HC 96418/CE*
RELATOR: Min. Celso de Mello
EMENTA:  “HABEAS CORPUS”. JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO  TRIBUNAL FEDERAL  CONSOLIDADA QUANTO À MATÉRIA VERSADA NA IMPETRAÇÃO.  POSSIBILIDADE, EM  TAL HIPÓTESE, DE O RELATOR DA CAUSA DECIDIR,  MONOCRATICAMENTE, A  CONTROVÉRSIA JURÍDICA. COMPETÊNCIA MONOCRÁTICA  DELEGADA, EM SEDE  REGIMENTAL, PELA SUPREMA CORTE (RISTF, ART. 192,  “CAPUT”, NA REDAÇÃO  DADA PELA ER Nº 30/2009). ATRIBUIÇÃO ANTERIORMENTE  CONSAGRADA NO  ORDENAMENTO POSITIVO BRASILEIRO (LEI Nº 8.038/90, ART. 38;  CPC, ART.  557). AUSÊNCIA DE OFENSA AO PRINCÍPIO DA COLEGIALIDADE.
EXTINÇÃO  ANÔMALA DO PROCESSO PENAL. ALEGAÇÃO DE  INÉPCIA DA DENÚNCIA.  INOCORRÊNCIA. OBSERVÂNCIA DOS REQUISITOS FIXADOS  PELO ART. 41 DO CPP.  PEÇA ACUSATÓRIA QUE SATISFAZ, PLENAMENTE, AS  EXIGÊNCIAS LEGAIS. SUPOSTA  AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA PARA A AÇÃO PENAL.  EXISTÊNCIA, NO CASO, DE  DADOS PROBATÓRIOS MÍNIMOS, FUNDADOS EM BASE  EMPÍRICA IDÔNEA.  CONTROVÉRSIA QUE IMPLICA EXAME APROFUNDADO DE FATOS E  CONFRONTO  ANALÍTICO DE MATÉRIA ESSENCIALMENTE PROBATÓRIA. INVIABILIDADE  DE  REFERIDO EXAME NA VIA SUMARÍSSIMA DO “HABEAS CORPUS”.
PRETENDIDA  REVOGAÇÃO DA PRISÃO PREVENTIVA.  NECESSIDADE COMPROVADA DE SUA  DECRETAÇÃO. DECISÃO FUNDAMENTADA.  MOTIVAÇÃO IDÔNEA QUE ENCONTRA APOIO  EM FATOS CONCRETOS. POSSÍVEL  INTEGRANTE DE ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA.  LEGALIDADE DA DECISÃO QUE DECRETOU A  PRISÃO CAUTELAR. INEXISTÊNCIA DE  CONSTRANGIMENTO ILEGAL.
PEDIDO DE “HABEAS CORPUS” INDEFERIDO.
DECISÃO:  Registro, preliminarmente, por necessário,  que o Supremo Tribunal  Federal, mediante edição da Emenda Regimental nº  30, de 29 de maio de  2009, delegou expressa competência ao Relator da  causa, para, em sede  de julgamento monocrático, denegar ou conceder a  ordem de “habeas  corpus”, “ainda que de ofício”, desde que a matéria  versada no “writ”  em questão constitua “objeto de jurisprudência  consolidada do Tribunal”  (RISTF, art. 192, “caput”, na redação dada pela  ER nº 30/2009).
Ao  assim proceder, fazendo-o mediante interna  delegação de atribuições  jurisdicionais, esta Suprema Corte, atenta às  exigências de celeridade e  de racionalização do processo decisório,  limitou-se a reafirmar  princípio consagrado em nosso ordenamento  positivo (RISTF, art. 21, §  1º; Lei nº 8.038/90, art. 38; CPC, art. 557)  que autoriza o Relator da  causa a decidir, monocraticamente, o litígio,  sempre que este  referir-se a tema já definido em “jurisprudência  dominante” no Supremo  Tribunal Federal.
Nem  se alegue que essa orientação implicaria  transgressão ao princípio da  colegialidade, eis que o postulado em  questão sempre restará preservado  ante a possibilidade de submissão da  decisão singular ao controle  recursal dos órgãos colegiados no âmbito do  Supremo Tribunal Federal,  consoante esta Corte tem reiteradamente  proclamado (RTJ 181/1133-1134,  Rel. Min. CARLOS VELLOSO – AI  159.892-AgR/SP, Rel. Min. CELSO DE MELLO,  v.g.).
A  legitimidade jurídica desse entendimento decorre  da circunstância de o  Relator da causa, no desempenho de seus poderes  processuais, dispor de  plena competência para exercer, monocraticamente,  o controle das  ações, pedidos ou recursos dirigidos ao Supremo Tribunal  Federal,  justificando-se, em conseqüência, os atos decisórios que,  nessa  condição, venha a praticar (RTJ 139/53 - RTJ 168/174-175 - RTJ   173/948), valendo assinalar, quanto ao aspecto ora ressaltado, que o   Plenário deste Tribunal, ao apreciar questão de ordem, em recente   decisão (HC 96.821/SP, Rel. Min. RICARDO LEWANDOWSKI, 14/04/2010),   reafirmou a possibilidade processual do julgamento monocrático do   próprio mérito da ação de “habeas corpus”, desde que observados os   requisitos estabelecidos no art. 192 do RISTF, na redação dada pela   Emenda Regimental nº 30/2009.
Tendo  em vista essa delegação regimental de  competência ao Relator da causa,  impõe-se reconhecer que a controvérsia  ora em exame ajusta-se à  jurisprudência que o Supremo Tribunal Federal  firmou na matéria em  análise, o que possibilita seja proferida decisão  monocrática sobre o  litígio em questão.
Passo, desse modo, a examinar a pretensão ora deduzida na presente sede processual.
Trata-se  de “habeas corpus” impetrado contra  decisão, que, emanada do E.  Superior Tribunal de Justiça, encontra-se  consubstanciada em acórdão  assim ementado (fls. 160):
“‘HABEAS  CORPUS’. CRIMES DE FORMAÇÃO DE QUADRILHA E  ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA,  CONEXOS AO FURTO QUALIFICADO À CAIXA-FORTE DA  SEDE DO BANCO CENTRAL DO  BRASIL EM FORTALEZA. REVOGAÇÃO DA PRISÃO  CAUTELAR. GARANTIA DA ORDEM  PÚBLICA E APLICAÇÃO DA LEI PENAL.  FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA E SUFICIENTE  PARA JUSTIFICAR A CUSTÓDIA PREVENTIVA.  INÉPCIA DA DENÚNCIA.  INEXISTÊNCIA. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. AUSÊNCIA  DE JUSTA CAUSA  NÃO-EVIDENCIADA DE PLANO. ANÁLISE SOBRE A MATERIALIDADE  DOS DELITOS QUE  NÃO PODE SER FEITA NA VIA ELEITA.
1.  A medida constritiva de liberdade encontra-se  devidamente justificada  na necessidade de se preservar a ordem pública  tendo em vista a  existência de indícios da periculosidade do Paciente,  em razão do  ‘modus operandi’ com que os delitos foram, em tese,  praticados.
2.  Ademais, o Paciente encontra-se foragido do  distrito da culpa, o que,  por si só, constituiria motivação suficiente  para justificar a medida  constritiva, não só por conveniência da  instrução criminal como também  para a garantia da aplicação da lei  penal.
3.  O trancamento da ação penal pela via de ‘habeas  corpus’ é medida de  exceção, que só é admissível quando emerge dos  autos, sem a necessidade  de exame valorativo do conjunto fático ou  probatório, a atipicidade do  fato, a ausência de indícios a  fundamentarem a acusação ou, ainda, a  extinção da punibilidade,  circunstâncias não evidenciadas no caso.
4.  Narrando a denúncia fatos configuradores de  crimes em tese, de modo a  possibilitar a defesa do Acusado, não é  possível o trancamento da ação  penal na via do ‘habeas corpus’, mormente  quando a alegação de falta de  justa causa demanda o reexame do material  cognitivo constante nos  autos.
5.  Não é possível na via do ‘habeas corpus’ acolher a  alegação de  ausência dos elementos indiciários que justificariam o  oferecimento da  inicial acusatória.
6. Ordem denegada.”
(HC 95.529/CE, Rel. Min. LAURITA VAZ - grifei)
A  parte ora impetrante busca, na presente sede  processual, (1) a  extinção anômala do processo penal instaurado contra o  paciente, com  fundamento na alegada ausência de justa causa e na  suposta inépcia da  denúncia; e (2) a revogação da prisão cautelar  decretada contra o ora  paciente, por ausência de fundamentação e,  também, por inexistência dos  requisitos concernentes à adoção dessa  medida constritiva da  liberdade.
O  Ministério Público Federal, em pronunciamento da  lavra da ilustre  Subprocuradora-Geral da República, Dra. CLÁUDIA SAMPAIO  MARQUES, opinou  pela denegação do “habeas corpus”, em parecer que está  assim ementado  (fls. 187):
“PROCESSUAL  PENAL. ‘HABEAS CORPUS’. FURTO AO COFRE  DO BANCO CENTRAL DE  FORTALEZA/CE. PLEITOS DE TRANCAMENO DA AÇÃO PENAL E,  SUBSIDIARIAMENTE,  REVOGAÇÃO DA PRISÃO PREVENTIVA. PARECER PELA  DENEGAÇÃO DA ORDEM.  OBSERVÂNCIA DO ART. 41 DO CPP. NECESSÁRIO  PROSSEGUIMENTO DA AÇÃO PENAL.  PRESENÇA DOS REQUISITOS DO ART. 312 DO  CPP. GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA.  CONVENIÊNCIA DA INSTRUÇÃO CRIMINAL.  GRAVIDADE DO CRIME, VERIFICADA EM  CONCRETO. NECESSIDADE DA PRISÃO.”  (grifei)
Entendo  assistir razão à douta Procuradoria Geral da  República, quando opina,  no caso ora em exame, pela denegação do pedido  de “habeas corpus”.
Ninguém  desconhece que se impõe, ao Estado, no plano  da persecução penal, o  dever de definir, com precisão, a participação  individual dos autores  de quaisquer delitos, mesmo que se cuide –  segundo entendo – de autoria  coletiva.
O  Poder Público, tendo presente a norma inscrita no  art. 41 do Código de  Processo Penal, não pode deixar de observar as  exigências que emanam  desse preceito legal, sob pena de incidir em grave  desvio  jurídico-constitucional no momento em que exerce o seu  dever-poder de  fazer instaurar a “persecutio criminis” contra aqueles  que,  alegadamente, transgrediram o ordenamento penal do Estado.
Na  realidade, incide, sobre o Ministério Público, o  gravíssimo ônus de  formular denúncias que sejam formalmente corretas,  processualmente  aptas e juridicamente idôneas, tal como esta Suprema  Corte –  apoiando-se em clássico magistério doutrinário (JOÃO MENDES DE  ALMEIDA  JÚNIOR, “O Processo Criminal Brasileiro”, vol. II/183, item n.  305, 4ª  ed., 1959, Freitas Bastos; JOSÉ FREDERICO MARQUES, “O Processo  Penal na  Atualidade”, “in” “Processo Penal e Constituição Federal”, p.  13/20,  1993, APAMAGIS/Ed. Acadêmica, v.g.) – tem advertido:
“(...) A PESSOA SOB INVESTIGAÇÃO PENAL TEM O DIREITO DE NÃO SER ACUSADA COM BASE EM DENÚNCIA INEPTA.
A  denúncia - enquanto instrumento formalmente  consubstanciador da  acusação penal - constitui peça processual de  indiscutível relevo  jurídico. Ela, antes de mais nada, ao delimitar o  âmbito temático da  imputação penal, define a própria ‘res in judicio  deducta’.
A  peça acusatória, por isso mesmo, deve conter a  exposição do fato  delituoso, em toda a sua essência e com todas as suas  circunstâncias.  Essa narração, ainda que sucinta, impõe-se ao acusador  como exigência  derivada do postulado constitucional que assegura, ao  réu, o exercício,  em plenitude, do direito de defesa. Denúncia que não  descreve,  adequadamente, o fato criminoso e que também deixa de  estabelecer a  necessária vinculação da conduta individual de cada agente  ao evento  delituoso qualifica-se como denúncia inepta. Precedentes.”
(HC 83.947/AM, Rel. Min. CELSO DE MELLO)
“-  Incumbe, ao Ministério Público, em processo de  estrutura acusatória,  regido por valores e princípios que dão fundamento  ao Estado  Democrático de Direito, apresentar denúncia que veicule, de  modo claro e  objetivo, com todos os elementos estruturais, essenciais e   circunstanciais que lhe são inerentes, a descrição do fato delituoso, em   ordem a viabilizar o exercício legítimo da ação penal e a ensejar, a   partir da estrita observância dos pressupostos estipulados no art. 41 do   CPP, a possibilidade de efetiva atuação, em favor daquele que é   acusado, da cláusula constitucional da plenitude de defesa. (...).”
(RTJ 201/969, Rel. Min. CELSO DE MELLO)
Cumpre  assinalar, bem por isso, que a denúncia que  contiver todos os  elementos essenciais à adequada configuração típica do  delito e que  atender, integralmente, às exigências de ordem formal  impostas pelo  art. 41 do CPP não apresenta o vício nulificador da  inépcia, pois  permite, ao réu, como sucede na espécie (fls. 40/65), a  exata  compreensão dos fatos expostos na peça acusatória, sem qualquer   comprometimento ou limitação ao pleno exercício do direito de defesa,   ajustando-se, desse modo, ao magistério jurisprudencial prevalecente   nesta Suprema Corte (HC 83.266/MT, Rel. p/ o acórdão Min. JOAQUIM   BARBOSA – HC 93.056/PE, Rel. Min. CELSO DE MELLO – RHC 90.376/RJ, Rel.   Min. CELSO DE MELLO, v.g.):
“1.  Não é inepta a denúncia que, apesar de sucinta,  descreve fatos  enquadráveis no artigo 14 da Lei n. 6.368/76, atendendo a  forma  estabelecida no artigo 41 do Código Penal, além de estar  instruída com  documentos, tudo a possibilitar a ampla defesa.”
(HC 86.755/RJ, Rel. Min. EROS GRAU - grifei)
Vale  reafirmar, neste ponto, diretriz  jurisprudencial desta Corte no  sentido de que a simples instauração de  “persecutio criminis” não  constitui, só por si, situação caracterizadora  de injusto  constrangimento (RTJ 78/138 – RTJ 181/1039-1040, v.g.),  notadamente  quando iniciada por denúncia consubstanciadora de descrição  fática  cujos elementos se ajustem, ao menos em tese, ao tipo penal.
O  reconhecimento da ausência de justa causa para a  persecução penal,  embora cabível em sede de “habeas corpus”, reveste-se,  no entanto, de  caráter excepcional. É que, para que tal se revele  possível, impõe-se  que inexista qualquer situação de iliquidez ou de  dúvida objetiva  quanto aos fatos subjacentes à acusação penal (RTJ  168/853 - RTJ  189/684-685, v.g.).
Impende  assinalar, ainda, na linha de reiterados  pronunciamentos desta Suprema  Corte (RT 594/458 – RT 747/597 – RT  749/565 – RT 753/507), que, “Em  sede de ‘habeas corpus’, só é possível  trancar ação penal em situações  especiais, como nos casos em que é  evidente e inafastável a negativa de  autoria, quando o fato narrado não  constitui crime, sequer em tese, e  em situações similares, onde pode ser  dispensada a instrução criminal  para a constatação de tais fatos (...)”  (RT 742/533, Rel. Min. MAURÍCIO  CORRÊA – grifei).
Essa  orientação – não custa enfatizar – tem o  prestigioso beneplácito de  JULIO FABBRINI MIRABETE (“Código de Processo  Penal Interpretado”, p.  1.426/1.427, 7ª ed., 2000, Atlas), cuja  autorizada lição, no tema,  adverte:
“Também  somente se justifica a concessão de ‘habeas  corpus’, por falta de  justa causa para a ação penal, quando é ela  evidente, ou seja, quando a  ilegalidade é evidenciada pela simples  exposição dos fatos, com o  reconhecimento de que há imputação de fato  atípico ou da ausência de  qualquer elemento indiciário que fundamente a  acusação (...). Há  constrangimento ilegal quando o fato imputado não  constitui, em tese,  ilícito penal, ou quando há elementos inequívocos,  sem discrepâncias,  de que o agente atuou sob uma causa excludente da  ilicitude. Não se  pode, todavia, pela via estreita do ‘mandamus’,  trancar ação penal  quando seu reconhecimento exigir um exame aprofundado  e valorativo da  prova dos autos.” (grifei)
Registre-se,  ademais, que não se revela adequado  proceder, em sede de “habeas  corpus”, a indagações de caráter  eminentemente probatório,  especialmente quando se busca discutir  elementos fáticos subjacentes à  causa.
No  caso, a verificação da procedência, ou não, das  alegações deduzidas  pela parte ora impetrante - sobre a inexistência de  indícios da  participação do paciente nos delitos - implicará necessário  reexame de  fatos, o que não se admite nesta sede excepcional.
Em  suma, incide, na espécie, um obstáculo  processualmente relevante,  ressaltado do acórdão que emanou do Tribunal  apontado com coator,  referente à inadmissibilidade de exame, na via  sumaríssima do “habeas  corpus”, de matéria, que, impregnada de  iliquidez, dependa, para ser  apreciada, de um procedimento incidental de  dilação probatória, de todo  incabível nesta sede processual (RTJ  110/555 – RTJ 129/1199 – RTJ  136/1221 – RTJ 163/650-651 – RTJ  165/877-878 – RTJ 186/237, v.g.):
“A  ação de ‘habeas corpus’ constitui remédio  processual inadequado,  quando ajuizada com objetivo (a) de promover a  análise da prova penal,  (b) de efetuar o reexame do conjunto probatório  regularmente produzido,  (c) de provocar a reapreciação da matéria de  fato e (d) de proceder à  revalorização dos elementos instrutórios  coligidos no processo penal de  conhecimento. Precedentes.”
(RTJ 195/486, Rel. Min. CELSO DE MELLO)
No  que tange à alegada ausência de fundamentação do  decreto de prisão  cautelar, também não procede a objeção deduzida pela  parte ora  impetrante.
Não  obstante o caráter extraordinário de que se  reveste, a prisão cautelar  pode efetivar-se, desde que o ato judicial  que a formaliza tenha  fundamentação substancial, apoiando-se em  elementos concretos e reais  que se ajustem aos requisitos abstratos -  juridicamente definidos em  sede legal - autorizadores da decretação  dessa modalidade de tutela  cautelar penal (RTJ 134/798, Rel. p/ o  acórdão Min. CELSO DE MELLO).
É  por essa razão que o Supremo Tribunal Federal, em  pronunciamento sobre  a matéria (RTJ 64/77, Rel. Min. LUIZ GALLOTTI), tem  acentuado, na  linha de autorizado magistério doutrinário (JULIO  FABBRINI MIRABETE,  “Código de Processo Penal Interpretado”, p. 688, 7ª  ed., 2000, Atlas;  PAULO LÚCIO NOGUEIRA, “Curso Completo de Processo  Penal”, p. 250, item  n. 3, 9ª ed., 1995, Saraiva; VICENTE GRECO FILHO,  “Manual de Processo  Penal”, p. 274/278, 4ª ed., 1997, Saraiva), que, uma  vez comprovada a  materialidade dos fatos delituosos e constatada a  existência de meros  indícios de autoria - e desde que concretamente  ocorrente qualquer das  situações referidas no art. 312 do Código de  Processo Penal -, torna-se  legítima, presentes razões de necessidade, a  decretação, pelo Poder  Judiciário, dessa especial modalidade de prisão  cautelar.
Cumpre  registrar, ainda, por relevante, que o  Supremo Tribunal Federal tem  entendido, em precedentes de ambas as  Turmas desta Corte (HC 89.847/BA,  Rel. Min. ELLEN GRACIE – HC 90.889/PE,  Rel. Min. JOAQUIM BARBOSA – HC  94.999/SP, Rel. Min. ELLEN GRACIE – HC  95.024/SP, Rel. Min. CÁRMEM  LÚCIA – HC 97.378/SE, Rel. Min. CELSO DE  MELLO), que se reveste de  fundamentação idônea a prisão cautelar  decretada contra possíveis  integrantes de organizações criminosas:
“‘HABEAS  CORPUS’ - PRISÃO PREVENTIVA - NECESSIDADE  COMPROVADA DE SUA DECRETAÇÃO  - DECISÃO FUNDAMENTADA - MOTIVAÇÃO IDÔNEA  QUE ENCONTRA APOIO EM FATOS  CONCRETOS - POSSÍVEL INTEGRANTE DE  ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA - LEGALIDADE  DA DECISÃO QUE DECRETOU A PRISÃO  CAUTELAR - PEDIDO INDEFERIDO.
A PRISÃO CAUTELAR CONSTITUI MEDIDA DE NATUREZA EXCEPCIONAL.
-  A privação cautelar da liberdade individual  reveste-se de caráter  excepcional, somente devendo ser decretada ou  mantida em situações de  absoluta necessidade.
-  A questão da decretabilidade ou da manutenção da  prisão cautelar.  Possibilidade excepcional, desde que satisfeitos os  requisitos  mencionados no art. 312 do CPP. Necessidade da verificação  concreta, em  cada caso, da imprescindibilidade da adoção dessa medida   extraordinária. Precedentes.
DEMONSTRAÇÃO, NO CASO, DA NECESSIDADE CONCRETA DE DECRETAR-SE A PRISÃO CAUTELAR DO PACIENTE.
-  Revela-se legítima a prisão cautelar se a decisão  que a decreta, mesmo  em grau recursal, encontra suporte idôneo em  elementos concretos e  reais que - além de se ajustarem aos fundamentos  abstratos definidos em  sede legal - demonstram que a permanência em  liberdade do suposto  autor do delito comprometerá a garantia da ordem  pública e frustrará a  aplicação da lei penal.
PACIENTE QUE INTEGRARIA ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA – SEGREGAÇÃO CAUTELAR DEVIDAMENTE FUNDAMENTADA.
A  jurisprudência desta Suprema Corte, em situações  semelhantes à dos  presentes autos, já se firmou no sentido de que se  reveste de  fundamentação idônea a prisão cautelar decretada contra  possíveis  integrantes de organizações criminosas. Precedentes.”
(HC 101.026/SP, Rel. Min. CELSO DE MELLO)
“AGRAVO  REGIMENTAL EM ‘HABEAS CORPUS’. PROCESSUAL  PENAL. PRISÃO CAUTELAR  CONCRETAMENTE FUNDAMENTADA. AUSÊNCIA DE FLAGRANTE  CONSTRANGIMENTO  ILEGAL A JUSTIFICAR EXCEÇÃO À REGRA DA SÚMULA 691/STF.
A  prisão cautelar do paciente acusado de ser um dos  principais  integrantes da organização criminosa está concretamente  fundamentada,  não justificando excepcionar-se a Súmula 691 desta Corte.
Agravo regimental em ‘habeas corpus’ não provido.”
(HC 95.421-AgR/RJ, Rel. Min. EROS GRAU - grifei)
“‘HABEAS CORPUS’. PRISÃO PREVENTIVA. DECISÃO FUNDAMENTADA. ORDEM DENEGADA.
A  decisão que decretou a prisão preventiva  demonstrou a materialidade  dos fatos e a presença de indícios da  autoria, o que restou confirmado  pela sentença condenatória.
Dados  concretos evidenciam a necessidade de  garantir-se a ordem pública,  dada a alta periculosidade do paciente, que  integrava sofisticada  organização criminosa dedicada ao tráfico  internacional de drogas.  Ademais, ao que se apurou, o réu faz do  comércio de entorpecentes a sua  profissão, a indicar que ele, caso venha  a ser solto, voltará à  criminalidade.
Assim, presentes os requisitos previstos no art. 312 do Código de Processo Penal, impõe-se a manutenção da prisão preventiva.
Ordem denegada.”
(HC 94.442/SP, Rel. Min. JOAQUIM BARBOSA - grifei)
O  exame da decisão que decretou a prisão cautelar do  ora paciente  revela, como bem salientou a douta Procuradoria Geral da  República, que  esse ato sustenta-se em razões de necessidade,  confirmadas, no caso,  pela existência de base empírica idônea.
O  magistrado de primeira instância, ao decretar a  prisão preventiva do  ora paciente e de outros co-réus no mesmo  procedimento penal, ressaltou  que esses litisconsortes passivos  participam de organização criminosa e  que “(...) são pessoas que vêm  conscientemente auxiliando os membros  de tal organização criminosa a  ocultar ou dissimular os valores obtidos  ilicitamente (...)” (fls. 130).
Não  foi por outro motivo que o E. Superior Tribunal  de Justiça, ao negar o  pedido de “habeas corpus” lá ajuizado, destacou,  com particular  ênfase, a necessidade da prisão cautelar decretada contra  o ora  paciente (fls. 165):
“Vê-se  que a medida constritiva de liberdade está  justificada na necessidade  de se preservar a ordem pública, em face do  ‘modus operandi’ do crime  de furto que, aliás, seria da responsabilidade  de complexa organização  criminosa - que para cumprir seus fins escusos,  valia-se de esquemas  envolvendo lavagem de dinheiro, dentre outros  crimes -, e para evitar a  continuidade das atividades ilícitas.
De  fato, pelo que se tem dos autos, resta também  evidenciada a  necessidade de segregação do Paciente diante da  periculosidade social  que apresenta, haja vista a constatação de que  alguns membros da  quadrilha ‘guardam estreitas ligações com a facção  criminosa denominada  Primeiro Comando da Capital – PCC’ e que ‘estariam  já de longa data  praticando inúmeros crimes com características muito  semelhantes àquele  praticado contra o Bacen/Ce’ (fl. 177).” (grifei)
Em  suma: tenho para mim que a decisão judicial de  primeira instância  observou os critérios que a jurisprudência do Supremo  Tribunal Federal  firmou em tema de prisão cautelar.
Sendo  assim, em face das razões expostas e  acolhendo, ainda, o parecer da  douta Procuradoria Geral da República,  indefiro o pedido de “habeas  corpus”, prejudicado, em conseqüência, o  exame do pedido de medida  liminar reiterado a fls. 197/207.
Arquivem-se os presentes autos.
Publique-se.
Brasília, 20 de outubro de 2010.
Ministro CELSO DE MELLO
Relator
* decisão publicada em 26.10.2010
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) foi criado pela Constituição Federal de 1988 com a finalidade de preservar a uniformidade da interpretação das leis federais em todo o território brasileiro. Endereço: SAFS - Quadra 06 - Lote 01 - Trecho III. CEP 70095-900 | Brasília/DF. Telefone: (61) 3319-8000 | Fax: (61) 3319-8700. Home page: www.stj.jus.br
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: BRASIL, STJ - Superior Tribunal de Justiça. STF - Processo Penal - Habeas Corpus - Julgamento Monocrático - Legitimidade - Delegação Regimental - Prisão Cautelar - Justa Causa - Aptidão da Denúncia Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 13 nov 2011, 21:03. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Jurisprudências/26073/stf-processo-penal-habeas-corpus-julgamento-monocratico-legitimidade-delegacao-regimental-prisao-cautelar-justa-causa-aptidao-da-denuncia. Acesso em: 04 nov 2025.
Por: TJSP - Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo
Por: TRF3 - Tribunal Regional Federal da Terceira Região
Por: TJSC - Tribunal de Justiça de Santa Catarina Brasil

Precisa estar logado para fazer comentários.