MS 25793/DF*
 
 RELATOR: Min. Celso de Mello
 
 EMENTA: IMÓVEL RURAL. REFORMA AGRÁRIA. DESAPROPRIAÇÃO-SANÇÃO POR   INTERESSE SOCIAL. NOTIFICAÇÃO PRÉVIA. INOCORRÊNCIA. COMUNICAÇÃO RECEBIDA   POR PESSOA ESTRANHA À EMPRESA PROPRIETÁRIA DE PRÉDIO RÚSTICO.   COMPROVAÇÃO, PELA IMPETRANTE, DE QUE AQUELE QUE RECEBEU A NOTIFICAÇÃO   NÃO DISPUNHA DE PODERES PARA REPRESENTÁ-LA. DESRESPEITO À GARANTIA   CONSTITUCIONAL DO “DUE PROCESS OF LAW”. TRANSGRESSÃO AO DIREITO DE   DEFESA E AO POSTULADO DO CONTRADITÓRIO. O SIGNIFICADO DA VISTORIA   PRÉVIA. REFORMA AGRÁRIA E ABUSO DE PODER. INADMISSIBILIDADE. A FUNÇÃO   SOCIAL DA PROPRIEDADE: VETORES QUE PERMITEM RECONHECER O SEU   ADIMPLEMENTO PELO “DOMINUS”. A SUBMISSÃO DO PODER PÚBLICO À “RULE OF   LAW”. OFENSA A DIREITO LÍQUIDO E CERTO DA EMPRESA IMPETRANTE.   PRECEDENTES. MANDADO DE SEGURANÇA DEFERIDO.
 
 DECISÃO: Trata-se  de mandado de segurança impetrado com a finalidade  de invalidar  declaração expropriatória – Decreto de 05 de outubro de  2005 (fls. 26)  –, fundada em razões de interesse social, para fins de  reforma agrária,  referente ao imóvel rural denominado **, situado no  Município de  Sorriso, Estado de Mato Grosso.
 A parte ora impetrante apóia sua  pretensão na alegada “afronta ao  disposto no § 2º do art. 2º da Lei n.º  8.629/93, já que não atendido o  requisito da notificação/comunicação  prévia à proprietária do imóvel  vistoriado” (fls. 12).
 Ao examinar o  pedido de medida liminar formulado na presente sede  processual, o  eminente Ministro Presidente desta Suprema Corte deferiu o  pleito  cautelar, “(...) por ausência da prévia notificação quanto à  realização  da vistoria” (fls. 350).
 Após a manifestação da autoridade  impetrada, a douta Procuradoria  Geral da República opinou pela  concessão do mandado de segurança (fls.  392/394), em pronunciamento que  possui a seguinte ementa (fls. 392):
 
 “Mandado de segurança.  Desapropriação para reforma agrária.  Notificação prévia aos trabalhos  que se promoveu em desatenção ao art.  2º, § 2º, da Lei 8.629/93.  Comunicação recebida por pessoa estranha aos  quadros societários ou ao  pessoal da impetrante. Demonstração objetiva  de que o destinatário não  ostentava poderes de representação da  proprietária. Vilipêndio ao seu  direito de defesa e ao princípio do  contraditório.
 Parecer pela concessão da ordem.” (grifei)
 
 Sendo esse o contexto, passo a examinar a presente controvérsia   mandamental, registrando, no entanto, em caráter preliminar, as   observações que se seguem.
 O Supremo Tribunal Federal, mediante  edição da Emenda Regimental nº  28, de 18 de fevereiro de 2009, delegou  expressa competência ao Relator  da causa, para, em sede de julgamento  monocrático, denegar ou conceder a  ordem de mandado de segurança, desde  que a matéria versada no “writ” em  questão constitua “objeto de  jurisprudência consolidada do Tribunal”  (RISTF, art. 205, “caput”, na  redação dada pela ER nº 28/2009).
 Ao assim proceder, fazendo-o  mediante interna delegação de atribuições  jurisdicionais, esta Suprema  Corte, atenta às exigências de celeridade e  de racionalização do  processo decisório, limitou-se a reafirmar  princípio consagrado em  nosso ordenamento positivo (RISTF, art. 21, §  1º; Lei nº 8.038/90, art.  38; CPC, art. 544, § 4º) que autoriza o  Relator da causa a decidir,  monocraticamente, o litígio, sempre que este  referir-se a tema já  definido em “jurisprudência dominante” no Supremo  Tribunal Federal.
 Nem se alegue que essa orientação implicaria transgressão ao princípio   da colegialidade, eis que o postulado em questão sempre restará   preservado ante a possibilidade de submissão da decisão singular ao   controle recursal dos órgãos colegiados no âmbito do Supremo Tribunal   Federal, consoante esta Corte tem reiteradamente proclamado (RTJ   181/1133-1134, Rel. Min. CARLOS VELLOSO – AI 159.892-AgR/SP, Rel. Min.   CELSO DE MELLO, v.g.).
 A legitimidade jurídica desse entendimento –  que vem sendo observado  na prática processual desta Suprema Corte (MS  27.649/DF, Rel. Min. CEZAR  PELUSO - MS 27.962/DF, Rel. Min. CELSO DE  MELLO, v.g.) - decorre da  circunstância de o Relator da causa, no  desempenho de seus poderes  processuais, dispor de plena competência  para exercer, monocraticamente,  o controle das ações, pedidos ou  recursos dirigidos ao Supremo Tribunal  Federal, justificando-se, em  conseqüência, os atos decisórios que,  nessa condição, venha a praticar  (RTJ 139/53 - RTJ 168/174-175 - RTJ  173/948), valendo assinalar, quanto  ao aspecto ora ressaltado, que o  Plenário deste Tribunal, em  recentíssima decisão (25/03/2010), reafirmou  a possibilidade processual  do julgamento monocrático do próprio mérito  da ação de mandado de  segurança, desde que observados os requisitos  estabelecidos no art. 205  do RISTF, na redação dada pela Emenda  Regimental nº 28/2009:
 
 “AGRAVO REGIMENTAL EM MANDADO DE SEGURANÇA. ATO DO PROCURADOR-GERAL DA   REPÚBLICA. INDEFERIMENTO DE PEDIDO FORMULADO POR PROCURADOR-REGIONAL DA   REPÚBLICA PARA PARTICIPAR EM CONCURSO DE REMOÇÃO PARA O PREENCHIMENTO   DE VAGA DESTINADA A PROCURADOR DA REPÚBLICA. INADMISSIBILIDADE. AUSÊNCIA   DE LIQUIDEZ E CERTEZA NO DIREITO PLEITEADO. SEGURANÇA DENEGADA.   JULGAMENTO MONOCRÁTICO. POSSIBILIDADE. AGRAVO IMPROVIDO.
 .........................................................
 III – Nos termos do art. 205 do Regimento Interno do STF, pode o   Relator julgar monocraticamente pedido que veicule pretensão   incompatível com a jurisprudência consolidada desta Corte ou seja   manifestamente inadmissível.
 IV – Agravo regimental improvido.”
 (MS 27.236-AgR/DF, Rel. Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Pleno – grifei)
 
 Tendo em vista essa delegação regimental de competência ao Relator da   causa, impõe-se reconhecer que a controvérsia jurídica ora em exame   ajusta-se à jurisprudência que o Supremo Tribunal Federal firmou na   matéria em análise, o que possibilita seja proferida decisão monocrática   sobre o litígio em questão.
 Passo, pois, ao exame da controvérsia mandamental instaurada na presente causa.
 A parte ora impetrante, para justificar a presente ação mandamental,   apóia-se, em síntese, nos seguintes fundamentos (fls. 02/12):
 
 “5. Sabe-se que na conformidade do que dispõe o § 2º, do artigo 2º da   lei nº 8.629/93, há necessidade de que o proprietário rural seja   previamente comunicado para a realização da vistoria pela autoridade   administrativa (...):
 .......................................................
 8. Reveste-se – a notificação prévia – portanto, em requisito   intransponível para a validade da vistoria e dos atos subseqüentes, eis   que assegura ao proprietário o direito de saber com a antecedência   necessária o dia, a hora e o local em que serão realizadas as   diligências, assim permitindo a sua mais ampla defesa.
 9. O  descumprimento da regra legal em comento, como no caso ocorreu,   caracteriza evidente ilegalidade, atacável via mandado de segurança.
 10. De fato, a aqui Impetrante, legítima proprietária do imóvel   descrito no item 4, retro, não foi previamente notificada da vistoria   levada a efeito pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma   Agrária, com o que restaram violados os incs. LIV e LV, do art. 5º, da   CF.
 .......................................................
 13.  Realmente, o que aconteceu é que um cidadão, de nome **, deu uma   ‘autorização’ ao Incra para que efetivasse a indigitada vistoria, sem   que tivesse qualquer legitimação à prática desse especialíssimo ato. Não   exibiu, como não poderia mesmo exibir, qualquer autorização da   proprietária – aqui Impetrante – conforme estampa o documento de fls.   03, do já indicado Processo Administrativo INCRA/SR-13/nº   54240.001203/2004-51 (doc. 5).
 14. Isto, todavia, não o impediu de,  além de autorizar a malfadada  vistoria, oferecê-lo à venda –  acredite-se – em julho de 2004, ‘ao  Governo Federal, para fins de  reforma agrária’, conforme se lê naquelas  mesmas folhas 03.
 15.  Ocorre, porém, que dito cidadão, além de não ser proprietário do   imóvel, também, não é preposto, nem representante da proprietária.   Incrível, porém absolutamente verdadeiro.
 16. Causa espécie, por  outro lado, a falta de diligência do INCRA no  sentido de acautelar-se  em relação à autorização para consecução dessa  infeliz vistoria,  deixando de tomar providência básica, elementar e  primária, qual a de  exigir a prova da propriedade do imóvel.
 18. Para que se possa  entender o porquê da ocorrência de uma situação  tal que beira o  surrealismo, para não dizer tipificadora de grotesca  conduta criminosa,  mister se faz retroceder a seus antecedentes.
 19. A empresa ** e outras prometeram vender ao citado ** 277.279 ações ordinárias nominativas da aqui Impetrante, ** (doc. 6).
 20. Em razão da inadimplência do promissário-comprador (**), as   empresas promitentes-vendedoras ajuizaram, em 18/3/1996, ação ordinária,   objetivando fosse declarada a rescisão do contrato de promessa de   compra e venda das ações. Isto, na 22ª Vara Cível, da Comarca da   Capital, do Estado do Rio de Janeiro (proc. nº 96.001.031049-1). Dito   feito foi sentenciado, tendo sido declarada, na forma do dispositivo   abaixo transcrito, a rescisão daquele contrato (doc. 7):
 ‘Face ao  exposto, julgo PROCEDENTE EM PARTE o pedido para declarar  rescindido o  contrato de promessa de compra e venda de ações celebrado  pelas partes,  perdendo o réu em favor da autoras as importâncias pagas  como parte do  preço. Condeno o réu, ainda, nas custas processuais e  honorários  advocatícios, os quais arbitro em 10% sobre o valor da  condenação.
 P.R.I.
 Rio de Janeiro, 14 de abril de 1999.
 MARIA DA GLÓRIA OLIVEIRA BANDEIRA DE MELLO
 JUÍZA DE DIREITO.’ (...)
 ....................................................
 
 22. A impetrante chegou ao extremo de publicar no jornal de maior   circulação no Estado de Mato Grosso, Edital de Protesto Judicial para   ciência de terceiros da revogação da procuração, porque ** dela se   utilizara para lesar incautos.” (grifei)
 
 A autoridade ora  apontada como coatora, ao prestar as informações que  lhe foram  solicitadas, sustentou a plena legitimidade jurídica do  decreto ora  impugnado, aduzindo, em síntese, as seguintes razões (fls.  362/390):
 
 “2. No caso, a impetrante afirma – e é o único fundamento – que não   foi intimada/notificada pelo INCRA para a vistoria que redundou na   proposta e decreto de desapropriação, uma vez que teria sido outra   pessoa, estranha à empresa, que assim fizera.
 3. Ora, ainda que tal  fosse mesmo verdadeiro, é essencial que  existisse prova cabal da  desvinculação de ** e a impetrante. No entanto,  como bem demonstrado,  tanto não há nenhuma evidência de que o imóvel  seja produtivo e  cumprisse sua função social, quanto – tendo havido  ações judiciais  entre a impetrante e o terceiro retro nominado por  disputas possessória  e reivindicatória – não há certeza de que este ao  tempo da vistoria  não dispusesse  de poderes de representação, já que – é  a impetrante  dizendo – ** (coincidentemente dirigida por ** que também é  diretor  presidente da impetrante), prometeu à venda, de modo  irrevogável e  irretratável em 04.02.1994 a ** (doc. 6), 277.279 ações  ordinárias  nominativas da impetrante (avença depois rescindida em  14.04.1999 por  sentença), concedendo-lhe procurações para representação  da empresa  inclusive junto a repartições federais, e que esse ‘terceiro’  teria  secretamente alienado parte da ** (matrículas 28, 29, 30   RI/Sorriso-MT), havendo, como se vê do ‘Protesto’ e juntado o registro   de algumas vendas, diferentes ações entre ambos e outras ainda entre   terceiros e ambos.
 4. Ora, desse emaranhado de relações controversas  não resulta evidente  que o Sr. ** não dispusesse de tais poderes em  24.07.2004 (notificação  INCRA/SR-13/G/nº 998/2004, quando se noticiou a  vistoria 3 dias após (do  imóvel de 8.293 ha medidos, e não 12.265, ha  com 5448 ha plantados de  soja).
 5. Nesses termos, embora verdadeiro  que, ao menos parcialmente no  remanescente, o imóvel todo (composto,  aliás, de três glebas originadas  de Títulos do Estado do Mato Grosso,  de 8415HA - Natividade, 7658 ha -  São Miguel, e 8647 ha - São  Sebastião, de 08.03.1966) pertença à  impetrante, não há certeza de que  ‘não’ tenha havido acerto formal ou  informal decorrente das negociações  entre os interessados impetrante e  terceiro e admissão por aquela da  administração por este do imóvel,  hipótese que, no caso, justificaria a  legitimação do último para receber  a notificação.
 6. Ante o  exposto, sem prova de que o imóvel é produtivo e sem  demonstração clara  de que o Sr. ** não estava legitimado para  representar a impetrante, a  impetração não pode ser acolhida.” (grifei)
 
 Entendo que as  razões expostas na inicial desta impetração,  especialmente as relativas  à falta de notificação prévia da parte  impetrante e à conseqüente  realização de vistoria sem que a empresa  proprietária do imóvel dela  tivesse conhecimento, conferem relevo  jurídico (e integral procedência)  à tese sustentada pela autora do  presente “writ”.
 É que, como se  sabe, o processo de reforma agrária, em nosso país, não  pode ser  conduzido de maneira arbitrária, nem de modo ofensivo aos  postulados  constitucionais e legais que protegem e garantem o direito de   propriedade.
 Não custa enfatizar que o procedimento expropriatório  assenta-se em  duas fases principais e sucessivas, em que se inserem, a  par da  finalidade intrínseca a cada uma delas, meios de consecução  adequados ao  alcance de todas as exigências ali consubstanciadas, sejam  as de ordem  constitucional ou as de caráter meramente legal.
 Inicia-se, a desapropriação por interesse social, para fins de reforma   agrária, pela verificação preliminar – exercida, administrativamente,   por meio dos órgãos competentes do Poder Executivo – das características   da propriedade que se pretende apta a sofrer a desapropriação-sanção.
 Isso significa, portanto, que esse procedimento administrativo visa a   aferir, objetivamente, o grau de atendimento, por determinada   propriedade rural, dos requisitos necessários à sua identificação como   imóvel em harmonia com a função social que lhe é inerente.
 Vê-se,  desse modo, que a ação administrativa concernente à propriedade  rural,  instrumentalizada, em sua fase introdutória, mediante vistoria  prévia,  constitui procedimento inafastável, eis que tem por finalidade  aferir  tanto o grau de aproveitamento da terra quanto o nível de  eficiência em  sua exploração, a partir de índices e parâmetros que foram   estabelecidos em legislação infraconstitucional.
 Constata-se, pois,  que a vistoria prévia, enquanto procedimento  preparatório, tem por  escopo viabilizar o levantamento de dados que  deverão informar o Poder  Público quanto ao atendimento dos requisitos  necessários à aferição,  seja da produtividade da propriedade rural, seja  da realização, por  ela, da função social que lhe é inerente.
 A necessidade dessa  aferição traduz procedimento de caráter meramente  técnico, que objetiva  exteriorizar, a partir da descrição fática das  condições econômicas,  ambientais e das relações de trabalho  desenvolvidas no imóvel rural, um  quadro autorizador de sua qualificação  como propriedade produtiva ou,  ao contrário, tornar incontestável a  certeza de sua improdutividade,  abrindo-se-lhe, então, de modo  inteiramente legítimo, a via  constitucional da desapropriação, para fins  de reforma agrária.
 Uma  vez constatado que a propriedade vistoriada não atende a função   social, o ordenamento positivo autoriza a edição de decreto   expropriatório. É certo, desse modo, que a declaração expropriatória   representa o momento culminante de um procedimento administrativo que se   desenvolve mediante fases autônomas destinadas a aferir a ocorrência  de  requisitos técnicos essenciais à legitimação desse verdadeiro ato de   intervenção do Poder Público na esfera dominial privada.
 Não  constitui demasia insistir na asserção de que a vistoria tem por   finalidade específica viabilizar o levantamento técnico de dados e   informações sobre o imóvel rural, permitindo à União Federal – que atua   por intermédio do INCRA – constatar se a propriedade realiza, ou não, a   função social que lhe é inerente.
 O ordenamento positivo determina  que essa vistoria seja precedida de  comunicação regular ao  proprietário, em face da possibilidade de o  imóvel rural que lhe  pertence – quando este não estiver cumprindo a sua  função social – vir a  constituir objeto de declaração expropriatória,  para fins de reforma  agrária.
 A exigência dessa vistoria administrativa é ditada pela  necessidade de  garantir, ao proprietário, a observância da cláusula  constitucional do  devido processo legal, sob pena de configuração de  vício radical, apto a  projetar-se sobre todas as fases subseqüentes do  procedimento de  expropriação, contaminando-as, por efeito de  repercussão causal, em  ordem a gerar, por ausência de base jurídica  idônea, a própria  invalidação do decreto presidencial consubstanciador  da declaração  expropriatória.
 Cabe ter presente, neste ponto,  decisão plenária do Supremo Tribunal  Federal, proferida no julgamento  do MS 22.164/SP, Rel. Min. CELSO DE  MELLO, ocasião em que esta Suprema  Corte - ao apreciar a questão da  reforma agrária sob a égide da  garantia constitucional do devido  processo legal - assim se pronunciou:
 
 “REFORMA AGRÁRIA E DEVIDO PROCESSO LEGAL.
 - O postulado constitucional do ‘due process of law’, em sua   destinação jurídica, também está vocacionado à proteção da propriedade.   Ninguém será privado de seus bens sem o devido processo legal (CF, art.   5º, LIV). A União Federal - mesmo tratando-se de execução e   implementação do programa de reforma agrária - não está dispensada da   obrigação de respeitar, no desempenho de sua atividade de expropriação,   por interesse social, os princípios constitucionais que, em tema de   propriedade, protegem as pessoas contra a eventual expansão arbitrária   do poder estatal. A cláusula de garantia dominial que emerge do sistema   consagrado pela Constituição da República tem por objetivo impedir o   injusto sacrifício do direito de propriedade.”
 
 Cumpre  rememorar, por oportuno, neste ponto, o que disse, a tal  respeito, no  julgamento do MS 24.547/DF, a eminente Relatora da causa,  Ministra  ELLEN GRACIE, quando pôs em destaque o significado real da  notificação  prévia:
 
 “(...) a notificação, que inaugura o devido processo  legal, tem por  objetivo dar ao proprietário a oportunidade de  acompanhar os trabalhos  de levantamento de dados, fazendo-se assessorar  por técnicos de sua  confiança, para apresentar documentos, demonstrar a  existência de  criações e culturas e fornecer os esclarecimentos  necessários à  caracterização da propriedade como produtiva e, portanto,  isenta da  desapropriação-sanção.” (grifei)
 
 Também o eminente  Ministro CARLOS VELLOSO, ao pronunciar-se em  voto-vista proferido no MS  22.319/SP, definiu, com extrema propriedade,  os fins a que se destina a  vistoria administrativa promovida pelo INCRA:
 
 “A prévia  notificação aludida no citado § 2º do art. 2º, da Lei 8.629,  de 1993,  tem por finalidade a instauração da vistoria que dirá se a  propriedade  cumpre sua função social. Em despacho que proferi no MS  21.820-SP,  sustentei que o devido processo legal da vistoria, que tem  por  finalidade verificar se a propriedade rural cumpre, ou não, sua  função  social, está na Lei 8.629, de 25.02.93, art. 2º, § 2º. O critério   determinador dessa função social inscreve-se no art. 9º da citada lei.   Estabelece o § 2º do art. 2º que os proprietários do imóvel rural são   notificados da vistoria. Essa notificação desencadeia a possibilidade de   o proprietário exercitar o direito de defesa. O proprietário poderia   indicar, então, o seu assistente técnico – é claro que isto seria   possível, caso contrário o acompanhamento da vistoria seria praticamente   inócuo – que acompanhará a vistoria. Poderá o proprietário, ademais,   requerer o que entender útil à defesa. O órgão incumbido da realização   da vistoria apreciará os requerimentos, deferindo-os, ou não, sujeita a   decisão ao controle judicial.” (grifei)
 
 Vê-se, desse modo,  considerada a correta perspectiva sob a qual os  eminentes Ministros  ELLEN GRACIE e CARLOS VELLOSO situam a questão da  vistoria, que a  possibilidade do exercício ulterior do direito de  defesa, mediante  impugnação aos fundamentos em que se apóia o laudo  agronômico, ainda  que viável em momento diverso daquele em que se  realizou o levantamento  técnico, não torna dispensável a efetivação –  sempre necessária – da  notificação prévia, pois, com tal comunicação,  ensejar-se-á ao  proprietário o direito de acompanhar a vistoria, de  ministrar subsídios  ao INCRA e de propor, no próprio local de efetivação  desse mesmo ato, a  adoção de medidas que visem a esclarecer ou a  desfazer dúvidas.
 Na  realidade, a possibilidade de acompanhamento da vistoria compõe, em   sua dimensão global, o próprio núcleo em que se funda o direito de   defesa, que não se resume, portanto, à mera possibilidade de impugnação   ulterior de peças ou de laudos periciais.
 Cumpre destacar, bem por  isso, que, em tema de desapropriação (mesmo  tratando-se de  desapropriação-sanção), impõe-se, ao Poder Público, o  dever de sempre  observar, de modo estrito, as formas constitucionais,  que, nesse  contexto, atuam como exigências inafastáveis, fundadas na  garantia de  conservação do direito de propriedade.
 É certo que o direito de  propriedade não se reveste de caráter  absoluto. A cláusula de sua  proteção, embora inscrita na Carta Política,  não lhe confere, ante a  supremacia do interesse público,  intangibilidade plena. Mas impõe, ao  Estado, para que possa afetá-lo de  modo tão radical, o dever de  respeitar os limites, as formas e os  procedimentos fixados na própria  Constituição. Tais restrições ao poder  expropriatório do Estado  objetivam, em última análise, dispensar tutela  jurídica efetiva às  pessoas que titularizam o direito de propriedade.
 Não se questiona a  necessidade da execução, no País, de um programa de  reforma agrária. O  acesso à terra, a solução dos conflitos sociais, o  aproveitamento  racional e adequado do imóvel rural, a utilização  apropriada dos  recursos naturais disponíveis e a preservação do meio  ambiente  constituem, inegavelmente, elementos de realização da função  social da  propriedade. A desapropriação, nesse contexto - enquanto  sanção  constitucional imponível ao descumprimento da função social da   propriedade (JOSÉ AFONSO DA SILVA, “Curso de Direito Constitucional   Positivo”, p. 272, 10ª ed., 1995, Malheiros) - reflete importante   instrumento destinado a dar conseqüência aos compromissos assumidos pelo   Estado na ordem econômica e social.
 Sabemos que a função social da  propriedade, quando descumprida,  legitima a intervenção estatal na  esfera das relações dominiais  privadas.
 O princípio da função  social da propriedade, de índole essencialmente  constitucional,  configura, sob tal perspectiva, inegável questão de  fundo, apta a  subordinar, notadamente em tema de expropriação estatal, a  elaboração e  a execução de quaisquer programas de reforma agrária.
 A crescente  intensificação do processo de modernização do Direito, no  que concerne à  propriedade da terra, acentua o dever jurídico, que  incumbe ao  proprietário, de cultivá-la e de explorá-la adequadamente,  sob pena de  incidir nas disposições restritivas, que, editadas pelo  Estado,  sancionam os senhores de imóveis ociosos, não cultivados e/ou   improdutivos.
 Advirta-se, portanto, que a propriedade da terra  estará assegurada, na  medida em que desempenhe, em plenitude, a função  social que lhe é  inerente.
 Isso significa que a realização desse  encargo constitucional, que  incide sobre o imóvel rural, só se  considerará atendida, quando o  titular do direito de propriedade  cumprir a obrigação (1) de favorecer o  bem-estar dos que na terra  labutam; (2) de manter níveis satisfatórios  de produtividade; (3) de  assegurar a conservação dos recursos naturais; e  (4) de observar as  disposições legais que regulam as justas relações de  trabalho entre os  que possuem o domínio e aqueles que cultivam a  propriedade (Estatuto da  Terra, artigo 2º, § 1º).
 Nada justifica, porém, o emprego ilegítimo  do instrumento  expropriatório, quando utilizado, pelo poder estatal,  com evidente  transgressão dos princípios e das normas que regem e  disciplinam as  relações entre as pessoas e o Estado. Não se deve perder  de perspectiva,  por mais relevantes que sejam os fundamentos da ação  expropriatória do  Estado, que este não pode desrespeitar a cláusula do  “due process of  law” que condiciona qualquer atividade do Estado  tendente a afetar a  propriedade privada.
 Desse modo, não se pode  ignorar que a Constituição da República, após  estender, ao  proprietário, a garantia de sua proteção (art. 5º, XXII),  proclama, em  cláusula explícita, que “ninguém será privado da liberdade  ou de seus  bens, sem o devido processo legal” (art. 5º, LIV).
 Daí a advertência  do magistério doutrinário no sentido de que a  destituição dominial de  qualquer bem não prescinde - enquanto medida de  extrema gravidade que é  - da necessidade de observância, pelo Poder  Público, das garantias  inerentes ao “due process of law” (CELSO RIBEIRO  BASTOS, “Comentários à  Constituição do Brasil”, vol. 2/263-264, 1989,  Saraiva).
 Não custa  enfatizar, por isso mesmo, que a União Federal - mesmo  tratando-se da  execução e implementação do programa de reforma agrária -  não está  dispensada da indeclinável obrigação de respeitar, no  desempenho de sua  atividade de expropriação, por interesse social, os  postulados  constitucionais, que, em tema de propriedade, protegem as  pessoas e os  indivíduos contra a eventual expansão arbitrária do poder.
 Essa  asserção - ao menos enquanto subsistir o sistema consagrado em  nosso  texto constitucional - impõe que se repudie qualquer medida que  importe  em virtual negação ou em injusto sacrifício do direito de  propriedade.
 Veja-se, pois, que o respeito à lei e à ordem jurídica representa   condição indispensável e necessária ao exercício da liberdade e à   prática responsável da cidadania.
 Nada pode justificar o desrespeito à autoridade das leis e à supremacia da Constituição da República.
 O respeito ao ordenamento jurídico e a submissão de todos à idéia e à   autoridade da lei (“rule of law”) traduzem comportamentos que prestam   reverência ao princípio da legalidade, cuja primazia representa   verdadeira pedra angular no processo de construção e de consolidação do   Estado Democrático de Direito.
 O dever de fidelidade à lei, no  contexto de uma sociedade fundada em  bases democráticas, atua como  importante elemento de preservação da  ordem jurídica e constitui  pressuposto essencial à prática legítima das  liberdades públicas.
 Daí porque tenho por suficientes (e procedentes), para a concessão da presente ordem de mandado de segurança, as razões
 concernentes à falta de notificação prévia dos representantes legais   da empresa proprietária do imóvel e a conseqüente realização da vistoria   sem o conhecimento desses mesmos representantes da   impetrante/proprietária.
 É que os representantes legais da  impetrante não foram, em momento  algum, notificados, qualquer que fosse  o meio de comunicação, para os  atos de vistoria a que se refere o art.  2º, § 2º da Lei nº 8.629/93.
 Cumpre ter presente, no caso ora em  exame, como ressaltado na decisão  que concedeu a medida liminar (fls.  350), que, “no laudo agronômico de  vistoria efetivado pelo INCRA,  consta como representante do imóvel o Sr.  **”, mas que “referido nome  não consta na cadeia dominial (fls. 28, 32,  38/45) nem na Ata de  Reunião do Conselho de Administração da empresa **  (fls. 17/22)”.
 Esse aspecto que venho de referir – ausência de prévia notificação   pessoal ao real proprietário do imóvel rural em questão (ou a seus   legítimos representantes) – basta, por si só, para inviabilizar,   formalmente, o decreto presidencial impugnado na presente ação de   mandado de segurança, eis que a União Federal, agindo por intermédio do   INCRA, desrespeitou, frontalmente, a norma legal que impõe, ao Poder   Público, na fase administrativa do procedimento de expropriação, o dever   de promover a prévia notificação do proprietário do imóvel rural (Lei   nº 8.629/93, art. 2º, § 2º).
 Com efeito, a notificação a que se  refere o art. 2º, § 2º, da Lei nº  8.629/93, para que se repute válida e  possa legitimar eventual  declaração expropriatória, para fins de  reforma agrária, há de ser  efetivada na pessoa daquele que se qualifica  como proprietário do imóvel  rural que foi indicado como objeto de  análise e vistoria prévias.
 A imprescindibilidade dessa prévia e  regular notificação resulta das  graves conseqüências que podem derivar  do levantamento de dados e  informações pertinentes ao imóvel rural, eis  que a finalidade da  vistoria a que se refere o art. 2º, § 2º, da Lei  nº 8.629/93 prende-se à  constatação técnica do atendimento, ou não,  pelo prédio rústico, da  função social que lhe é inerente.
 O  descumprimento dessa formalidade essencial, ditada pela necessidade  de  garantir, ao proprietário, a observância da cláusula constitucional  do  devido processo legal, importa, ao contrário do que sustentado pela   autoridade apontada como coatora, em vício radical que configura defeito   insuperável, apto a projetar-se, por efeito de repercussão causal,  como  precedentemente salientado nesta decisão, sobre todas as fases   subseqüentes do procedimento de expropriação, gerando, em conseqüência,   por ausência de base jurídica idônea, a própria invalidação do decreto   presidencial consubstanciador da declaração expropriatória.
 Foi por  essa razão que o Plenário do Supremo Tribunal Federal, ao  julgar o MS  23.562/TO, Rel. Min. MAURÍCIO CORRÊA, declarou, “incidenter  tantum”, a  inconstitucionalidade da alteração introduzida no § 2º do  art. 2º da  Lei nº 8.629/93, pela MP nº 1.577/97, para proclamar que “A  vistoria  preparatória de expropriação para fins de reforma agrária não  dispensa a  notificação prévia dos proprietários, que tem por fim  assegurar-lhes o  acompanhamento dos procedimentos preliminares de  apuração de dados e  informações relativas ao imóvel. A falta desta  notificação prévia  ofende, ao mesmo tempo, os postulados constitucionais  do devido  processo legal, contraditório e ampla defesa (CF, artigo 5º,  LIV e  LV)...” (RTJ 176/255).
 Daí a relevância inquestionável da  notificação pessoal e prévia do  proprietário, que deve ser validamente  promovida pelo INCRA, para efeito  de realização da vistoria a que se  refere o art. 2º, § 2º, da Lei nº  8.629/93, a fim de que se legitime,  em última análise, a própria  declaração expropriatória consubstanciada  no decreto presidencial,  consoante tem advertido, em sucessivos  pronunciamentos, a jurisprudência  do Supremo Tribunal Federal (RTJ  169/507, Rel. Min. NELSON JOBIM – RTJ  175/555, Rel. Min. MOREIRA ALVES –  RTJ 176/255, Rel. Min. MAURÍCIO  CORRÊA – MS 23.012/PR, Rel. Min. ILMAR  GALVÃO – MS 23.855/MS, Rel. Min.  NÉRI DA SILVEIRA, v.g.):
 
 “NOTIFICAÇÃO PRÉVIA E PESSOAL DA VISTORIA.
 - A notificação a que se refere o art. 2º, § 2º, da Lei nº 8.629/93,   para que se repute válida e possa conseqüentemente legitimar eventual   declaração expropriatória para fins de reforma agrária, há de ser   efetivada em momento anterior ao da realização da vistoria.
 Essa  notificação prévia somente considerar-se-á regular, quando   comprovadamente realizada na pessoa do proprietário do imóvel rural, ou   quando efetivada mediante carta com aviso de recepção firmado por seu   destinatário ou por aquele que disponha de poderes para receber a   comunicação postal em nome do proprietário rural, ou, ainda, quando   procedida na pessoa de representante legal ou de procurador regularmente   constituído pelo ‘dominus’.
 - O descumprimento dessa formalidade  essencial, ditada pela  necessidade de garantir ao proprietário a  observância da cláusula  constitucional do devido processo legal,  importa em vício radical que  configura defeito insuperável, apto a  projetar-se sobre todas as fases  subseqüentes do procedimento de  expropriação, contaminando-as, por  efeito de repercussão causal, de  maneira irremissível, gerando, em  conseqüência, por ausência de base  jurídica idônea, a própria  invalidação do decreto presidencial  consubstanciador de declaração  expropriatória.”
 (RTJ 164/158-160, Rel. Min. CELSO DE MELLO, Pleno)
 
 “MANDADO DE SEGURANÇA. REFORMA AGRÁRIA. NOTIFICAÇÃO PRÉVIA. LEI Nº   8.629/93, ART. 2º, PARÁGRAFO 2º. REALIZAÇÃO DE VISTORIA EM DATAS   DIVERSAS DAS FIXADAS NAS NOTIFICAÇÕES ENCAMINHADAS AO PROPRIETÁRIO.   OFENSA AO DEVIDO PROCESSO LEGAL ADMINISTRATIVO. NULIDADE DO PROCEDIMENTO   QUE CONTAMINA O DECRETO PRESIDENCIAL.
 .......................................................
 4. A jurisprudência do Tribunal considera indispensável que a   notificação prevista no parágrafo 2º, do artigo 2º, da Lei nº 8.629/93   seja feita com antecedência, de modo a permitir a efetiva participação   do proprietário, ou de preposto por ele designado, nos trabalhos de   levantamento de dados que tem por objetivo a determinação da   produtividade do imóvel. A notificação que inaugura o devido processo   legal tem por objetivo dar ao proprietário a oportunidade real de   acompanhar os trabalhos de levantamento de dados, fazendo-se assessorar   por técnicos de sua confiança, para apresentar documentos, demonstrar a   existência de criações e culturas e fornecer os esclarecimentos   necessários à eventual caracterização da propriedade como produtiva e,   portanto, isenta da desapropriação-sanção. Precedentes.
 .......................................................
 7. Mandado de Segurança deferido.”
 (MS 24.547/DF, Rel. Min. ELLEN GRACIE - grifei)
 
 “DESAPROPRIAÇÃO. Interesse social. Reforma Agrária. Imóvel rural.   Levantamento de dados e informações. Vistoria. Prévia comunicação   escrita ao proprietário, preposto ou representante. Elemento essencial   do devido processo da lei (‘due process of law’). Inobservância.   Proprietários cientificados apenas no dia de início dos trabalhos da   vistoria. Comunicação anterior recebida por terceiro. Nulidade do   decreto reconhecida. Ofensa a direito líquido e certo. Segurança   concedida. Aplicação do art. 2º, § 2º, da Lei nº 8.629/93, cc. art. 5º,   LIV, da CF.Precedentes. É nulo o decreto expropriatório de imóvel rural   para fim de reforma agrária, quando o proprietário não tenha sido   notificado antes do início dos trabalhos de vistoria, senão no dia em   que esses tiveram início, ou quando a notificação, posto que prévia, não   lhe haja sido entregue pessoalmente, nem a preposto ou representante   seu.”
 (MS 23.856/MS, Rel. Min. CEZAR PELUSO - grifei)
 
 “MANDADO DE SEGURANÇA - REFORMA AGRÁRIA - DESAPROPRIAÇÃO-SANÇÃO (CF,   ART. 184, ‘CAPUT’) - MÉDIA PROPRIEDADE RURAL (CF, ART. 185, I) - ÁREA   QUE RESULTOU DE DOAÇÃO CELEBRADA EM MOMENTO QUE PRECEDEU TANTO A EDIÇÃO   DA MP 1.577/97 (REEDITADA, PELA ÚLTIMA VEZ, COMO MP 2.183-56/2001) COMO  A  PUBLICAÇÃO DO ATO PRESIDENCIAL QUESTIONADO - INEXPROPRIABILIDADE DO   IMÓVEL RURAL EM QUESTÃO - FALTA DE NOTIFICAÇÃO PESSOAL E PRÉVIA DO   PROPRIETÁRIO RURAL QUANTO À REALIZAÇÃO DA VISTORIA (LEI Nº 8.629/93,   ART. 2º, § 2º) - OFENSA AO POSTULADO DO DUE PROCESS OF LAW (CF, ART. 5º,   LIV) - NULIDADE RADICAL DA DECLARAÇÃO EXPROPRIATÓRIA - MANDADO DE   SEGURANÇA DEFERIDO.
 .....................................................
 
 A NOTIFICAÇÃO PRÉVIA DO PROPRIETÁRIO RURAL, EM TEMA DE REFORMA   AGRÁRIA, TRADUZ EXIGÊNCIA IMPOSTA PELA CLÁUSULA DO DEVIDO PROCESSO   LEGAL.
 - A vistoria administrativa do imóvel rural, na fase  preliminar do  procedimento expropriatório instaurado para fins de  reforma agrária,  deve ser precedida de notificação pessoal, dirigida ao  proprietário  rural, sob pena de desrespeito à cláusula constitucional  do ‘due process  of law’, cuja inobservância afeta a própria declaração  expropriatória,  invalidando-a desde o momento em que formalmente  veiculada em decreto  presidencial. Precedentes.”
 (MS 23.006/PB, Rel. Min. CELSO DE MELLO)
 
 Irretocável, sob tal aspecto, o parecer da douta Procuradoria Geral da   República, que, ao reconhecer a efetiva ausência, no caso, da   notificação prévia ao representante legal da parte ora impetrante, para   efeito de vistoria do imóvel rural de que é proprietária, assim se   manifestou (fls. 393/394):
 
 “7. A documentação juntada aos autos  evidencia que o Sr. ** não  ostentava, ao tempo da notificação,  qualquer espécie de relação jurídica  regular com a impetrante, menos  ainda exercia posse justa sobre as  terras em foco.
 8. Demonstrado,  com propriedade, que o referido sujeito firmou  contrato de promessa de  compra e venda com uma série de empresas, pelo  qual se comprometia a  adquirir lote de ações ordinárias da impetrante. A  avença, firmada em  1994, foi logo descumprida, o que o sujeitou ao  ajuizamento de ação  ordinária com pedido de rescisão contratual.  Sobreveio sentença em  abril de 1999, com todo o relato das  circunstâncias do negócio jurídico  referido. O Sr. ** foi destituído das  prerrogativas que o contrato lhe  garantia.
 9. Em 18 de agosto de 1997 a empresa impetrante fez  publicar em  veículo jornalístico impresso – Diário de Cuiabá – anúncio  de que o  contrato firmado havia sido rescindido, revogados quaisquer  poderes  outorgados pela sociedade em instrumento de mandato ao Sr. ** –  fls.  163, item 27.
 10. O curso normal foi a retomada da **.  Ajuizou-se então a competente  ação reivindicatória, ladeada de ação  cautelar. Sentença de mérito foi  recebida em secretaria no dia 1º de  julho de 2004, tornando-se, em tese,  pública – fls. 195. O registro da  decisão havia sido feito já em 30 de  junho de 2004. A retoma do imóvel  se consolidara, situação que tinha  sido previamente estabelecida ao se  deferir medida cautelar – fls. 199.
 11. A impetrante, nesses moldes,  demonstra que o Sr. ** não poderia  ostentar a condição de  representante da sociedade. Os laços que os  ligavam de há muito se  tinham desfeito. A sua cientificação, por edital  veiculado em jornal  local, de que não mais ostentava poderes de mandato é  argumento que  reforça essa idéia.
 12. Esses eventos, ressalvado o julgamento de  procedência da ação  reivindicatória, são significativamente anteriores à  data da notificação  de final de julho de 2004. A fictícia  representação da proprietária  pelo Sr. ** deu-se com evidente abuso de  confiança. Sua atuação perante a  autarquia federal era ilegítima, como  demonstra o quadro documental  anexado aos autos.
 13. A argumentação  que sugere lesão ao art. 2º, § 2º, da Lei 8.629/93  parece ter  substância, portanto. A efetiva proprietária das terras não  foi  regularmente notificada da realização dos trabalhos técnicos,  restando  impedida de deduzir mínima defesa perante o procedimento   administrativo. Quem tomou a frente dos trabalhos, ao contrário, foi   pessoa em litígio com a impetrante, como se fosse proprietário das   terras, quando, de outro lado, o Poder Judiciário poucos dias antes   havia decretado a natureza injusta da posse que exercia, demitindo-o   dela. Esclarecimentos e ponderações pertinentes aos estudos técnicos   podem ter sido deixados de lado pela pessoa que acompanhou os trabalhos,   em detrimento dos resultados do estudo e, em última análise, com   prejuízo da ora impetrante.
 14. Como visto, a procedimento  administrativo fora promovido fora dos  parâmetros legais (art. 2º, §  2º, da Lei 8.629/93). Há, portanto,  ilegalidade a ser colmatada.
 Ante o exposto, o Ministério Público Federal propõe a concessão da ordem.” (grifei)
 
 Sendo assim, pelas razões expostas, e acolhendo, ainda, o parecer da   douta Procuradoria Geral da República (fls. 392/394), defiro este   mandado de segurança, para invalidar o decreto de 05/10/2005 editado   pelo Senhor Presidente da República (DOU de 06 de outubro de 2005), que   declarou de interesse social, para fins de reforma agrária, o imóvel   rural “**”, situado no Município de Sorriso, Estado de Mato Grosso   (Processo INCRA/SR - 13/nº 54240.001203/2004-51, fls. 26).
 
 Comunique-se.
 
 Arquivem-se os presentes autos.
 
 Publique-se.
 
 Brasília, 05 de novembro de 2010.
 
 Ministro CELSO DE MELLO
 Relator
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Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: BRASIL, STJ - Superior Tribunal de Justiça. STF - Penal. Imóvel rural. Reforma agrária. Desapropriação-sanção por interesse social. Notificação prévia. Inocorrência. Comunicação recebida por pessoa estranha à empresa proprietária de prédio rústico Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 15 nov 2011, 13:05. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Jurisprudências/26108/stf-penal-imovel-rural-reforma-agraria-desapropriacao-sancao-por-interesse-social-notificacao-previa-inocorrencia-comunicacao-recebida-por-pessoa-estranha-a-empresa-proprietaria-de-predio-rustico. Acesso em: 04 nov 2025.
Por: TJSP - Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo
Por: TRF3 - Tribunal Regional Federal da Terceira Região
Por: TJSC - Tribunal de Justiça de Santa Catarina Brasil

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