podem, em última instância, estar sujeitas às recomendações do Conselho de Segurança caso uma parte ‘deixe de cumprir as obrigações que lhe incumbem’. Além disso, o Conselho de Segurança também tem poderes significativos, nos termos do Capítulo VII da Carta da ONU, para buscar ‘manter e restaurar a paz e a segurança internacionais’ e, como parte desse mandato, o Conselho adota regularmente resoluções vinculativas para os Estados-membros da organização e executáveis por meio de vários mecanismos, incluindo sanções econômicas.”5
De seu turno, comentando o caráter relativo da execução no direito internacional, Dino Kritsiotis e coautores asseveram:
“Quando o filósofo inglês John Austin proferiu as seis palestras que publicou como The Province of Jurisprudence Determined em 1832, ele argumentou que havia leis propriamente ditas (comandos que são 'armados com sanções e impõem deveres, na acepção adequada dos termos' (Austin 1832 [1995], 119) e leis como o direito internacional que eram leis impropriamente ditas, em virtude de uma 'extensão analógica' de termos como 'lei' e 'regra' ( ibid ., 123). Austin considerava a execução, ou pelo menos a exequibilidade, um ingrediente essencial para a existência da lei. Como o direito internacional não apresentava mecanismos óbvios ou facilmente identificáveis para sua execução, ele havia adotado o nome de 'lei' em vão e não podia reivindicar esse status. Com efeito semelhante, uma canção popular japonesa da década de 1880 dizia que 'Há uma Lei das Nações, é verdade,/mas quando chegar o momento, lembre-se,/os fortes devoram os fracos' (Sansom 1965, 407). O direito internacional, no entanto, historicamente considerou a questão de sua existência como algo separado de sua aplicação: a primeira se referia à validação e autoridade dessa lei como lei; a segunda, a questões de sua eficácia. E isso é lógico: uma lei só pode ser aplicada depois que tivermos certeza de sua promulgação.”6
Por fim, Jeffrey L. Dunoff e Mark A. Pollack reforçam sobre o tema:
“Teóricos do direito têm ponderado há séculos se a existência de uma aplicação robusta é uma condição necessária para que o direito internacional seja considerado "direito" em um sentido significativo. Céticos em ambas as áreas argumentam que a ausência de um mecanismo centralizado de aplicação torna o direito internacional epifenômeno para os interesses estatais e considerações de poder relativo (Mearsheimer 2001; Goldsmith e Posner 2005). Essa crítica tem sido aplicada com mais veemência ao uso da força: os críticos alegam que ela não é adequadamente regulamentada pelo direito internacional ou, pior, que as intervenções militares são frequentemente conduzidas por motivos políticos, mas sob o disfarce de aplicação legal (Hoffmann 1961; Glennon 2001). Acadêmicos com uma apreciação mais ampla do direito internacional apontam para uma gama mais ampla de incentivos para o cumprimento, tanto internos quanto externos ao Estado, mas a maioria, ainda assim, reconhece a importância da aplicação de alguma forma. Embora Louis Henkin argumente que os Estados são motivados por uma ‘cultura de conformidade’ com o direito internacional, ele também reconhece que "incentivos externos" – retaliação e sanções por outros Estados – desempenham um papel crucial na promoção de comportamentos de conformidade (Henkin 1995: 50-51). Mary Ellen O'Connell é igualmente otimista em relação à conformidade, mas, ainda assim, enfatiza o valor da aplicação: ‘Enquanto as sanções existirem e apoiarem o cumprimento generalizado da lei, o direito internacional será um sistema jurídico digno desse nome’ (2008: 369).”7
No âmbito diplomático, os países buscam denominadores comuns em suas relações, mas os conflitos são inevitáveis. As reclamações mútuas de violações às leis internacionais de nada valem se não for possível impor o cumprimento à força. Se o país violador for uma potência militar, o queixoso pode apelar para a ONU ou para Haia, mas nada irá mudar, a menos que queira entrar em guerra. Esse quadro revela uma alegação corrente de que as relações internacionais são apenas uma questão de força, e que o direito internacional não passa de um tabuleiro geopolítico.
Com isso, a chamada “jurisdição internacional figurativa” espelha essa vertente quase-jurídica do direito internacional, que se aproxima conceitualmente da “Constituição Semântica” de Karl Loewenstein e da “Constitucionalização Simbólica” de Marcelo Neves, elevadas ao âmbito internacional.
De fato, o direito internacional não pode ser imposto, mas ainda assim é bastante citado nos foros internacionais, inclusive pelos países notoriamente violadores. Com efeito, a maioria dos países só obedecem às leis internacionais quando lhes convêm.
Sob o pálio do direito internacional, a garantia de igualdade entre as nações soberanas é apenas alegórica. Do corpo deste ramo do direito, os direitos humanos são um campo fértil para descumprimento, principalmente pelo excesso de direitos, que já passam de 500, elencados na maioria das vezes em conceitos vagos e abstratos, sem uma linha interpretativa uniforme ou hierárquica bem definida. Neste campo, não é incomum que normas costumeiras se sobreponham às normas positivadas em tratados, e sejam inaplicáveis a um objetor persistente.
Problema semelhante atinge as controvérsias entre os países, regidas na maioria das vezes por um plexo de normas desconexas que estimulam o conflito, em vez da concertação entre as nações. Essa crítica se direciona às mais diversas deliberações internacionais, desde o Tribunal Internacional do Direito do Mar e a Corte Internacional de Justiça, alcançando ainda as cortes regionais, como o Tribunal Permanente de Revisão do Mercosul e o Tribunal de Justiça da União Europeia, além das sentenças da Corte Interamericana de Direitos Humanos e do Tribunal Europeu de Direitos humanos.
Esse problema remonta ao tempo do antigo Tribunal Permanente de Justiça Internacional, criado em 1921, e até da Corte Centro-Americana de Justiça, que funcionou entre 1907 a 1918, tida como o primeiro tribunal internacional da história, e se manteve nos tribunais internacionais modernos.
Contudo, é preciso situar o problema do esvaziamento do “enforcement” das sentenças internacionais a partir dos alicerces teóricos do direito internacional. De fato, o direito nacional encontra-se fincado em séculos de tradição jurídica, cuja evolução envolveu tanto o pensamento científico quanto a simples tentativa e erro.
Em termos históricos, os romanos são tidos como os primeiros a considerar a lei uma ciência, por meio da qual poderiam olhar para o mundo, com todas as pessoas e propriedades, e suas relações pessoais entrelaçadas, através de conceitos jurídicos ordenados, à semelhança dos conceitos usados por matemáticos e físicos em suas observações. Para eles, o direito seria um patrimônio comum dos homens, um vínculo que pode superar suas diferenças e aumentar sua unidade.
Já o direito internacional vai muito além do direito positivo, abarcando normas costumeiras, interpretações de inúmeras organizações internacionais e o “soft law”, composto por uma profusão de declarações e diretivas não vinculativas.
Além disso, a eficácia e a aplicação do direito internacional oscilam segundo as perspectivas internas de cada povo. Na visão de russos e norte-americanos, o direito internacional é desprovido de execução, funcionando mais como um recurso retórico, pois não há meios de executá-lo contra seus países, limitando-se à aplicação de sanções políticas e econômicas pelo descumprimento. O mesmo se aplica à China, uma potência econômica e militar ascendente.
De fato, os crimes cometidos no Iraque, na Ucrânia e em Xinjiang (Uigures) não tiveram maior repercussão no campo jurídico, limitando-se à censura da comunidade internacional. O mesmo pode ser dito da invasão e anexação de Hong Kong, com o estabelecimento de um regime político contrário às aspirações da população da ilha. Por outro lado, os crimes nos Bálcãs (TPII) e na República Democrática do Congo (TPI) tiveram um desfecho bem diverso, com julgamento e aplicação de punição aos perpetradores.
De uma maneira geral, as nações são incentivadas a respeitar o direito internacional consuetudinário para não serem relegadas ao ostracismo na comunidade internacional, e não por temerem uma sentença. Com efeito, duas nações em posições comparáveis, como no conflito entre dois países que não sejam membros permanentes do CSNU, têm maiores chances de se submeter à jurisdição de Haia para resolver suas contendas.
Além do impacto do poderio militar, a concepção sobre o direito internacional também é influenciada pelo sistema jurídico adotado internamente. De fato, da perspectiva dos EUA e do Reino Unido, a força do direito internacional sobre suas nações é relativizada pela posição de membros permanentes do CSNU, somada à adoção do sistema de "common law”, cujas bases diferem substancialmente das empregadas pelo direito internacional. Com efeito, é desafiador para pessoas submetidas a esta tradição jurídica entender que seus países devem obedecer a um sistema em que qualquer tribunal pode ignorar o precedente se achar conveniente, erodindo a noção familiar de "stare decisis".
Importante pontuar que para a formação do “soft law” não há voluntariedade dos países, advindo da consolidação do “ato jurídico internacional”. Mas em certas circunstâncias pode se transformar em costume internacional vinculativo. O mesmo ocorre com os pareceres consultivos da Corte Internacional de Justiça, que podem adquirir caráter vinculante (binding).
Em geral, a aplicação das deliberações da jurisdição internacional em casos de não cumprimento voluntário não é objeto do Direito Internacional, porque a adesão aos tratados é voluntária, com exceção do capítulo VII da Carta da ONU, que se fundamenta no uso da força pelos membros permanentes do Conselho de Segurança, restrito aos casos de ameaças à paz, violações da paz ou atos de agressão (arts. 39 a 51), e que raramente é acionado.
Na visão dos publicistas, as soluções pacíficas de controvérsias podem ser diplomáticas (bons ofícios, aquiescência e mediação, por exemplo) e jurídicas, com o acionamento da jurisdição internacional. Em caso de fracasso dos métodos pacíficos, a doutrina prevê o recurso às soluções coercitivas, tais como: retorsão (pena de talião entre Estados, com aplicação da mesma medida, que pode ser administrativa ou legislativa), represálias (infligir um dano ao Estado que praticou a medida ilegal), embargos (sequestro de navios e cargas), bloqueio pacífico (impedir a comunicação com portos ou com a costa), boicotagem (interromper as relações comerciais), até a ruptura das relações diplomáticas.
O recurso às represálias não armadas são aceitas pela maioria dos publicistas, tal como a recusa ao cumprimento de uma obrigação contraída com o Estado violador (obligatio stricti Juris) ou a interdição de gozo de um direito que lhe pertence. Já as represálias armadas são condenadas pelos publicistas contemporâneos.
Em termos históricos, o Pacto Kellogg-Briand não evitou o recurso à guerra, tanto de agressão como defensiva. Com efeito, esse pacto, por mais solene que fosse, foi considerado uma mera declaração visando cobrir lacunas do Pacto da Sociedade das Nações, e não impediu os eventos de 1939 que levaram à Segunda Guerra Mundial. O Pacto da Sociedade das Nações previa no art. 16 a boicotagem contra nações que recorressem à guerra. Essa medida foi posteriormente incorporada no art. 42 da Carta da ONU. O mesmo dispositivo permite a aplicação de represálias armadas, desde que autorizadas pelo CSNU.
Apesar disso, o recurso à guerra se tornou comum nos últimos anos. A esse respeito, muitos especialistas têm debatido possíveis efeitos econômicos e políticos no cálculo da guerra ou de cessar-fogos. Dentre as possíveis consequências do estado de guerra, há a dependência econômica ao complexo industrial militar, com impacto significativo sobre o PIB, o aumento da demanda por vagas de emprego, a redução maciça de desempregados em decorrência das baixas no conflito, como ocorre atualmente na Rússia, a modernização do estoque de armas, além dos efeitos das sanções políticas e econômicas.
No âmbito do constitucionalismo pátrio, os princípios internacionais da defesa da paz e da não-intervenção (art. 4º, IV e VI) podem conflitar com o princípio da prevalência dos direitos humanos (art. 4º, II), quando o país violador não adere aos tratados, não se submete à jurisdição internacional nos casos de jus cogens ou não cumpre as deliberações vinculativas. Com isso, é preciso aperfeiçoar os mecanismos de execução forçada para além do recurso extremo ao capítulo VII da Carta da ONU, que remete à afamada tutela internacional pelas potências militares.
Em 2011, a CIJ julgou o caso “Alemanha vs Itália: Grécia Intervindo” sobre a imunidade jurisdicional do Estado. No caso, a República Federal da Alemanha alegou que a República italiana violou a obrigação de respeitar sua imunidade de jurisdição. Apesar da divergência interna, a corte deu ganho de causa à Alemanha, reafirmando sua jurisprudência tradicional sobre a imunidade dos atos de império no caso do infame massacre da aldeia grega de Distomo pelo Terceiro Reich em 1944, resultando no assassinato de 228 pessoas, incluindo 40 crinaças e 20 bebês, como uma punição coletiva pela resistência à ocupação alemã.
A teoria dos atos de império se aproxima conceitualmente da teoria das questões políticas, dividindo os atos estatais em jus imperii e jus gestionis. Em regra, somente estes últimos permitem a penhora de bens do Estado estrangeiro em solo pátrio. Este ato constritivo não se confunde com a penhora internacional, que recai sobre bens de particulares situados em Estado estrangeiro, efetivada por meio de carta rogatória, um instrumento de cooperação jurídica internacional.
Por outro lado, para a execução de uma sentença nacional contra um Estado estrangeiro em solo pátrio são necessárias duas renúncias: à imunidade de jurisdição e à imunidade de execução. Neste caso, o Estado estrangeiro não é citado para a ação, havendo inicialmente mera comunicação para decidir se renuncia ou não à imunidade. No caso de organizações internacionais, como a ONU, as imunidades advêm de tratados, e não do direito costumeiro.
Uma década após a decisão da CIJ no caso “Itália vs Alemanha: Grécia Intervindo”, o STF contrariou o precedente internacional, decidindo que os atos ilícitos praticados por Estados estrangeiros em violação a direitos humanos não gozam de imunidade de jurisdição, superando a imunidade dos atos de império. O caso envolveu o ataque do Terceiro Reich ao barco pesqueiro Changri-lá no mar territorial brasileiro, próximo à costa de Cabo Frio/RJ, resultando na morte de 10 pescadores em 1943, um ano antes do massacre de Distomo.
A CIJ ainda não teve a oportunidade de se manifestar acerca dos crimes praticados pelo Japão na Segunda Guerra Mundial, que incluem: o extermínio de Nanquim, conhecido como o holocausto chinês; forçar o suicídio da própria população em Okinawa; canibalismo de civis e prisioneiros; e experimentos científicos com vivissecção de crianças vivas. Estes crimes foram objeto do Julgamento de Tóquio em 1946, mas nunca chegaram à CIJ para condenar o Japão a ressarcir as vítimas.
Impende destacar que a atuação da CIJ em um caso específico pressupõe a aceitação da cláusula facultativa de competência contenciosa da corte. A sentença da CIJ é definitiva e inapelável, sendo obrigatória para as partes em litígio, podendo a corte exigir-lhe o cumprimento antes de iniciar o processo de revisão, conforme arts. 59, 60 e 61.3 do Estatuto da CIJ.
Além do embate indireto com a jurisprudência da CIJ neste caso, o STF também confrontou diretamente decisões da Corte IDH em casos de crimes cometidos por agentes estatais. Com efeito, no julgamento da ADPF 153 em abril de 2010, o STF contrariou a jurisprudência da Corte IDH acerca da vedação às autoanistias, como no julgamento do caso Almonacid Arellano e outros vs Chile em 2006.
De fato, em abril de 2010, o Supremo Tribunal Federal considerou que a Constituição Federal recepcionou a Lei n. 6.683/79, por considerá-la “...uma lei-medida, não uma regra para o futuro, dotada de abstração e generalidade. Há de ser interpretada a partir da realidade no momento em que foi conquistada.” Pouco depois, em novembro de 2010, a Corte IDH decidiu o caso Gomes Lund vs Brasil, entendendo que a anistia conferida aos agentes estatais brasileiros era inconvencional, declarando inválida a decisão do STF, tida como um mero fato. Em seguida, foi ajuizada a ADPF 320 no STF para fazer prevalecer a decisão da Corte IDH.
Alguns dados sobre os dois casos merecem destaque. Almonacid Arellano era professor e Gomes Lund estudante, e ambos foram mortos no ano de 1973 por agentes estatais no contexto da repressão política, sendo o primeiro executado com um tiro na delegacia e o segundo vítima de desaparecimento forçado, como quase todos os integrantes da Guerrilha do Araguaia. A anistia chilena se deu em 1978, ao passo que a brasileira ocorreu no ano seguinte, tendo a decisão da Corte IDH no caso Almonacid sido proferida em 2006 em Brasília. A partir dessa decisão, o executor de Almonacid foi levado a julgamento em 2011 e condenado pelo crime, sendo a sentença referendada pela Suprema Corte chilena em 2013. Já no caso brasileiro, a ADPF 320 tramita há mais de uma década no STF, mantendo a sentença da Corte IDH sem efeito interno, barrando a persecução penal dos acusados.
Dentre as medidas para execução das sentenças internacionais, em especial nos casos mais graves de violação massiva de direitos humanos, parte da doutrina defende a aplicação da intervenção internacional, que apresenta muitos desafios teóricos e práticos.
A CF prevê a possibilidade de Intervenção Federal no art. 34 para repelir agressão estrangeira, e o art. 139 prevê a decretação do Estado de Sítio no caso de agressão armada estrangeira. Contudo, para além da hipótese de agressão armada estrangeira, o direito constitucional pátrio prevê a possibilidade de intervenções federal e estadual para a execução de lei, ordem ou decisão judicial, conforme previsto nos arts. 34, VI e 35, IV, da CF. No caso de execução de lei federal, é necessária representação do Procurador-Geral da República e provimento do Supremo Tribunal Federal, que comunicará ao Presidente da República para que publique o decreto de intervenção em 15 dias (art. 11 da Lei nº 12.652/11). Já no caso de decisão judicial, o STF, STJ e TSE podem requisitar de ofício a intervenção ao Presidente da República (art. 22 da Lei nº 8.038/90). Nestes casos haverá relativização da autonomia dos entes subnacionais.
Mas a intervenção internacional sempre se mostrou um instituto polêmico no direito internacional por relativizar a soberania nacional. Em 1827, França, Grã-Bretanha e Rússia se uniram para intervir militarmente a favor dos gregos na luta contra o Império Otomano, enviando seus esquadrões navais. Na ocasião, a intervenção foi considerada legítima pelo sentimento de humanidade com o povo grego, mas o principal motivo que levou as potências da época a intervir foram os danos materiais sofridos por seus próprios nacionais.
Da mesma forma, a atuação da marinha britânica contra navios negreiros no oceano Atlântico se caracterizou como uma intervenção marítima com fins humanitários, especialmente após a aprovação da Lei Bill Aberdeen em 1845, que autorizou o afundamento dos navios que descumprissem a ordem. Contudo, tal como a intervenção na Grécia, o motivo principal do bloqueio foi essencialmente comercial, tanto que muitos navios foram afundados com os cativos a bordo. Além disso, historiadores indicam que a eficácia do bloqueio, que durou décadas, foi sabotada pela corrupção generalizada.
Modernamente, a intervenção no Golfo Pérsico em 1991 foi autorizada pelo CSNU, e levada a cabo por uma coalizão de 34 países liderados pelos EUA. Com fundamento no mesmo Capítulo VII da Carta da ONU, o CSNU aprovou a imposição de uma zona de exclusão aérea sobre o território líbio, tal como fez em 1992 na Bósnia e Herzegovina, ficando a região regida pelo art. 9° da Convenção sobre Aviação Civil.
No caso líbio, a intervenção aérea resultou em diversos bombardeios logo nas primeiras horas e foi tida como manifestação da responsabilidade de proteger (responsibility to protect) adotada pela ONU em 2005. Àquela altura, muitas críticas já tinham sido feitas à inação das Nações Unidas no massacre da etnia tútsi em Ruanda, em 1994, que durou 100 dias e resultou em mais de 800 mil mortes.
Desse quadro surgiu o questionamento se, além de países subdesenvolvidos e ditatoriais, seria possível aceitar intervenções internacionais pontuais em países democráticos, seja por motivos humanitários ou para repelir atos ilegais, como agressão. E em caso positivo, há de se questionar até que ponto seria possível intervir, como último recurso, para forçar o cumprimento de sentenças internacionais nos litígios em geral.
Atualmente, os arts. 41 e 42 da Carta da ONU regulam o uso progressivo da força internacional, podendo compreender “demonstrações, bloqueios e outras operações por parte das forças aéreas, navais ou terrestres”, servindo de respaldo jurídico para as intervenções internacionais. Nos casos de agressão armada, a intervenção é aceita pela maioria dos publicistas, no entanto, a Comissão de Direito Internacional discutiu os critérios para a configuração de atos de agressão por um longo período, desde 1951, evitando a todo custo fixar uma definição específica, pois seus impactos iriam muito além dos aspectos jurídicos, gerando implicações nos campos político e militar.
Somente em 1974, a Assembleia Geral da ONU aprovou a Resolução 3314 (XXIX), acolhendo uma definição com três critérios: ataques à soberania, à integridade territorial e à independência política. Mas no âmbito do TPI, somente com a Conferência de Kampala em 2010 é que o Estatuto de Roma foi integrado com o artigo 8 bis, tendo o item 2 elencado sete atos caracterizadores de crimes de agressão, os quais independem da prévia declaração de guerra.
Quanto aos direitos protegidos, a coercibilidade de sentenças internacionais para proteção de direitos civis e políticos, como o direito à vida, à liberdade e à integridade física da população, possui maior aceitação do que os direitos econômicos, sociais e culturais. À esse respeito, os Princípios de Limburgo de 1986 e as Diretrizes de Maastricht de 1997 buscaram concretizar esses direitos previstos no PIDESC. Por meio deles, chegou-se ao consenso de que apenas medidas legislativas não são suficientes, cabendo aos governos adotar medidas administrativas para implementação dessa classe de direitos. Mas forçar sua aplicação interna se mostra mais desafiador.
No âmbito da CADH, o art. 26 alude ao desenvolvimento progressivo dos direitos sociais “na medida dos recursos disponíveis, por via legislativa ou por outros meios apropriados”. Esse artigo deve ser lido em compasso com o art. 2º da mesma CADH, que dispõe que os Estados-Partes devem adotar as medidas legislativas ou de outra natureza que forem necessárias para tornar efetivos os direitos e liberdades reconhecidos na Convenção. De fato, o art. 2º está localizado no Capítulo I - Da Enumeração de Deveres, estendendo seus efeitos normativos a todos os direitos elencados nos demais capítulos, inclusive aos direitos sociais previstos no Capítulo III.
Apesar disso, o Protocolo de San Salvador de 1988 dispôs no art. 1º que os Estados-Partes devem adotar medidas até o máximo dos recursos disponíveis e levando em conta seu grau de desenvolvimento, a fim de conseguir, progressivamente e de acordo com a legislação interna, a plena efetividade dos direitos reconhecidos neste Protocolo.
A efetividade dos direitos sociais nos planos interno e internacional tem se consolidado nos últimos anos, havendo convergência nesse sentido entre constitucionalistas e internacionalistas. No ordenamento pátrio, a implementação de direitos sociais básicos foi aceita pela Suprema Corte em casos específicos, possibilitando o recurso a medidas coercitivas, como bloqueio de valores, rompendo a barreira da separação entre os poderes e a autonomia dos entes federativos. Já no plano internacional, as medidas coercitivas esbarram no entrave da soberania nacional, que é relativizada apenas em casos excepcionais.
Percebe-se que a coercibilidade das deliberações internacionais segue uma gradação. Primeiramente, é preciso distinguir os casos de disputas entre Estados. Neste âmbito, é necessário analisar se a disputa diz respeito a Estados-Parte de algum tratado. Afora este aspecto formal, é necessário distinguir o conteúdo da disputa, que pode resultar de atos de agressão bem definidos ou atos de cunho comercial ou fronteiriço. No outro plano, há os casos relacionados aos ataques de um Estado aos direitos da população. Também aqui é preciso distinguir se o Estado é parte de algum tratado, em especial de direitos humanos, e quais direitos estão sendo vilipendiados. Neste último caso, as dificuldades da adjudicação internacional não se dão apenas por sua natureza, mas também por sua forma. Com efeito, há mais de uma dezena de tribunais e órgãos internacionais, como comitês e subcomitês, que emitem decisões e opiniões consultivas sobre os mais variados temas.
Os dilemas da jurisdição internacional não passaram despercebidos da literatura especializada. Ruth Mackenzie, Cesare Romano e Yuval Shany publicaram a obra “The Manual on International Courts and Tribunals” em 1999, antes da instalação do TPI. A Conferência de Roma ocorreu um ano antes da publicação do livro, em 1998, mas o TPI só foi criado em 2002. A 2° edição da obra foi lançada duas décadas depois, em 2010, pela Oxford University Press, e conta com a análise de inúmeros casos submetidos ao TPI neste período.
Já o livro “International Courts and Tribunals”, editado por William A. Schabas, é mais recente, tendo sido lançado em 2014. O Capítulo 8 da Parte II da obra, escrito por Cesare Romano, coautor da obra anterior, possui o sugestivo título "A mudança do paradigma consensual para o compulsório na adjudicação internacional: elementos para uma teoria do consentimento". Isso mostra que os publicistas têm debatido a proteção dos direitos humanos tanto pelas cortes criminais, como o TPI, cuja competência se limita às pessoas físicas, quanto pela Corte Internacional de Justiça, que julga apenas países.
Dentre os trabalhos acadêmicos que se debruçaram sobre o tema, Ney Alves Veras apresentou em 2022 a tese de doutoramento na USP intitulada “Sentença internacional como título executivo judicial e sua implementação no Brasil: o caso das sentenças da Corte Interamericana de Direitos Humanos”, debatendo os desafios que cercam a imperatividade e coercibilidade das sentenças internacionais (item 1.5, p. 57).
Ao final da tese há uma breve exposição dos projetos de lei sobre a matéria: pl 4038/08 (cooperação jurídica com o TPI), pl 881/22 (cooperação jurídica mais ampla, com alterações no CPP), pl 153/20 (Corte IDH e Comissão Interamericana) e pl 824/24 (sentenças estrangeiras sobre violência contra mulheres, crianças e idosos, com alteração no CPC). Outras propostas já foram arquivadas, como o pl 220/16. Mas nenhuma dessas propostas toca no cerne do problema: a execução interna forçada de sentenças internacionais, com a consequente relativização da soberania nacional.
O art. 38 do Estatuto da CIJ elenca as quatro fontes normativas utilizadas para as decisões, sem que haja hierarquia rígida entre elas, mas com predominância das normas de jus cogens, estabelecendo ainda uma cláusula opcional para competência compulsória da corte. Por sua vez, o art. 53 da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados define jus cogens como a norma aceita e reconhecida pela comunidade internacional dos Estados como um todo, da qual nenhuma derrogação é permitida.
Por outro lado, a sentença da Corte IDH exarada na função contenciosa produz coisa julgada internacional, com eficácia vinculante e direta às partes entre as quais é dada. Além disso, a Corte pode lançar mão do instituto da “supervisão de cumprimento de sentença” para monitorar a execução das medidas por ela determinadas, com base no art. 63.1 da CADH.
Ainda é possível citar o Direito Internacional Marítimo, cuja jurisdição regula a navegação, a exploração de recursos naturais, as disputas fronteiriças, a resolução de acidentes e as questões securitárias, com a criação de zonas jurisdicionais no espaço oceânico entre as nações. Em 1958, em Genebra, foi realizada a codificação sobre o mar territorial, o alto mar, a plataforma continental, a pesca e a conservação de recursos vivos em alto mar. Por fim, o desafio de coercibilidade também se estende ao cumprimento de decisões advindas da arbitragem internacional em questões marítimas.
Um exemplo recente de disputa marítima em ascensão pode ser vista no Polo Norte. O Ártico possui uma extensão de 21 milhões de km², sendo dois terços formados pelo Oceano Glacial Ártico, que apesar do nome é tecnicamente um mar, e não um oceano. Em 2009, foi descoberto que o Ártico possui cerca de 100 bilhões de barris de petróleo e quase 50 bilhões de barris líquidos de gás natural. Ao contrário da Antártica, que não possui depósitos minerais conhecidos, o Ártico ainda é rico em lítio, cobalto e grafite, além de metais terras raras, como disprósio, térbio e neodímio.
As alterações climáticas são mais intensas no Ártico, fazendo áreas antes cobertas de gelo se tornarem acessíveis, em especial a Rota do Mar do Norte e a Passagem Noroeste, que estão se convertendo em rotas comerciais economicamente viáveis, desviando o tráfego do Canal de Suez, no Egito, com economia de 40% no tempo de viagem e de combustível. Com isso, diversamente do Polo Sul, que é objeto de cooperação, o Polo Norte virou foco de intensa competição, com a instalação de bases de lançadores de mísseis, submarinos e navios de guerra nucleares.
Um reflexo do crescente conflito internacional no Ártico pode ser visto no tratamento dado pela Rússia após a intensificação do degelo na região. A Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar (UNCLOS) dá à Rússia poderes sobre o mar ao norte da Sibéria, mas somente se estiver coberto de gelo na maior parte do ano, assemelhando-se a um continente branco intermitente. Esses poderes estendidos fizeram com que a Rússia cobrasse elevadas taxas alfandegárias dos navios que trafegam pela passagem do norte. Com o derretimento perene do gelo, a passagem passou à natureza de “águas internacionais”, saindo da jurisdição russa. Essa nova qualificação é objeto de intenso debate no Conselho do Ártico, composto pelos oito países circumpolares: Canadá, Noruega, Finlândia, Islândia, Suécia, Rússia, EUA e Dinamarca (com as Ilhas Faroé e a Groenlândia).
Na prática, contudo, são as grandes potências militares globais que têm ditado as regras na região. Até a China mostrou suas ambições na área com a aprovação da Rota da Seda Polar, fornecendo proteção securitária aos navios russos na região. Os EUA não ficaram para trás, tendo atualizado a Estratégia para o Ártico em 2022, solicitando no ano seguinte a expansão de sua plataforma continental no leito ártico. O embate na região em decorrência da cobiça das grandes potências tem o potencial de gerar novos conflitos internacionais, com fortes impactos à fauna local, a serem submetidos à arbitragem ou adjudicação internacionais.
No âmbito do direito pátrio, o art. 20, V, da CF dispõe que os recursos naturais da plataforma continental e da zona econômica exclusiva pertencem à União, sendo assegurada participação financeira nos resultados da exploração (royalties) ou compensação financeira aos entes subnacionais, conforme o art. 20, §1º, da CF, com a redação dada pela EC 102/2019, que retirou os órgãos da administração direta da União do rol de beneficiários. Essas disposições constitucionais, em compasso com a Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, podem impactar na regulação das reservas naturais offshore, como a camada pré-sal e a margem equatorial, além do Acordo Internacional sobre o Aquífero Guarani, um tratado assinado entre Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai para gestão dessa enorme reserva de água doce subterrânea.
Além disso, o Brasil é um país continental, e necessita de vigilância de suas fronteiras, com uso de drones e fibra óptica, além da autonomia no lançamento de satélites, para garantir sua soberania. Para tanto, precisa firmar parcerias estratégicas com nações notoriamente descumpridoras do direito internacional. Essa necessidade possui reflexo na legislação interna, como o art. 75, III, “f”, da Lei nº 14.133/21, que dispensa a licitação em casos de alta complexidade tecnológica e defesa nacional, e o art. 27, II, da Lei nº 10.973/2004, que busca estimular a inovação na indústria de defesa nacional.
Do ponto de vista geográfico, a elevação média dos continentes é de 838 metros, enquanto a profundidade média dos oceanos é de 3.682 metros, decorrendo daí uma relação de profundidade entre continentes e oceanos de 20%/80%, enquanto a relação da área superficial é de 30%/70%. Se todo o gelo das calotas polares e do alto das montanhas derretesse, o nível do mar se elevaria em 70 metros. No passado remoto do planeta, estima-se que a Terra já passou por períodos em que até 90% da superfície estava coberta de água, e outros períodos em que estava completamente coberta de gelo (“Terra Bola de Gelo”). Com isso, além do Ártico, essas alterações podem impactar diferentes continentes no futuro próximo, gerando novos conflitos que irão desaguar na jurisdição internacional.
Importante destacar que os conflitos modernos são assimétricos, com pequenos exércitos tendo capacidade de impor grandes prejuízos ao inimigo, como os drones do Azerbaijão contra a Armênia em Nagorno-Karabakh em 2023, um conflito de origem étnica que perdurou por mais de um século e que teve fim em 2025. Outros casos recentes de assimetria são: a evacuação das tropas americanas de Cabul em 2021, semelhante à queda de Saigon em 1975; a continuação de ataques dos Houthis no mar vermelho, mesmo após a ofensiva aérea dos EUA em abril de 2025 que custou mais de um bilhão de dólares; a persistência da atuação do Hamas na faixa de Gaza; e o ataque de drones ucranianos contra aviões russos em junho de 2025.
Além dessa assimetria, as nações utilizam sanções comerciais como forma de defender seus interesses, abrindo mão da submissão do caso às cortes internacionais. Com efeito, a Rússia vende gás subsidiado à Europa, mas fecha os gasodutos de forma unilateral, em clara violação aos tratados assinados com os países europeus. Por seu turno, a China e os países do sudeste asiático praticam dumping em suas exportações, mantendo uma desvalorização artificial de suas moedas. Já os EUA impõem tarifas exorbitantes sobre importações, com natureza de embargo comercial sancionatório, fazendo uso ainda de sanções primárias e secundárias contra países e autoridades, como o bloqueio às transações financeiras internacionais.
No caso específico dos EUA, há uma particularidade única no comércio internacional, pois as exportações e importações globais são feitas em dólar, cuja emissão é controlada com exclusividade pelo FED e impressas pelo Departamento de Gravura e Impressão. Em 1971, o dólar virou uma moeda fiduciária, cujos alicerces passaram a ser a solidez na economia, o poderio militar e a fidúcia relacionada ao padrão monetário utilizado para o pagamento de impostos. Porém, o déficit na balança comercial norte-americana gera um aumento crescente na dívida pública, de quase 40 trilhões de dólares. Apesar disso, Japão e China estão entre os maiores compradores de títulos da dívida americana.
No âmbito dos conflitos comerciais, o art. 22 do Entendimento Relativo às Normas e Procedimentos sobre Solução de Controvérsias da Organização Mundial do Comércio (OMC) prevê a aplicação de sanções políticas e econômicas, como a suspensão de concessões ou compensações em caso de descumprimento. No caso do Mercosul, o art. 31 do Protocolo de Olivos também permite a aplicação de sanções.
Conclusão
Muitos publicistas argumentam que não é papel dos tribunais internacionais doutrinar por meio de sentenças, mas sim decidir de forma objetiva, buscando cessar e reparar as graves violações aos tratados. No caso da Corte IDH, é frequente a crítica direcionada à pauta de julgamentos e ao conteúdo de suas decisões, voltadas primariamente ao aperfeiçoamento da jurisprudência da corte, a partir do filtro feito pela Comissão, enquanto países como Venezuela continuam violando gravemente os direitos de sua população.
A consensualidade é a viga mestra do direito internacional, diferindo dos demais ramos do direito. De fato, o direito é calcado no princípio democrático, estendendo sua obrigatoriedade a toda a população, mesmo que seja aprovado pela maioria. Já o direito internacional tem como marca a aplicação restrita às nações que expressamente aderiram às suas normas, como um tratado, salvo raras exceções, como o capítulo VII da Carta das Nações Unidas.
Há muito se fala sobre uma reforma nas balizas do direito internacional que inclua meios coercitivos, visando tirá-lo do reino figurativo e alçá-lo a um verdadeiro ramo do direito. Mas é provável que sua essência não seja essa. Não se espera que o Conselho de Segurança das Nações Unidas invoque o capítulo VII da Carta da ONU para todo tipo de conflito, das guerras tribais na Papua Nova Guiné às ameaças nucleares. Na maior parte do tempo, o DIP é naturalmente figurativo, utilizado precipuamente para fomentar a comunhão entre os povos e nações, e só raramente tem sido imposto coercitivamente.
No embate entre o Direito Constitucional e o Direito Internacional, constitucionalistas e publicistas discutem meios para solucionar as controvérsias havidas entre Estados soberanos. Do seio do movimento constitucionalista, em especial após o advento da globalização, surgiu a ideia de um constitucionalismo mundial, que disputou espaço com o movimento internacionalista. A proposta de uma Constituição Mundial vigorou entre 1968 e 1991, visando o estabelecimento de um governo mundial federalista (CFoE e WCPA). Para tanto, seria possível se falar em controle de supraconvencionalidade, submetendo os tratados internacionais ao controle da Constituição Mundial a cargo da CIJ. Mas diante do atual cenário geopolítico e “geojurídico”, com fortalecimento do nacionalismo, essas propostas são tidas como fruto da utopia.
A vertente do Patriotismo Constitucional, ao contrário do que parece à primeira vista, fornece um sentido contrário ao ultranacionalismo, buscando realçar a pluralidade étnica e cultural. Atualmente, no entanto, a balança pende para o nacionalismo, que ganhou força política e doutrinária. Essa vertente não se confunde com as heteroconstituições, que fornecem a ideia de diversidade, mas que na verdade se aplicam a constituições impostas a outros países, como no caso das possessões britânicas (Austrália em 1901 e África do Sul em 1909).
Segundo Konrad Hesse, as normas constitucionais são imperfeitas, porque a sua violação não é acompanhada de sanção jurídica suficiente para repor sua força normativa, por não haver instância superior da ordem jurídica que lhe assegure a observância pelos órgãos de soberania, dependendo da sua vontade para respeitá-la e cumpri-la. Esse escólio acerca da força normativa da constituição pode ser transposto, mutatis mutandis, ao plano da jurisdição internacional.
Atualmente, a falta de base convencional para sedimentar a coercibilidade na adjudicação internacional pode ser superada pelo nascente direito consuetudinário que tem se formado a partir da atuação dos Estados na arena geopolítica, em especial com a adoção generalizada de sanções primárias e secundárias.
De fato, às ameaças de anexação da Rússia aos países bálticos, em especial a Estônia, somam-se as ameaças de anexação de Taiwan pela China, que são respondidas pela ameaça de anexação da Groenlândia pelos EUA. Com isso, a coercibilidade da arbitragem e adjudicação internacionais pode substituir o recurso às ameaças mútuas como meio de alcançar a estabilidade internacional.
Citações:
1- “Direito internacional público é lindo na teoria e ineficiente na prática”, entrevista na Conjur publicada em 14/05/2017.
2- “Execução das decisões emanadas da Corte Interamericana de Direitos Humanos e do sistema jurídico brasileiro e seus efeitos", 2011, p. 286-287.
3- Manual de Direito Internacional Público, editora Saraiva, 2012, item 3.1.13.1.1.
4- HDE 1.396/EX, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Corte Especial, j. 23/09/2019, DJe 26/09/2019.
5- International Law: Cases and Materials with Australian Perspectives, editora Cambridge University Press, 2010, págs. 604 - 658, traduzido.
6- O Guia de Cambridge para o Direito Internacional, editora Cambridge University Press, 2012, Parte III, Capítulo 11, traduzido.
7- Perspectivas Interdisciplinares em Direito Internacional e Relações Internacionais: O estado da arte, editora Cambridge University Press, 2012, págs. 502 - 523, traduzido.
Oficial de Justiça do TRT 7° Região.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: COELHO, LEONARDO RODRIGUES ARRUDA. A Nova Face do Direito Internacional Público Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 11 set 2025, 04:42. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/69625/a-nova-face-do-direito-internacional-pblico. Acesso em: 11 set 2025.
Por: Guilherme Waltrin Milani
Por: Beatriz Matias Lopes
Por: MARA LAISA DE BRITO CARDOSO
Por: Vitor Veloso Barros e Santos
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