AC 2695-MC/RS*
RELATOR: Min. Celso de Mello
EMENTA:  LEI DE IMPRENSA (LEI Nº 5.250/67).  FORMULAÇÃO, PELO SUPREMO TRIBUNAL  FEDERAL, DE JUÍZO NEGATIVO DE RECEPÇÃO  DESSE DIPLOMA LEGISLATIVO PELA  VIGENTE CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA (ADPF  130/DF). AUTONOMIA  CONSTITUCIONAL DO DIREITO DE RESPOSTA (CF, ART. 5º,  V). CONSEQÜENTE  POSSIBILIDADE DE SEU EXERCÍCIO, INDEPENDENTEMENTE DE  REGULAÇÃO  LEGISLATIVA. ESSENCIALIDADE DESSA PRERROGATIVA FUNDAMENTAL,   ESPECIALMENTE SE ANALISADA NA PERSPECTIVA DE UMA SOCIEDADE QUE VALORIZA O   CONCEITO DE “LIVRE MERCADO DE IDÉIAS”. O SENTIDO DA EXISTÊNCIA DO   “MERCADO DE IDÉIAS”: UMA METÁFORA DA LIBERDADE? O DEBATE EM TORNO DA   QUESTÃO DO OLIGOPÓLIO DOS MEIOS DE COMUNICAÇÃO SOCIAL E A PROPOSTA DE   REVISÃO CONCEITUAL DA ANTIGA NOÇÃO DO “FREE MARKETPLACE OF IDEAS”: DE   OLIVER WENDELL HOLMES, JR. A JEROME A. BARRON. UMA NOVA VISÃO DO DIREITO   DE RESPOSTA (SUA IDENTIFICAÇÃO COMO DIREITO IMPREGNADO DE   TRANSINDIVIDUALIDADE): MEIO DE REALIZAÇÃO, EM CASOS DE INDETERMINAÇÃO   SUBJETIVA DOS INTERESSADOS (MESMO DAS PESSOAS NÃO DIRETAMENTE AFETADAS   PELA PUBLICAÇÃO), DO DIREITO À INFORMAÇÃO CORRETA, PRECISA E EXATA.   PRERROGATIVA FUNDAMENTAL QUE TRADUZ, EM CONTEXTO METAINDIVIDUAL,   VERDADEIRA GARANTIA INSTITUCIONAL DO CONTRADITÓRIO PÚBLICO. A QUESTÃO DO   DIREITO DIFUSO À INFORMAÇÃO HONESTA, LEAL E VERDADEIRA: A POSIÇÃO DE  L.  G. GRANDINETTI CASTANHO DE CARVALHO, DE GUSTAVO BINENBOJM E DE FÁBIO   KONDER COMPARATO. “A PLURIFUNCIONALIDADE DO DIREITO DE RESPOSTA”  (VITAL  MOREIRA, “O DIREITO DE RESPOSTA NA COMUNICAÇÃO SOCIAL”) OU AS  DIVERSAS  ABORDAGENS POSSÍVEIS QUANTO À DEFINIÇAO DA NATUREZA JURÍDICA  DESSA  PRERROGATIVA FUNDAMENTAL: (a) garantia de defesa dos direitos de   personalidade, (b) direito individual de expressão e de opinião, (c)   instrumento de pluralismo informativo e de acesso de seu titular aos   órgãos de comunicação social, inconfundível, no entanto, com o direito   de antena, (d) garantia do “dever de verdade” e (e) forma de sanção ou   de indenização em espécie. A FUNÇÃO INSTRUMENTAL DO DIREITO DE RESPOSTA   (DIREITO-GARANTIA?): (1) NEUTRALIZAÇÃO DE EXCESSOS DECORRENTES DA   PRÁTICA ABUSIVA DA LIBERDADE DE COMUNICAÇÃO JORNALÍSTICA, (2) PROTEÇÃO   DA AUTODETERMINAÇÃO DAS PESSOAS EM GERAL E (3) PRESERVAÇÃO/RESTAURAÇÃO   DA VERDADE PERTINENTE AOS FATOS REPORTADOS PELOS MEIOS DE COMUNICAÇÃO   SOCIAL. O DIREITO DE RESPOSTA/RETIFICAÇÃO COMO TÓPICO SENSÍVEL E   DELICADO DA AGENDA DO SISTEMA INTERAMERICANO: A CONVENÇÃO AMERICANA DE   DIREITOS HUMANOS (ARTIGO 14) E A OPINIÃO CONSULTIVA Nº 7/86 DA CORTE   INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. A OPONIBILIDADE DO DIREITO DE   RESPOSTA A PARTICULARES: A QUESTÃO DA EFICÁCIA HORIZONTAL DOS DIREITOS   FUNDAMENTAIS. NECESSÁRIA SUBMISSÃO DAS RELAÇÕES PRIVADAS AO ESTATUTO   JURÍDICO DOS DIREITOS E GARANTIAS CONSTITUCIONAIS. DOUTRINA. PRECEDENTES   DO STF. LIBERDADE DE INFORMAÇÃO E DIREITOS DA PERSONALIDADE: ESPAÇO DE   POTENCIAL CONFLITUOSIDADE. TENSÃO DIALÉTICA ENTRE PÓLOS  CONSTITUCIONAIS  CONTRASTANTES. SUPERAÇÃO DESSE ANTAGONISMO MEDIANTE  PONDERAÇÃO CONCRETA  DOS VALORES EM COLISÃO. RESPONSABILIZAÇÃO (SEMPRE)  “A POSTERIORI” PELOS  ABUSOS COMETIDOS NO EXERCÍCIO DA LIBERDADE DE  INFORMAÇÃO. LIBERDADE DE  EXPRESSÃO E DIREITO À INTEGRIDADE MORAL  (HONRA, INTIMIDADE, PRIVACIDADE E  IMAGEM). INCIDÊNCIA DO ART. 220, §  1º, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA.  CLÁUSULA QUE CONSAGRA HIPÓTESE DE  “RESERVA LEGAL QUALIFICADA”. O PAPEL  DO DIREITO DE RESPOSTA EM UM  CONTEXTO DE LIBERDADES EM CONFLITO.  PRETENDIDA SUSPENSÃO CAUTELAR DA  EFICÁCIA DO ACÓRDÃO QUE CONDENOU O  REQUERENTE A EXECUTAR OBRIGAÇÃO DE  FAZER CONSISTENTE NA PUBLICAÇÃO DE  SENTENÇA, SOB PENA DE MULTA DIÁRIA  (“ASTREINTE”). A FUNÇÃO DA MULTA  COMINATÓRIA COMO INSTRUMENTO DE  COERÇÃO PROCESSUAL NO CUMPRIMENTO DE  OBRIGAÇÃO DE FAZER (CPC, ART. 461,  § 4º). AUSÊNCIA DE PLAUSIBILIDADE  JURÍDICA DA POSTULAÇÃO CAUTELAR EM  EXAME. “AÇÃO CAUTELAR INCIDENTAL” A  QUE SE NEGA SEGUIMENTO.
DECISÃO:  Trata-se de “ação cautelar incidental” na  qual se busca atribuir  efeito suspensivo ao recurso extraordinário  interposto pela parte ora  requerente, que se insurge contra decisão  emanada do E. Tribunal de  Justiça do Estado do Rio Grande do Sul e que,  confirmada em sede de  embargos de declaração, acha-se consubstanciada em  acórdão assim  ementado:
“AGRAVO  REGIMENTAL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. AGRAVO  DE INTRUMENTO. AÇÃO PENAL  PRIVADA. CRIME CONTRA A HONRA. LEI Nº  5.250/67. PUBLICAÇÃO DE SENTENÇA  DE IMPROCEDÊNCIA EM JORNAL. OBRIGAÇÃO  DE FAZER. BENEFICIÁRIO DA  ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA GRATUITA. FIXAÇÃO DE  ‘ASTREINTE’. COMINAÇÃO DE  CRIME DE DESOBEDIÊNCIA. POSSIBILIDADE.
O  fato de ser o agravante beneficiário da  assistência judiciária  gratuita não o isenta do custo do cumprimento da  obrigação de fazer,  consistente na publicação de sentença de  improcedência proferida em  ação penal privada.
A  sentença contrária ao pedido do querelante faz  nascer para o  querelado, que foi o vencedor, a faculdade de exigir do  querelante que a  sentença seja publicada em jornal pela parte perdedora.  Assim, embora  não seja um efeito imediato da sentença, sendo requerido  pelo  querelado, deve o autor da queixa proceder à publicação,   independentemente de ser ou não beneficiário de assistência judiciária   gratuita.
Tratando-se,  a publicação de sentença, de obrigação  de fazer, é cabível a fixação  de multa, nos termos do art.  461, § 4º,  do CPC, que faculta ao juiz a  imposição de multa diária quando da  imposição do cumprimento da  obrigação de fazer, não sendo abusivo o  valor da ‘astreinte’, de R$  50,00 por dia de descumprimento.
Viável  também a determinação da Magistrada de  submeter o agravante às sanções  pertinentes ao crime de desobediência,  em caso de descumprimento.
Precedente do E. STJ.
REVOGAÇÃO DA LEI DE IMPRENSA. DIREITO DE RESPOSTA. ‘STATUS’ CONSTITUCIONAL.
Considerando  que o direito de resposta possui status  constitucional (artigo 5º, V,  da CRFB), eventual ausência de lei,  diante da revogação da Lei de  Imprensa pelo STF, não impede o exercício  dessa prerrogativa.
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AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO EM DECISÃO UNÂNIME.”
(AGRAVO REGIMENTAL nº 70032900326, Rel. Des. JOSÉ ANTÔNIO HIRT PREISS - grifei)
Assinalo que o recurso extraordinário em questão sofreu juízo positivo de admissibilidade na origem.
A parte ora requerente sustenta, em síntese, para justificar sua pretensão cautelar, o que se segue:
“O  provimento da medida cautelar se justifica pelo  fato de o recorrente  ter ingressado com o Recurso Extraordinário visando  a determinação da  impossibilidade jurídica de aplicação de qualquer  artigo da chamada Lei  de Imprensa, que sequer foi recepcionada pela  CF/88, visto o  julgamento da ADPF nº 130, reconhecendo-se pois, a  necessária  incidência dos incisos II, XXXIX, XL e §§ 2º e 3º, todos do  art. 5º da  Constituição Federal.
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Assim,  estando o requerente (cardíaco, diabético,  com sérios problemas de  visão) na iminência de sofrer graves danos nas  esferas patrimonial e  moral, vez que o Juízo Criminal da Comarca de  Osório onde tramita o  feito originário (059/2.04.0002800-9), determinou  sua intimação  urgente, para que publique a sentença de improcedência no  prazo de 05  dias, e, em caso de desobediência, pague multa diária de R$  50,00  (cinqüenta reais) até o limite de R$ 5.000,00 (cinco mil reais)   sujeitando-o às sanções pertinentes ao crime de desobediência (mandado   juntado no dia 20 do corrente), o pedido de atribuição de efeito   suspensivo ao Recurso Extraordinário está suficientemente justificado.
Portanto,  tendo o requerente o prazo de 05 dias para  providenciar na publicação  da sentença de improcedência, e ainda  sujeitando-se às demais  implicações em caso de descumprimento, a  atribuição de efeito  suspensivo é medida que se impõe, até porque, em  caso contrário, o  Recurso Extraordinário perderia seu objeto.” (grifei)
Passo  a apreciar o pedido de concessão de medida  cautelar. E, ao fazê-lo,  assinalo, na perspectiva do pleito em questão,  que a outorga de efeito  suspensivo ao recurso extraordinário reveste-se  de excepcionalidade  absoluta, especialmente em face do que dispõe o art.  542, § 2º, do CPC.
O  Supremo Tribunal Federal, bem por isso, e atento  ao caráter  excepcional da medida cautelar cujo deferimento importe em  concessão de  eficácia suspensiva ao apelo extremo (RTJ 110/458 - RTJ  111/957 – RTJ  112/957, v.g.), somente tem admitido essa possibilidade  processual,  quando satisfeitas determinadas condições.
Com  efeito, a concessão de medida cautelar, pelo  Supremo Tribunal Federal,  quando requerida na perspectiva de recurso  extraordinário interposto  pela parte interessada, quer se busque a  outorga de efeito suspensivo  ao apelo extremo, quer se pretenda a  sustação da eficácia do acórdão  impugnado, supõe, para legitimar-se, a  conjugação necessária dos  seguintes requisitos: (a) que tenha sido  instaurada a jurisdição  cautelar do Supremo Tribunal Federal (existência  de juízo positivo de  admissibilidade do recurso extraordinário,  consubstanciado em decisão  proferida pelo Presidente do Tribunal de  origem ou resultante do  provimento do recurso de agravo); (b) que o  recurso extraordinário  interposto possua viabilidade processual,  caracterizada, dentre outras,  pelas notas da tempestividade, do  prequestionamento explícito da  matéria constitucional e da ocorrência de  ofensa direta e imediata ao  texto da Constituição; (c) que a postulação  de direito material  deduzida pela parte recorrente tenha plausibilidade  jurídica; e (d) que  se demonstre, objetivamente, a ocorrência de  situação configuradora do  “periculum in mora” (RTJ 174/437-438, Rel.  Min. CELSO DE MELLO, v.g.).
Observo,  desde logo, considerado o juízo positivo de  admissibilidade do recurso  extraordinário em questão, que se acha  regularmente instaurada, na  espécie, a jurisdição cautelar do Supremo  Tribunal Federal,  circunstância que permite o exame dos demais  pressupostos concernentes  ao deferimento, ou não, do provimento cautelar  requerido.
Impõe-se  analisar, desse modo, se a pretensão  cautelar deduzida pela parte  requerente – suspensão da obrigação de  publicação da sentença e de  pagamento da multa, por eventual  descumprimento de referida  determinação, até o julgamento final do  recurso extraordinário em  questão – acha-se, ou não, impregnada de  plausibilidade jurídica.
O  autor da presente “ação cautelar incidental”, como  resulta do acórdão  local impugnado em sede recursal extraordinária, viu  repelida a sua  pretensão jurídica pelo eminente Relator da causa, que  assinalou, a  propósito da controvérsia instaurada perante o E. Tribunal  de Justiça  do Estado do Rio Grande do Sul, que “o fato de o E. STF haver  revogado a  Lei de Imprensa não significa que se tenha tornado inviável o  direito  de resposta. Ocorre que o direito de resposta no Brasil já  ganhou  ‘status’ constitucional (artigo 5º, V, da CRFB). Por essa razão,   eventual ausência de lei, diante da revogação da Lei de Imprensa pelo   STF, não impedirá o exercício daquela prerrogativa” (grifei).
Vê-se,  pois, que o Tribunal de Justiça do Estado do  Rio Grande do Sul, ao  proferir a decisão objeto do recurso  extraordinário em causa, bem  sintetizou a questão básica a ser examinada  por esta Suprema Corte e  que se pode traduzir na afirmação, constante  do julgamento local, de  que a qualificação constitucional do direito de  resposta, por  conferir-lhe estatuto jurídico autônomo, torna  prescindível, para  efeito de sua prática efetiva, a “eventual ausência  de lei”.
Sendo  esse o contexto, tenho para mim que o pleito  cautelar ora em exame não  se mostra revestido de relevo jurídico, eis  que a pretensão de direito  material deduzida na causa principal  encontra, ela mesma, óbice na  orientação jurisprudencial que esta  Suprema Corte firmou no exame da  matéria.
Com  efeito, o Supremo Tribunal Federal, na decisão  final da ADPF 130/DF,  Rel. Min. AYRES BRITTO, ao julgar procedente o  pedido formulado naquela  sede processual, o fez sem prejuízo do regular  exercício do direito de  resposta previsto no art. 5º, inciso V, da  Constituição:
“11.  EFEITOS JURÍDICOS DA DECISÃO. Aplicam-se as  normas da legislação  comum, notadamente o Código Civil, o Código Penal, o  Código de Processo  Civil e o Código de Processo Penal às causas  decorrentes das relações  de imprensa. O direito de resposta, que se  manifesta como ação de  replicar ou de retificar matéria publicada é  exercitável por parte  daquele que se vê ofendido em sua honra objetiva,  ou então subjetiva,  conforme estampado no inciso V do art. 5º da  Constituição Federal.  Norma, essa, ‘de eficácia plena e de  aplicabilidade imediata’, conforme  classificação de José Afonso da  Silva. ‘Norma de pronta aplicação’, na  linguagem de Celso Ribeiro Bastos  e Carlos Ayres Britto, em obra  doutrinária conjunta.” (grifei)
O  direito de resposta, como se sabe, foi elevado à  dignidade  constitucional, no sistema normativo brasileiro, a partir da   Constituição de 1934, não obstante a liberdade de imprensa já constasse   da Carta Política do Império do Brasil de 1824.
O  art. 5º, inciso V, da Constituição brasileira, ao  prever o direito de  resposta, qualifica-se como regra impregnada de  suficiente densidade  normativa, revestida, por isso mesmo, de  aplicabilidade imediata, a  tornar desnecessária, para efeito de sua  pronta incidência, a  “interpositio legislatoris”, o que dispensa, por  tal razão, ainda que  não se lhe vede, a intervenção concretizadora do  legislador comum.
Isso  significa que a ausência de regulação  legislativa, motivada por  transitória situação de vácuo normativo, não  se revela obstáculo ao  exercício da prerrogativa fundada em referido  preceito constitucional,  que possui densidade normativa suficiente para  atribuir, a quem se  sentir prejudicado por publicação inverídica ou  incorreta, direito,  pretensão e ação cuja titularidade bastará para  viabilizar, em cada  situação ocorrente, a prática concreta da resposta  e/ou da retificação.
É  interessante assinalar, por oportuno, que o  direito de resposta  somente constituiu objeto de regulação legislativa,  no Brasil, com o  advento da Lei Adolpho Gordo (Decreto nº 4.743, de  31/10/1923, arts. 16  a 19), eis que – consoante observa SOLIDONIO LEITE  FILHO (“Comentários  à Lei de Imprensa”, p. 188, item n. 268, 1925, J.  Leite Editores) –  “Não havia na legislação anterior à lei de imprensa  nenhum dispositivo  regulando o direito de resposta” (grifei).
O  que me parece relevante acentuar, neste ponto, é  que a ausência de  qualquer disciplina ritual regedora do exercício  concreto do direito de  resposta não impede que o Poder Judiciário,  quando formalmente  provocado, profira decisões em amparo e proteção  àquele atingido por  publicações inverídicas ou inexatas.
É  que esse direito de resposta/retificação não  depende, para ser  exercido, da existência de lei, ainda que a edição de  diploma  legislativo sobre esse tema específico possa revelar-se útil e,  até  mesmo, conveniente.
Vale  insistir na asserção de que o direito de  resposta/retificação tem por  base normativa a própria Constituição da  República, cujo art. 5º,  inciso V, estabelece os parâmetros necessários à  invocação dessa  prerrogativa de ordem jurídica, tal como o decidiu, na  espécie, o E.  Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, ao  enfatizar “que o  direito de resposta possui status constitucional”,  razão pela qual,  presente o contexto em exame, mostrava-se desnecessária  a “interpositio  legislatoris”.
Correto  esse julgamento, pois sempre caberá ao Poder  Judiciário, observados os  parâmetros em questão, garantir, à pessoa  lesada (ainda que se cuide  do próprio jornalista), o exercício do  direito de resposta.
A  ausência, momentânea ou não, de regramento  legislativo não autoriza  nem exonera o Juiz, sob pena de transgressão ao  princípio da  indeclinabilidade da jurisdição, do dever de julgar o  pedido de  resposta, quando formulado por quem se sentir ofendido ou,  então,  prejudicado por publicação ofensiva ou inverídica.
Não  se pode desconhecer que é ínsito, à atividade do  Juiz, o dever de  julgar conforme os postulados da razoabilidade,  proporcionalidade e  igualdade, em respeito ao que está previsto no art.  126 do Código de  Processo Civil (“O juiz não se exime de sentenciar ou  despachar  alegando lacuna ou obscuridade da lei. No julgamento da lide   caber-lhe-á aplicar as normas legais; não as havendo, recorrerá à   analogia, aos costumes e aos princípios gerais de direito”), consoante   assinala, sem maiores disceptações, o magistério da doutrina (ANTÔNIO   CLÁUDIO DA COSTA MACHADO, “Código de Processo Civil Interpretado e   Anotado”, p. 405, 2ª ed., 2008, Manole; LUIZ GUILHERME MARINONI e DANIEL   MITIDIERO, “Código de Processo Civil Comentado Artigo por Artigo”, p.   174/175, 2008, RT; HUMBERTO THEODORO JUNIOR, “Curso de Direito   Processual Civil”, vol. I/38 e 40, itens ns. 35 e 38, 50ª ed., 2009,   Forense, v.g.).
Isso  significa, portanto, considerado o que  prescreve o art. 126 do CPC,  que, em situação de “vacuum legis” (tal  como sucede na espécie), o  magistrado poderá valer-se de dispositivos  outros - tais como aqueles  existentes, p. ex., na Lei nº 9.504/97 (art.  58 e parágrafos) -,  aplicando-os, no que couber, por analogia, ao caso  concreto,  viabilizando-se, desse modo, o efetivo exercício, pelo  interessado, do  direito de resposta e/ou de retificação.
O  fato é que o reconhecimento da incompatibilidade  da Lei de Imprensa  com a vigente Constituição da República não impede,  consideradas as  razões que venho de expor, que qualquer interessado,  injustamente  atingido por publicação inverídica ou incorreta, possa  exercer, em  juízo, o direito de resposta, apoiando tal pretensão em  cláusula  normativa inscrita na própria Lei Fundamental, cuja declaração  de  direitos assegura, em seu art. 5º, inciso V, em favor de qualquer   pessoa, “o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da   indenização por dano material, moral ou à imagem” (grifei).
O  exame do contexto fático, tal como foi este  soberanamente delineado  pelo Tribunal de Justiça local (RTJ 152/612 -  RTJ 153/1019 - RTJ  158/693, v.g.), permite-me reconhecer a  compatibilidade da decisão  recorrida com o texto da Constituição,  notadamente no ponto em que o  julgamento em causa põe em destaque a  circunstância de que uma das  funções subjacentes ao direito de resposta  reside, primariamente, no  restabelecimento e/ou na preservação da  verdade, o que se pode  viabilizar, dentre os diversos meios de sua  concreta realização,  mediante publicação da sentença cujo conteúdo  revele a veracidade e a  correção dos fatos veiculados pelos meios de  comunicação social.
O  direito de resposta/retificação traduz, como  sabemos, expressiva  limitação externa, impregnada de fundamento  constitucional, que busca  neutralizar as conseqüências danosas  resultantes do exercício abusivo  da liberdade de imprensa, pois tem por  função precípua, de um lado,  conter os excessos decorrentes da prática  irregular da liberdade de  comunicação jornalística (CF, art. 5º, IV e  IX, e art. 220, § 1º) e, de  outro, restaurar e preservar a verdade  pertinente aos fatos reportados  pelos meios de comunicação social.
Vê-se,  daí, que a proteção jurídica ao direito de  resposta permite, nele,  identificar uma dupla vocação constitucional,  pois visa a preservar  tanto os direitos da personalidade quanto  assegurar, a todos, o  exercício do direito à informação exata e precisa.
Mostra-se  inquestionável que o direito de resposta  compõe o catálogo das  liberdades fundamentais, tanto que formalmente  positivado na declaração  constitucional de direitos e garantias  individuais e coletivos, o que  lhe confere uma particular e especial  qualificação de índole  político-jurídica.
Se  é certo que o ordenamento constitucional  brasileiro ampara a liberdade  de expressão, protegendo-a contra  indevidas interferências do Estado  ou contra injustas agressões emanadas  de particulares, não é menos  exato que essa modalidade de direito  fundamental – que vincula não só o  Poder Público como, também, os  próprios particulares – encontra, no  direito de resposta (e na relevante  função instrumental que ele  desempenha), um poderoso fator de  neutralização de excessos lesivos  decorrentes da liberdade de  comunicação, além de representar um  significativo poder jurídico  deferido a qualquer interessado “para se  defender de qualquer notícia ou  opinião inverídica, ofensiva ou  prejudicial (...)” (SAMANTHA RIBEIRO  MEYER-PFLUG, “Liberdade de  Expressão e Discurso do Ódio”, p. 86, item n.  3.2, 2009, RT).
Cabe  relembrar, neste ponto, que a oponibilidade do  direito de resposta a  particulares sugere reflexão em torno da inteira  submissão das relações  privadas aos direitos fundamentais, o que permite  estender, com força  vinculante, ao plano das relações de direito  privado, a cláusula de  proteção das liberdades e garantias  constitucionais, pondo em destaque o  tema da eficácia horizontal dos  direitos básicos e essenciais  assegurados pela Constituição da  República, tal como tem acentuado o  magistério da doutrina (WILSON  STEINMETZ, “A Vinculação dos  Particulares a Direitos Fundamentais”,  2004, Malheiros; THIAGO LUÍS  SANTOS SOMBRA, “A Eficácia dos Direitos  Fundamentais nas Relações  Jurídico-Privadas”, 2004, Fabris Editor; ANDRÉ  RUFINO DO VALE,  “Eficácia dos Direitos Fundamentais nas Relações  Privadas”, 2004,  Fabris Editor; INGO WOLFGANG SARLET, “A Constituição  Concretizada:  Construindo Pontes entre o Público e o Privado”, 2000,  Livraria do  Advogado, Porto Alegre; CARLOS ROBERTO SIQUEIRA CASTRO,  “Aplicação dos  Direitos Fundamentais às Relações Privadas”, in “Cadernos  de Soluções  Constitucionais”, p. 32/47, 2003, Malheiros; DANIEL  SARMENTO, “Direitos  Fundamentais e Relações Privadas”, p. 301/313, item  n. 5, 2004, Lumen  Juris; PAULO GUSTAVO GONET BRANCO, “Associações,  Expulsão de Sócios e  Direitos Fundamentais”, in “Direito Público”, ano  I, nº 2, p. 170/174,  out/dez de 2003, v.g.), em lições que possuem o  beneplácito da  jurisprudência constitucional do Supremo Tribunal Federal  (RTJ  164/757-758, Rel. Min. MARCO AURÉLIO – RTJ 209/821-822, Rel. p/ o   acórdão Min. GILMAR MENDES - AI 346.501-AgR/SP, Rel. Min. SEPÚLVEDA   PERTENCE – RE 161.243/DF, Rel. Min. CARLOS VELLOSO, v.g.).
Cabe  insistir na afirmação de que qualquer pessoa  (tanto quanto a própria  coletividade) tem o direito de obter e de ter  acesso a informações  verazes, honestas e confiáveis, de tal modo que a  violação desse  direito, se e quando consumada, poderá justificar,  plenamente, o  exercício do direito de resposta.
Desse  modo, longe de configurar indevido cerceamento  à liberdade de  expressão, o direito de resposta, considerada a  multifuncionalidade de  que se acha impregnado, qualifica-se como  instrumento de superação do  estado de tensão dialética entre direitos e  liberdades em situação de  conflituosidade.
O  exercício dessa prerrogativa fundamental, de  extração eminentemente  constitucional – que pode ser identificada tanto  no plano individual  quanto no da metaindividualidade (GUSTAVO BINENBOJM,  “Meios de  Comunicação de Massa, Pluralismo e Democracia Deliberativa”)  -, permite  qualificá-la (examinado o tema sob uma perspectiva  pluralística) como  instrumento concretizador do convívio harmonioso  entre as liberdades de  informação e de expressão do pensamento e o  direito à integridade  moral, o que se mostra compatível com padrões que  distinguem sociedades  democráticas.
Torna-se  importante salientar, bem por isso, que a  superação dos antagonismos  existentes entre princípios constitucionais –  como aqueles concernentes  à liberdade de informação, de um lado, e à  preservação da honra, de  outro - há de resultar da utilização, pelo  Poder Judiciário, de  critérios que lhe permitam ponderar e avaliar, “hic  et nunc”, em função  de determinado contexto e sob uma perspectiva  axiológica concreta,  qual deva ser o direito a preponderar em cada caso,  considerada a  situação de conflito ocorrente, desde que, no entanto, a  utilização do  método da ponderação de bens e interesses não importe em  esvaziamento  do conteúdo essencial dos direitos fundamentais, tal como  adverte o  magistério da doutrina (DANIEL SARMENTO, “A Ponderação de  Interesses na  Constituição Federal” p. 193/203, “Conclusão”, itens ns. 1  e 2, 2000,  Lumen Juris; LUÍS ROBERTO BARROSO, “Temas de Direito  Constitucional”,  tomo I/363-366, 2001, Renovar; JOSÉ CARLOS VIEIRA DE  ANDRADE, “Os  Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976”,  p. 220/224,  item n. 2, 1987, Almedina; FÁBIO HENRIQUE PODESTÁ, “Direito à   Intimidade. Liberdade de Imprensa. Danos por Publicação de Notícias”,   “in” “Constituição Federal de 1988 - Dez Anos (1988-1998)”, p. 230/231,   item n. 5, 1999, Editora Juarez de Oliveira; J. J. GOMES CANOTILHO,   “Direito Constitucional”, p. 661, item n. 3, 5ª ed., 1991, Almedina;   EDILSOM PEREIRA DE FARIAS, “Colisão de Direitos”, p. 94/101, item n.   8.3, 1996, Fabris Editor; WILSON ANTÔNIO STEINMETZ, “Colisão de Direitos   Fundamentais e Princípio da Proporcionalidade”, p. 139/172, 2001,   Livraria do Advogado Editora; SUZANA DE TOLEDO BARROS, “O Princípio da   Proporcionalidade e o Controle de Constitucionalidade das Leis   Restritivas de Direitos Fundamentais”, p. 216, “Conclusão”, 2ª ed.,   2000, Brasília Jurídica).
Cabe  reconhecer que os direitos da personalidade  (como os pertinentes à  incolumidade da honra e à preservação da  dignidade pessoal dos seres  humanos) representam limitações  constitucionais externas à liberdade de  expressão, “verdadeiros  contrapesos à liberdade de informação” (L. G.  GRANDINETTI CASTANHO DE  CARVALHO, “Liberdade de Informação e o Direito  Difuso à Informação  Verdadeira”, p. 137, 2ª ed., 2003, Renovar), que  não pode - e não deve -  ser exercida de modo abusivo (GILBERTO HADDAD  JABUR, “Liberdade de  Pensamento e Direito à Vida Privada”, 2000, RT),  mesmo porque a garantia  constitucional subjacente à liberdade de  informação não afasta, por  efeito do que determina a própria  Constituição da República, o direito  do lesado à resposta e à  indenização por danos materiais, morais ou à  imagem (CF, art. 5º,  incisos V e X, c/c o art. 220, § 1º).
Na  realidade, a própria Carta Política, depois de  garantir o exercício da  liberdade de informação jornalística, impõe-lhe  parâmetros - dentre os  quais avulta, por sua inquestionável importância,  o necessário  respeito aos direitos da personalidade (CF, art. 5º, V e  X) – cuja  observância não pode ser desconsiderada pelos órgãos de  comunicação  social, tal como expressamente determina o texto  constitucional (art.  220, § 1º), cabendo, ao Poder Judiciário, mediante  ponderada avaliação  das prerrogativas constitucionais em conflito  (direito de informar, de  um lado, e direitos da personalidade, de  outro), definir, em cada  situação ocorrente, uma vez configurado esse  contexto de tensão  dialética, a liberdade que deve prevalecer no caso  concreto.
Lapidar,  sob tal aspecto, o douto magistério do  eminente Desembargador SÉRGIO  CAVALIERI FILHO (“Programa de  Responsabilidade Civil”, p. 129/131, item  n. 19.11, 6ª ed., 2005,  Malheiros):
“(...)  ninguém questiona que a Constituição garante o  direito de livre  expressão à atividade intelectual, artística,  científica, ‘e de  comunicação’, independentemente de censura ou licença  (arts. 5º, IX, e  220, §§ 1º e 2º). Essa mesma Constituição, todavia,  logo no inciso X do  seu art. 5º, dispõe que ‘são invioláveis a  intimidade’, a vida  privada, a ‘honra’ e a imagem das pessoas,  assegurado o direito à  indenização pelo dano material ou moral  decorrente de sua violação’.  Isso evidencia que, na temática atinente  aos direitos e garantias  fundamentais, esses dois princípios  constitucionais se confrontam e  devem ser conciliados. É tarefa do  intérprete encontrar o ponto de  equilíbrio entre princípios  constitucionais em aparente conflito,  porquanto, em face do ‘princípio  da unidade constitucional’, a  Constituição não pode estar em conflito  consigo mesma, não obstante a  diversidade de normas e princípios que  contém (...).
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À  luz desses princípios, é forçoso concluir que,  sempre que direitos  constitucionais são colocados em confronto, um  condiciona o outro,  atuando como limites estabelecidos pela própria Lei  Maior para impedir  excessos e arbítrios. Assim, se ao direito à livre  expressão da  atividade intelectual e de comunicação contrapõe-se o  direito à  inviolabilidade da intimidade da vida privada, da honra e da  imagem,  segue-se como conseqüência lógica que este último condiciona o   exercício do primeiro.
Os  nossos melhores constitucionalistas, baseados na  jurisprudência da  Suprema Corte Alemã, indicam o princípio da  ‘proporcionalidade’ como  sendo o meio mais adequado para se solucionarem  eventuais conflitos  entre a liberdade de comunicação e os direitos da  personalidade.  Ensinam que, embora não se deva atribuir primazia  absoluta a um ou a  outro princípio ou direito, no processo de ponderação  desenvolvido para  a solução do conflito, o direito de noticiar há de  ceder espaço sempre  que o seu exercício importar sacrifício da  intimidade, da honra e da  imagem das pessoas.
Ademais,  o constituinte brasileiro não concebeu a  liberdade de expressão como  direito absoluto, na medida em que  estabeleceu que o exercício dessa  liberdade deve-se fazer com  observância do disposto na Constituição,  consoante seu art. 220, ‘in  fine’. Mais expressiva, ainda, é a norma  contida no § 1º desse artigo ao  subordinar, expressamente, o exercício  da liberdade jornalística à  ‘observância do disposto no art. 5º, IV, V,  X, XIII e XIV’. Temos aqui  verdadeira ‘reserva legal qualificada’, que  autoriza o estabelecimento  de restrição à liberdade de imprensa com  vistas a preservar outros  direitos individuais, não menos  significativos, como os direitos de  personalidade em geral. Do  contrário, não haveria razão para que a  própria Constituição se  referisse aos princípios contidos nos incisos  acima citados como  limites imanentes ao exercício da liberdade de  imprensa.
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Em  conclusão: os direitos individuais, conquanto  previstos na  Constituição, não podem ser considerados ilimitados e  absolutos, em  face da natural restrição resultante do ‘princípio da  convivência das  liberdades’, pelo quê não se permite que qualquer deles  seja exercido  de modo danoso à ordem pública e às liberdades alheias.  Fala-se, hoje,  não mais em direitos individuais, mas em direitos do  homem inserido na  sociedade, de tal modo que não é mais exclusivamente  com relação ao  indivíduo, mas com enfoque de sua inserção na sociedade,  que se  justificam, no Estado Social de Direito, tanto os direitos como  as suas  limitações.” (grifei)
Daí  a procedente observação feita pelo eminente  Ministro GILMAR FERREIRA  MENDES, em trabalho concernente à colisão de  direitos fundamentais  (liberdade de expressão e de comunicação, de um  lado, e direito à honra  e à imagem, de outro), em que expendeu, com  absoluta propriedade, o  seguinte magistério (“Direitos Fundamentais e  Controle de  Constitucionalidade – Estudos de Direito Constitucional”, p.  89/96, 2ª  ed., 1999, Celso Bastos Editor):
“No  processo de ‘ponderação’ desenvolvido para  solucionar o conflito de  direitos individuais não se deve atribuir  primazia absoluta a um ou a  outro princípio ou direito. Ao revés,  esforça-se o Tribunal para  assegurar a aplicação das normas  conflitantes, ainda que, no caso  concreto, uma delas sofra atenuação.  (...).
Como  demonstrado, a Constituição brasileira (...)  conferiu significado  especial aos direitos da personalidade, consagrando  o princípio da  dignidade humana como postulado essencial da ordem  constitucional,  estabelecendo a inviolabilidade do direito à honra e à  privacidade e  fixando que a liberdade de expressão e de informação  haveria de  observar o disposto na Constituição, especialmente o  estabelecido no  art. 5.º, X.
Portanto,  tal como no direito alemão, afigura-se  legítima a outorga de tutela  judicial contra a violação dos direitos de  personalidade, especialmente  do direito à honra e à imagem, ameaçados  pelo exercício abusivo da  liberdade de expressão e de informação.”  (grifei)
Inquestionável,  desse modo, como anteriormente já  enfatizado, que o exercício concreto  da liberdade de expressão pode  fazer instaurar situações de tensão  dialética entre valores essenciais  igualmente protegidos pelo  ordenamento constitucional, dando causa ao  surgimento de verdadeiro  estado de colisão de direitos, caracterizado  pelo confronto de  liberdades revestidas de idêntica estatura jurídica, a  reclamar solução  que, tal seja o contexto em que se delineie, torne  possível conferir  primazia a uma das prerrogativas básicas em relação de  antagonismo com  determinado interesse fundado em cláusula inscrita na  própria  Constituição.
Cabe  observar, bem por isso, que a responsabilização  “a posteriori” (sempre  “a posteriori”), em regular processo judicial,  daquele que comete  abuso no exercício da liberdade de informação não  traduz ofensa ao que  dispõem os §§ 1º e 2º do art. 220 da Constituição  da República, pois é o  próprio estatuto constitucional que estabelece,  em favor da pessoa  injustamente lesada, a possibilidade de receber  indenização “por dano  material, moral ou à imagem” ou, então, de  exercer, em plenitude, o  direito de resposta (CF, art. 5º, incisos V e  X).
Se  é certo que o direito de informar, considerado o  que prescreve o art.  220 da Carta Política, tem fundamento  constitucional (HC 85.629/RS,  Rel. Min. ELLEN GRACIE), não é menos exato  que o exercício abusivo da  liberdade de informação, que deriva do  desrespeito aos vetores  subordinantes referidos no § 1º do art. 220 da  própria Constituição,  “caracteriza ato ilícito e, como tal, gera o dever  de indenizar”,  consoante observa, em magistério irrepreensível, o  ilustre magistrado  ENÉAS COSTA GARCIA (“Responsabilidade Civil dos Meios  de Comunicação”,  p. 175, 2002, Editora Juarez de Oliveira),  inexistindo, por isso mesmo,  quando tal se configurar, situação  evidenciadora de indevida restrição  à liberdade de imprensa, tal como  pude decidir em julgamento proferido  no Supremo Tribunal Federal:
“LIBERDADE  DE INFORMAÇÃO. PRERROGATIVA  CONSTITUCIONAL QUE NÃO SE REVESTE DE  CARÁTER ABSOLUTO. SITUAÇÃO DE  ANTAGONISMO ENTRE O DIREITO DE INFORMAR E  OS POSTULADOS DA DIGNIDADE DA  PESSOA HUMANA E DA INTEGRIDADE DA HONRA E  DA IMAGEM. A LIBERDADE DE  IMPRENSA EM FACE DOS DIREITOS DA  PERSONALIDADE. COLISÃO ENTRE DIREITOS  FUNDAMENTAIS, QUE SE RESOLVE, EM  CADA CASO, PELO MÉTODO DA PONDERAÇÃO  CONCRETA DE VALORES. MAGISTÉRIO DA  DOUTRINA. O EXERCÍCIO ABUSIVO DA  LIBERDADE DE INFORMAR, DE QUE RESULTE  INJUSTO GRAVAME AO PATRIMÔNIO  MORAL/MATERIAL E À DIGNIDADE DA PESSOA  LESADA, ASSEGURA, AO OFENDIDO, O  DIREITO À REPARAÇÃO CIVIL, POR EFEITO  DO QUE DETERMINA A PRÓPRIA  CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA (CF, ART. 5º,  INCISOS V E X). INOCORRÊNCIA, EM  TAL HIPÓTESE, DE INDEVIDA RESTRIÇÃO  JUDICIAL À LIBERDADE DE IMPRENSA.  NÃO-RECEPÇÃO DO ART. 52 E DO ART. 56,  AMBOS DA LEI DE IMPRENSA, POR  INCOMPATIBILIDADE COM A CONSTITUIÇÃO DE  1988. DANO MORAL. AMPLA  REPARABILIDADE. PRECEDENTES DO SUPREMO TRIBUNAL  FEDERAL. EXAME SOBERANO  DOS FATOS E PROVAS EFETUADO PELO E. TRIBUNAL  DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO  PAULO. MATÉRIA INSUSCETÍVEL DE REVISÃO EM  SEDE RECURSAL EXTRAORDINÁRIA.  AGRAVO DE INSTRUMENTO IMPROVIDO.
-  O reconhecimento ‘a posteriori’ da  responsabilidade civil, em regular  processo judicial de que resulte a  condenação ao pagamento de  indenização por danos materiais, morais e à  imagem da pessoa  injustamente ofendida, não transgride os §§ 1º e 2º do  art. 220 da  Constituição da República, pois é o próprio estatuto  constitucional que  estabelece, em cláusula expressa (CF, art. 5º, V e  X), a  reparabilidade patrimonial de tais gravames, quando caracterizado o   exercício abusivo, pelo órgão de comunicação social, da liberdade de   informação. Doutrina.
-  A Constituição da República, embora garanta o  exercício da liberdade  de informação jornalística, impõe-lhe, no  entanto, como requisito  legitimador de sua prática, a necessária  observância de parâmetros –  dentre os quais avultam, por seu relevo, os  direitos da personalidade –  expressamente referidos no próprio texto  constitucional (CF, art. 220,  § 1º), cabendo, ao Poder Judiciário,  mediante ponderada avaliação das  prerrogativas constitucionais em  conflito (direito de informar, de um  lado, e direitos da personalidade,  de outro), definir, em cada situação  ocorrente, uma vez configurado esse  contexto de tensão dialética, a  liberdade que deve prevalecer no caso  concreto. Doutrina. (...).”
(AI 595.395/SP, Rel. Min. CELSO DE MELLO)
A  discussão em torno da natureza jurídica do direito  de resposta, por  sua vez, tem estimulado a formulação de abordagens  diferenciadas a  propósito dessa prerrogativa fundamental, como o  evidencia a reflexão  que VITAL MOREIRA faz sobre esse instituto,  concebido como reação ao  abuso do poder informativo de que são titulares  os detentores dos “mass  media”.
Em  obra monográfica (“O Direito de Resposta na  Comunicação Social”, p.  24/32, item n. 2.6, 1994, Coimbra Editora), esse  ilustre Professor da  Universidade de Coimbra e antigo Juiz do Tribunal  Constitucional  português (1983-1989) expõe as diversas concepções que  buscam  justificar, doutrinária e dogmaticamente, o direito de resposta,   advertindo, no entanto, sobre a insuficiência de uma “explicação   unifuncional”, por vislumbrar, no direito de resposta, uma pluralidade   de funções, por ele assim identificadas: (a) o direito de resposta como   “defesa dos direitos de personalidade”, (b) o direito de resposta como   “direito individual de expressão e de opinião”, (c) o direito de   resposta como “instrumento de pluralismo informativo”, (d) o direito de   resposta como “dever de verdade da imprensa” e, finalmente, (e) o   direito de resposta como “uma forma de sanção ‘sui generis’, ou de   indenização em espécie”.
Ao  sumariar as múltiplas funções que se mostram  inerentes ao direito de  resposta, esse Autor destaca-lhe, no contexto  dessa  “plurifuncionalidade”, duas características que reputa mais  expressivas  (“op. cit.”, p. 32):
“(...)  a defesa dos direitos de personalidade (ou,  mais genericamente, de um  ‘direito à identidade’) e a promoção do  contraditório e do pluralismo  da comunicação social.
Esquematicamente,  o direito de resposta satisfaz  dois objectivos: (a) proporciona a  todos os que se considerem afectados  por uma notícia de imprensa um  meio expedito, simples e não dispendioso  de defender a sua reputação ou  de fazer a valer a sua verdade acerca de  si mesmo; (b) permite a  difusão de versões alternativas, facultando  desse modo ao público o  acesso a pontos de vista divergentes ou  contraditórios sobre o mesmo  assunto. Nas palavras de um especialista  italiano são dois os  ‘interesses tutelados pelo direito de resposta: por  um lado, um  interesse eminentemente privatístico – o direito à  identidade pessoal,  isto é, o direito a não ver deformado o próprio  património moral,  cultural, político, ideal, etc.; por outro lado, um  interesse  publicístico – a pluralidade de fontes de informação,  permitindo ao  leitor julgar depois de ter ouvido também ‘a outra parte’  (...).”  (grifei)
Cabe  referir, por oportuno, quanto à amplitude e à  própria titularidade  ativa do direito constitucional de resposta (cujo  exercício nem sempre  supõe a prática de ato ilícito), o valioso  entendimento doutrinário  exposto por GUSTAVO BINENBOJM, que ressalta o  caráter transindividual  dessa prerrogativa jurídica, na medida em que o  exercício do direito de  resposta propicia, em favor de um número  indeterminado de pessoas  (mesmo daquelas não diretamente atingidas pela  publicação inverídica ou  incorreta), a concretização do próprio direito à  informação correta,  precisa e exata (“Meios de Comunicação de Massa,  Pluralismo e  Democracia Deliberativa. As Liberdades de Expressão e de  Imprensa nos  Estados Unidos e no Brasil”, p. 12/15, “in” Revista  Eletrônica de  Direito Administrativo Econômico - REDAE, Número 5 -   fevereiro/março/abril de 2006, IDPB):
“Ocorre  que, de parte sua preocupação com a dimensão  individual e defensiva da  liberdade de expressão (entendida como  proteção contra ingerências  indevidas do Estado na livre formação do  pensamento dos cidadãos), o  constituinte atentou também para a sua  dimensão transindividual e  protetiva, que tem como foco o enriquecimento  da qualidade e do grau de  inclusividade do discurso público. É  interessante notar que, ao  contrário da Constituição dos Estados Unidos,  a Constituição brasileira  de 1988 contempla, ela mesma, os princípios  que devem ser utilizados  no sopesamento das dimensões defensiva e  protetiva da liberdade de  expressão. É nesse sentido que Konrad Hesse se  refere à natureza  dúplice da liberdade de expressão.
Importam-nos  mais diretamente, para os fins aqui  colimados, os dispositivos  constitucionais que cuidam de balancear o  poder distorsivo das empresas  de comunicação social sobre o discurso  público, que devem ser  compreendidos como intervenções pontuais que  relativizam a liberdade de  expressão em prol do fortalecimento do  sistema de direitos  fundamentais e da ordem democrática traçados em  esboço na Constituição.  No vértice de tal sistema se encontra a pessoa  humana, como agente  moral autônomo em suas esferas privada e pública,  capaz de formular  seus próprios juízos morais acerca da sua própria vida  e do bem comum.
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Além  das normas constitucionais mencionadas logo no  intróito deste  capítulo, alguns direitos individuais relacionados no  art. 5º também  mitigam a dimensão puramente negativa da liberdade de  imprensa (art.  220, § 1º). Dentre eles, o direito de resposta (art. 5º,  inciso V) e o  direito de acesso à informação (art. 5º, XIV) guardam  pertinência mais  direta com o ponto que se deseja demonstrar.
O  direito de resposta não pode ser compreendido no  Brasil como direito  puramente individual, nem tampouco como exceção à  autonomia editorial  dos órgãos de imprensa. De fato, além de um conteúdo  tipicamente  defensivo da honra e da imagem das pessoas, o direito de  resposta  cumpre também uma missão informativa e democrática, na medida  em que  permite o esclarecimento do público sobre os fatos e questões do   interesse de toda a sociedade. Assim, o exercício do direito de resposta   não deve estar necessariamente limitado à prática de algum ilícito   penal ou civil pela empresa de comunicação, mas deve ser elastecido para   abarcar uma gama mais ampla de situações que envolvam fatos de   interesse público. Com efeito, algumas notícias, embora lícitas, contêm   informação incorreta ou defeituosa, devendo-se assegurar ao público o   direito de conhecer a versão oposta.
A  meu ver, portanto, o direito de resposta deve ser  visto como um  instrumento de mídia colaborativa (‘collaborative media’)  em que o  público é convidado a colaborar com suas próprias versões de  fatos e a  apresentar seus próprios pontos de vista. A autonomia  editorial, a seu  turno, seria preservada desde que seja consignado que a  versão ou  comentário é de autoria de um terceiro e não representa a  opinião do  veículo de comunicação.
Na  Argentina, a Suprema Corte acolheu esta  utilização mais ampla do  direito de resposta em caso no qual um famoso  escritor concedeu  entrevista em programa de televisão na qual emitiu  conceitos  considerados ofensivos a figuras sagradas da religião  católica. A Corte  assegurou o direito de resposta a um renomado  constitucionalista, com a  leitura de uma carta no mesmo canal de TV,  baseando-se em um direito  da comunidade cristã de apresentar o seu  próprio ponto de vista sobre  as mencionadas figuras. Considerou-se, na  espécie, que o requerente  atuou como substituto processual daquela  coletividade.” (grifei)
Posiciona-se,  no mesmo sentido, L. G. GRANDINETTI  CASTANHO DE CARVALHO (“Liberdade  de Informação e o Direito Difuso à  Informação Verdadeira”, p. 121/122,  item n. 7, 2ª ed., 2003, Renovar):
“Nesse  contexto, já vimos que o direito de  informação, com esta nova ótica  constitucional, importa no direito à  informação verdadeira, e que esta  constitui um direito difuso da  sociedade.
Sendo assim, o direito de resposta deve, por sua vez, reajustar-se para adaptar-se a esta nova ordem jurídica.
É  primordial que se abandone a concepção do direito  de resposta que o  configura, apenas, como uma ação de reparação de dano,  ou como um  instituto afim à legítima
defesa.  Ele é tudo isso, mas deve ser mais que isso.  Ele deve ser deslocado do  particular, ofendido pessoalmente, titular de  um direito à  indenização, para a sociedade, credora de uma informação  verdadeira,  imparcial, autêntica.
Aceita  a concepção, forçoso é admitir que o direito  de resposta, integrante  do direito de informação, é também um direito  difuso, que pode ser  exercido por qualquer legitimado com o fim de  preservar a verdade de um  fato
Não  mais vigerá a estreita via da indenização e da  legitimação exclusiva  do lesado para opor-se à matéria inexata. O  ofendido cederá parte de  seu lugar para o ‘interessado’ na exatidão da  notícia – a sociedade.”  (grifei)
Essa  mesma percepção do tema é revelada por FÁBIO  KONDER COMPARATO (“A  Democratização dos Meios de Comunicação de Massa”,  “in” “Direito  Constitucional: Estudos em Homenagem a Paulo Bonavides”,  p. 165/166,  item n. IV, 2001, Malheiros):
“O  direito de resposta, tradicionalmente, visa a  garantir a defesa da  verdade e da honra individual. Legitimado a  exercê-lo, portanto, é  sempre o indivíduo em relação ao qual haja sido  difundida uma mensagem  inverídica ou desabonadora. Ainda que se não  possa nele enxergar um  direito potestativo, como quer uma parte da  doutrina, é inegável que  ele se apresenta como um meio de defesa  particularmente vigoroso, em  geral garantido pela cominação de pesada  multa em caso de  descumprimento pelo sujeito passivo.
É,  sem dúvida, necessário estender a utilização  desse mecanismo jurídico  também à defesa de bens coletivos ou sociais,  que a teoria moderna  denomina ‘interesses difusos’. Os defensores do bem  comum ou interesse  social acham-se sempre em posição jurídica  subalterna em relação aos  controladores dos meios de comunicação social,  só tendo acesso  garantido a esses veículos nos raros casos previstos em  lei.
A  legitimação para o exercício do direito coletivo  de retificação  deveria caber, analogamente ao previsto no chamado Código  de Defesa do  Consumidor (Lei 8.078, de 1990): 1) ao Ministério Público;  2) a órgãos  da Administração Pública, direta ou indireta, ainda que  despidos de  personalidade jurídica, quando especificamente criados para a  defesa de  interesses difusos ou coletivos; 3) a organizações  não-governamentais,  existentes sob a forma de associações legalmente  constituídas há pelo  menos um ano e que incluam entre suas finalidades  estatutárias a defesa  desses interesses.” (grifei)
A  razão subjacente a tais propostas parece resultar,  segundo preconizam  esses eminentes autores, da necessidade de  intensificar,  fortalecendo-o, o processo de democratização dos meios de  comunicação  de massa (“mass media”), uma vez que o antigo conceito  liberal do  “livre mercado de idéias” (“free marketplace of ideas”) –  defendido por  pensadores e intelectuais tão diversos como JOHN MILTON   (“Areopagitica”), JOHN STUART MILL (“On Liberty”), THOMAS JEFFERSON   (“Letter to William Roscoe”), FRED S. SIEBERT (“The Libertarian   Theory”), OLIVER WENDELL HOLMES, JR. (voto vencido em “Abrams v. United   States”, in 250 U.S. 616, proferido em 1919), WILLIAM BRENNAN, JR.  (voto  vencedor em “Keyishian v. Board of Regents of the University of  the  State of New York”, in 385 U.S. 589, proferido em 1967), v.g. –   achar-se-ia gravemente comprometido por uma progressiva concentração da   propriedade dos meios de comunicação social, a ponto de autores como   JEROME A. BARRON (“Access to the Media – A Contemporary Appraisal” e   “Access to the Media – A New First Amendment Right”) e PATRICK GARRY   (“The First Amendment and Freedom of the Press: A Revised Approach to   the Marketplace of Ideas Concept”) sustentarem que essa “concentration   of Media ownership” culminaria por descaracterizar a velha noção   expressa na metáfora do “marketplace of ideas”, cujo perfil, agora,   deveria ceder à nova fórmula do “revised marketplace model”, que, em   decorrência dos dilemas e distorções provocados pelo fenômeno do   oligopólio dos meios de comunicação de massa, busca promover a   realização de diversos objetivos que se projetam no plano da   transindividualidade, assim identificados por PATRICK GARRY, no estudo   que venho de referir: “truth, individual and social interaction, citizen   participation in public affairs and the maintenance of a non-monopoly   press”.
Vale  destacar, por sua vez, um outro aspecto que se  me afigura relevante.  Refiro-me ao fato de que a justa preocupação da  comunidade  internacional com a preservação do direito de resposta tem   representado, no plano do sistema interamericano e em tema de proteção   aos direitos de personalidade, um tópico sensível e delicado da agenda   dos organismos internacionais em âmbito regional, como o evidencia o   Pacto de São José da Costa Rica (Artigo 14), que constitui instrumento   que reconhece, a qualquer pessoa que se considere afetada por meio de   informação inexata ou ofensiva veiculada pela imprensa, o direito de   resposta e de retificação:
“Artigo 14 - Direito de retificação ou resposta
1.  Toda pessoa atingida por informações inexatas ou  ofensivas emitidas em  seu prejuízo por meios de difusão legalmente  regulamentados e que se  dirijam ao público em geral tem direito a fazer,  pelo mesmo órgão de  difusão, sua retificação ou resposta, nas condições  que estabeleça a  lei.
2. Em nenhum caso a retificação ou a resposta eximirão das outras responsabilidades legais em que se houver incorrido.
3.  Para a efetiva proteção da honra e da reputação,  toda publicação ou  empresa jornalística, cinematográfica, de rádio ou  televisão, deve ter  uma pessoa responsável que não seja protegida por  imunidades nem goze  de foro especial.” (grifei)
Cumpre  relembrar, no ponto, o magistério doutrinário  de VALÉRIO DE OLIVEIRA  MAZZUOLI (“Direito Penal – Comentários à  Convenção Americana sobre  Direitos Humanos/Pacto de San José da Costa  Rica”, vol. 4/138, em  co-autoria com LUIZ FLÁVIO GOMES, 2008, RT), cuja  análise do mencionado  Art. 14 da Convenção Americana de Direitos Humanos  bem ressalta o  entendimento que a comunidade internacional confere à  cláusula  convencional pertinente ao direito de resposta e de  retificação:
“A  Convenção não se refere à ‘proporcionalidade’ da  resposta  relativamente à ofensa, não indicando se as pessoas atingidas  têm  direito de responder em espaço igual ou maior, em que lapso pode   exercitar esse direito, que terminologia é mais adequada etc. A   Convenção diz apenas que estas condições serão as ‘que estabeleça a   lei’, frase que remete às normas internas dos Estados-Partes o   estabelecimento das ‘condições’ de exercício do direito de retificação   ou resposta, o que poderá variar de país para país. Contudo, tal   proporcionalidade da resposta relativamente à ofensa deve entender-se   ‘implícita’ no texto da Convenção, não podendo as leis dos   Estados-Partes ultrapassar os limites restritivos razoáveis e os   conceitos pertinentes já afirmados pela Corte Interamericana.” (grifei)
Cabe  mencionar, ainda, fragmento da Opinião  Consultiva nº 7/86, proferida,  em 29 de agosto de 1986, pela Corte  Interamericana de Direitos Humanos,  que, ao ressaltar a essencialidade  desse instrumento de preservação  dos direitos da personalidade, entendeu  que o direito de resposta deve  ser aplicado independentemente de  regulamentação pelo ordenamento  jurídico interno ou doméstico dos países  signatários do Pacto de São  José da Costa Rica:
“A  tese de que a frase ‘nas condições que estabeleça  a lei’, utilizada no  art. 14.1, somente facultaria aos Estados Partes a  criar por lei o  direito de retificação ou de resposta, sem obrigá-los a  garanti-lo  enquanto seu ordenamento jurídico interno não o regule, não  se  compadece nem com o ‘sentido corrente’ dos termos empregados nem com o   ‘contexto’ da Convenção. Com efeito, a retificação ou resposta em razão   de informações inexatas ou ofensivas dirigidas ao público em geral se   coaduna com o artigo 13.2.a sobre liberdade de pensamento ou de   expressão, que sujeita essa liberdade ao ‘respeito aos direitos ou à   reputação das demais pessoas’ (...); com o artigo 11.1 e 11.3, segundo o   qual
‘1. Toda pessoa tem direito ao respeito de sua honra e ao reconhecimento de sua dignidade’
‘3. Toda pessoa tem direito à proteção da lei contra tais ingerências ou tais ofensas’
e  com o artigo 32.2, segundo o qual ‘Os direitos de  cada pessoa são  limitados pelos direitos dos demais, pela segurança de  todos e pelas  justas exigências do bem comum, em uma sociedade  democrática’.
O  direito de retificação ou de resposta é um direito  ao qual são  aplicáveis as obrigações dos Estados Partes consagradas nos  artigos 1.1  e 2 da Convenção. E não poderia ser de outra maneira, já  que o próprio  sistema da Convenção está direcionado a reconhecer  direitos e  liberdades às pessoas e não a facultar que os Estados o façam   (Convenção Americana, Preâmbulo, O efeito das reservas sobre a entrada   em vigência da Convenção Americana sobre Direitos Humanos (art.s 74 e   75), Opinião Consultiva OC-2/82 de 24 de setembro de 1982. Série A, n.   2, parágrafo 33).” (grifei)
Impende  ressaltar, por oportuno, trecho da  manifestação proferida no âmbito de  mencionada Opinião Consultiva  emanada da Corte Interamericana de  Direitos Humanos, proveniente do  eminente Juiz RODOLFO E. PIZA  ESCALANTE, que assim se pronunciou:
“Em  outras palavras, o direito de retificação ou de  resposta é de tal  relevância que nada impede respeitá-lo ou garanti-lo,  vale dizer  aplicá-lo e ampará-lo, ainda que não haja lei que o  regulamente, por  meio de simples critérios de razoabilidade; no fim das  contas, a  própria lei, ao estabelecer as condições de seu exercício,  deve  sujeitar-se a iguais limitações, porque, de outra forma, violaria  ela  mesma o conteúdo essencial do direito regulamentado e, portanto, o   artigo 14.1 da Convenção.” (grifei)
No  que diz respeito ao direito comparado, por sua  vez, cumpre referir que  há países que não estabeleceram qualquer tipo de  regulamentação  legislativa ao direito de resposta, como os Estados  Unidos e a  Argentina.
Quanto  ao direito argentino, é de assinalar o  magistério doutrinário do  ilustre jurista RODOLFO PONCE DE LEÓN  (“Derecho de réplica”, p.  137/138, “in” “Jerarquía Constitucional de los  Tratados  Internacionales”, organizado por JUAN CARLOS VEGA e MARISA  ADRIANA  GRAHAM, 1996, Astrea), que assim se manifesta a respeito do  exercício  do direito de resposta, considerada a circunstância de que  inexiste, na  República Argentina, qualquer regulação legislativa  disciplinadora do  exercício do direito de resposta e/ou de retificação:
“O  exercício do direito de retificação ou de  resposta supõe o prejuízo à  honra ou à reputação de uma pessoa,  ocasionado por informações inexatas  e ofensivas por intermédio de meios  de difusão que se dirijam ao  público em geral (art. 14, parágrafo 1,  Convenção Americana sobre  Direitos Humanos).
Causado  esse prejuízo, nasce o direito específico,  que é o de formular, pelo  mesmo órgão de difusão, sua retificação ou  resposta.
Se  há lei, nos termos dela mesma; se não há lei,  como é o nosso caso  [argentino] atualmente, a Constituição opera  diretamente. Isso não é  uma novidade, mas um critério estabelecido por  nossa Corte Suprema de  Justiça desde o caso ‘Ekmekdjian c/Sofovich’  anterior à reforma  constitucional.
Esta ação não é outra que a de amparo prevista no parágrafo 1º do art. 43 da Constituição nacional reformada.
Confirmadas  as informações inexatas ou ofensivas, e  alegado o prejuízo à honra ou à  reputação, o juiz deverá ordenar ao meio  de difusão passiva a  publicação de resposta ou de retificação que  satisfaça ao ofendido.
O  primeiro elemento de eqüidade que aparece é o de  que a publicação  deverá apresentar a imediatidade que o meio impõe. O  segundo elemento é  o de que a publicação deverá apresentar o mesmo grau  de importância  jornalística e informativa que a publicação a que se  responde ou que se  retifica. O terceiro elemento é o de que a publicação  deverá  ajustar-se ao respondido ou retificado, sem poder apresentar   considerações de outro tipo nem, por óbvio, apresentar expressões   ofensivas ou injuriosas.
O  meio jornalístico deverá publicar nessas condições  a resposta ou a  retificação. Sendo uma obrigação de fazer, poderão ser  impostas multas  ao meio de imprensa negligente no cumprimento de sua  obrigação  constitucional.
Tudo  o que foi aqui exposto tem validade no que diz  respeito às jurisdições  nas quais os Poderes Legislativos locais não  hajam estabelecido normas  procedimentais específicas em função das quais  dar trâmite ao  processo.
Se  [os Poderes Legislativos locais] houverem  estabelecido, e sem prejuízo  da crítica a que [essas normas] estejam  sujeitas, o juiz deverá  observar a idoneidade desse procedimento, no que  se refere à proteção  que se postula. Se isso acontecer, fica a situação  excluída do art. 43  em análise.
Para  finalizar, devemos dizer que, desde a reforma  de 1994, em nossa  opinião, não é saudável que se regulamente o exercício  dessa ação nem  no âmbito nacional nem no provincial. Cabem aqui as  críticas, alertas e  reservas manifestadas quando da edição, pelo governo  militar, da lei  de amparo n. 16.986. Parafraseando VARGAS GÓMEZ,  digamos que uma  regulamentação inconveniente do direito de réplica  poder-se-ia  converter em uma regulamentação do silêncio. Com BIDART  CAMPOS – que  assim se manifestou naquela oportunidade -, digamos que é  duvidoso que  os problemas que podem decorrer da falta de uma lei possam  ser  resolvidos com a edição dessa norma.” (grifei)
Devo  registrar, finalmente, que se reveste de plena  legitimidade jurídica a  imposição de multa cominatória (“astreinte”)  como instrumento de  coerção processual destinado a compelir o devedor,  mesmo que se cuide  de pessoa jurídica de direito público, a adimplir  obrigação de fazer,  como aquela que determinou, à parte ora requerente, a  publicação de  sentença, na linha de orientação que tem sido acolhida  pelo Supremo  Tribunal Federal:
“TUTELA  ANTECIPATÓRIA – POSSIBILIDADE, EM REGRA, DE  SUA OUTORGA CONTRA O PODER  PÚBLICO, RESSALVADAS AS LIMITAÇÕES PREVISTAS  NO ART. 1º DA LEI Nº  9.494/97 – VEROSSIMILHANÇA DA PRETENSÃO DE DIREITO  MATERIAL –  OCORRÊNCIA DE SITUAÇÃO CONFIGURADORA DO ‘PERICULUM IN MORA’ –   ATENDIMENTO, NA ESPÉCIE, DOS PRESSUPOSTOS LEGAIS (CPC, ART. 273,   INCISOS I E II) – CONSEQÜENTE DEFERIMENTO, NO CASO, DA ANTECIPAÇÃO DOS   EFEITOS DA TUTELA JURISDICIONAL – LEGITIMIDADE JURÍDICA DA UTILIZAÇÃO   DAS ‘ASTREINTES’ CONTRA O PODER PÚBLICO – DOUTRINA – JURISPRUDÊNCIA –   DECISÃO REFERENDADA EM MAIOR EXTENSÃO - TUTELA ANTECIPATÓRIA   INTEGRALMENTE DEFERIDA.
.......................................................
LEGITIMIDADE JURÍDICA DA IMPOSIÇÃO, AO PODER PÚBLICO, DAS ‘ASTREINTES’.
-  Inexiste obstáculo jurídico-processual à  utilização, contra entidades  de direito público, da multa cominatória  prevista no § 5º do art. 461  do CPC. A ‘astreinte’ – que se reveste de  função coercitiva – tem por  finalidade específica compelir,  legitimamente, o devedor, mesmo que se  cuide do Poder Público, a cumprir  o preceito. Doutrina.  Jurisprudência.”
(RE 495.740-TAR/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO)
Com  efeito, as “astreintes” podem ser legitimamente  impostas até mesmo às  pessoas jurídicas de direito público, consoante  adverte autorizado  magistério doutrinário (LEONARDO JOSÉ CARNEIRO DA  CUNHA, “Algumas  Questões sobre as Astreintes (Multa Cominatória)”, “in”  Revista  Dialética de Direito Processual nº 15, p. 95/104, item n. 7,   junho-2004; GUILHERME RIZZO AMARAL, “As Astreintes e o Processo Civil   Brasileiro: multa do artigo 461 do CPC e outras”, p. 99/103, item n.   3.5.4, 2004, Livraria do Advogado Editora; EDUARDO TALAMINI, “Tutela   Relativa aos Deveres de Fazer e de não Fazer: e sua extensão aos deveres   de entrega de coisa (CPC, arts. 461 e 461-A; CDC, art. 84)”, p.   246/247, item n. 9.3.4, 2ª ed., 2003, Editora Revista dos Tribunais,   v.g.).
Esse  entendimento doutrinário, por sua vez,  reflete-se na jurisprudência  firmada pelos Tribunais, cujas decisões (RT  808/253-256 – RF  370/297-299 – Resp nº 201.378/SP, Rel. Min. FERNANDO  GONÇALVES – Resp  nº 784.188/RS, Rel. Min. TEORI ALBINO ZAVASCKI - Resp  nº 810.017/RS,  Rel. Min. FRANCISCO PEÇANHA MARTINS, v.g.) já  reconheceram a  possibilidade jurídico-processual de condenação da  Fazenda Pública na  multa cominatória prevista no § 5º do art. 461 do CPC  e, com maior  razão, a aplicação das “astreintes” aos particulares em  geral.
Desse  modo, tenho por insuscetível de acolhimento a  pretensão cautelar  formulada pelo autor, eis que inviável o próprio  recurso extraordinário  a que o pleito se refere.
Sendo  assim, e em face das razões expostas, nego  seguimento à presente “ação  cautelar incidental”, restando prejudicado,  em conseqüência, o exame  do pedido de medida liminar.
Arquivem-se os presentes autos.
Publique-se.
Brasília, 25 de novembro de 2010.
Ministro CELSO DE MELLO
Relator
*decisão publicada no DJe de 1º.12.2010
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Por: TJSP - Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo
Por: TRF3 - Tribunal Regional Federal da Terceira Região
Por: TJSC - Tribunal de Justiça de Santa Catarina Brasil

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