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 Vistos, relatados e discutidos estes autos de Habeas Corpus nº  0042966-95.2011.8.26.0000, da Comarca de Suzano, em que é impetrante  ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL – SUBSEÇÃO DE SUZANO e Paciente J. F. R.  sendo impetrado PROMOTOR DE JUSTIÇA DA COMARCA DE SUZANO.
 ACORDAM,  em 1ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo,  proferir a seguinte decisão: “Deferiram a ordem para trancamento da  investigação realizada pelo promotor de justiça, oriunda da  representação criminal 148/10 da 3ª Promotoria de Justiça da Comarca de  Suzano, devendo ser, unicamente o instrumento daquela representação,  encaminhado ao delegado de polícia, para que este conduza o inquérito  policial. V.U. “, de conformidade com o voto do Relator, que integra  este acórdão.
 O julgamento teve a participação dos Exmos.  Desembargadores MARCO NAHUM (Presidente sem voto), MÁRIO DEVIENNE FERRAZ  E PÉRICLES PIZA.
 São Paulo, 23 de maio de 2011.
 FIGUEIREDO GONÇALVES
 RELATOR
 Voto nº 22.612
 Habeas Corpus nº 0042966-95.2011
 Órgão Julgador: 1ª Câmara da Seção Criminal
 Comarca de SUZANO
 1ª Vara Criminal Processo nº 656/2010
 Impetrantes: VAGNER DA COSTA e JOÃO ROBERTO CAROBENI
 Paciente: J. F. R.
 Os impetrantes, na representação da Ordem dos Advogados do Brasil, Subseção de Suzano, ajuizaram este pedido de habeas corpus,  aduzindo constrangimento ilegal por parte do Ilmo. Promotor de Justiça  daquela Comarca que, em face de representação oferecida pelo juiz de  direito da 1ª Vara Criminal, instaurou procedimento investigatório  contra o advogado, ora paciente.
 Insurgem-se contra as investigações  criminais realizadas pelo Ministério Público, haja vista que esta  tarefa não consta de seu rol de atribuições, consistindo em verdadeiro  constrangimento ilegal.
 Aduzem que a investigação para tal fim cabe à  Polícia Civil e qualquer desvio é verdadeira inconstitucionalidade,  como ocorre no presente caso. Requerem a concessão da ordem,  reconhecendo-se a inconstitucionalidade daquele procedimento  investigatório, decretando-se a extinção da representação criminal nº  148/10, que tramita perante a 3ª Promotoria de Justiça da Comarca de  Suzano.
 Deferido processamento por este relator (fl. 21), prestou  informações o digno impetrado, sustentando incompetência desta Câmara  para apreciação do pedido, posto inexistir prevenção nascida da apelação  já distribuída, relativamente aos autos do processo-crime onde o  paciente atuou como defensor (fls. 24-155). No mérito, defendeu a  constitucionalidade das investigações.
 A Douta Procuradoria Geral de  Justiça manifestou-se pelo não conhecimento do pedido, com extinção sem  conhecimento do mérito e, ao final, pela denegação da ordem (fls. 157-  169).
 É o relatório.
 Reconhece-se, incidentalmente, a  competência desta 1ª Câmara da Seção Criminal desta Corte, para  conhecimento e decisão sobre o pedido.
 Nas informações prestadas, o  digno promotor de justiça argumentou que o fato aqui discutido não é  conexo com a ação penal onde é réu outra pessoa, até então defendida  pelo ora paciente. A representação do magistrado decorreu da imputação  feita pelo advogado em peça dirigida ao órgão de classe na qual este  último atribuiu ao primeiro abuso de autoridade, o que poderia  configurar crime contra a honra. Ainda, porque o ora paciente fizera  juntar, ao processo, documento sobre o qual paira suspeita de ser  ideologicamente falso, motivando o pedido de providências feito pelo  juízo. Assim, não havendo relação com a pretensão punitiva deduzida  contra o réu no processo, não haveria como se aplicar o artigo 102 do  Regimento Interno deste Egg. Tribunal.
 Entretanto, ofertada apelação  contra a sentença naquele processo, é inegável que a este órgão  colegiado, ao qual foi distribuído anteriormente o recurso, interessa  conhecer do incidente ocorrido em audiência, visto que este pode influir  na eventual decisão sobre a normalidade do procedimento penal.
 Ademais disso, conforme bem salientou a Douta Procuradoria Geral de  Justiça, existe conexão fática e probatória entre as causas,  recomendando que sejam decididas pela mesma Câmara.
 Embora o pedido  de habeas corpus busque o trancamento da investigação criminal que se  realiza pelo Ministério Público, alegando-se ausência de atribuição  constitucional para tanto, é certo que o fato originário deste writ foi,  ainda remotamente, a ação penal e, portanto, há conexão instrumental  entre aquela e este. Conquanto, nos limites do pedido, se possa decidir o  habeas corpus sem que se tenha de lançar mão da prova colhida no  processocrime, este procedimento derivou daquele. Assim, reconhecendo o  artigo 102 do Regimento Interno a competência da Câmara ou Grupo que  primeiro conhecer da causa, tornando-a preventa para os recursos e  feitos originários conexos derivados do mesmo “ato, fato, contrato ou relação jurídica”,  é de se entender que este órgão colegiado deve conhecer deste habeas  corpus, posto originário de ato emanado daquele processo.
 Assim, não  há incompetência desta Câmara, preventa para a distribuição que se  realizou. Conhece-se, ainda, da impetração, embora a Douta Procuradoria  Geral de Justiça argumente em sentido diverso.
 Sustenta que mero  instrumento de investigação, manejado pelo Ministério Público, não  caracteriza coação ilegal ou põe em risco o direito de locomoção do ora  paciente.
 O habeas-corpus tem cabimento: “sempre  que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em  sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder.”1(C.F.)
 Simples instauração de procedimento investigatório pelo promotor de  justiça, não traria esse risco. O investigante, nesse caso, não é  investido de poder jurisdicional, não podendo decretar prisão.
 Portanto, se não foi oferecida denúncia e inexiste ação penal, da  simples investigação não haveria possibilidade de constrangimento ilegal  à liberdade de ir e vir do ora paciente, não cabendo a impetração de  habeas corpus para trancá-la.
 Contudo, a investigação é meio para possível desenvolvimento da pretensão de punir, em ação penal pública.
 Portanto, nesta, uma vez oferecida a denúncia, haverá, eventualmente,  possibilidade de se por em risco a liberdade de deambulação do paciente,  mormente porque o delito imputado prevê pena privativa de liberdade.  Destarte, é inegável que uma investigação sem justa causa por inquérito  policial ou outro instrumento que a realize é sempre ameaça, ainda  remota, de violência à liberdade de locomoção do investigado.
 Desse  modo, não pode o juízo a quem caiba o conhecimento da impetração,  decidir, de pronto, pela ausência do interesse de agir do impetrante,  por se cuidar de habeas corpus para trancar mera investigação criminal.  Deve examinar o mérito do pedido, indeferindo-o quando existir  fundamento razoável para o procedimento investigatório, ou trancá-lo  desde logo, se ausente a justa causa.
 Em face desses motivos, conhece-se do pedido.
 Analisa-se a impetração.
 O fato, objeto da investigação criminal, aconteceu no ano de 2010,  conforme esclarece a petição inicial deste pedido de habeas corpus.  Naquela ocasião, segundo se extrai dos autos apensados, o ora paciente,  então advogado dativo do réu E. F. de A., foi destituído da causa pelo  então magistrado da 1ª Vara Criminal da Comarca de Suzano, sob a  alegação de ter abandonado o recinto onde seria realizada audiência de  instrução, debates e julgamento. Em razão disso, conforme razões do  magistrado, teria havido perda de todo o trabalho para o deslocamento e  escolta do réu que estava custodiado, bem como o comparecimento  frustrado dos policiais militares arrolados como testemunhas, que  deixaram suas funções de patrulhamento e segurança. A destituição do  advogado no processo motivou representação deste ao seu órgão de classe,  sob afirmativa de que o juiz violara prerrogativas profissionais do  defensor. Ademais disso, o paciente protocolizou petição onde apresentou  atestado de nutricionista, de que teria uma consulta no dia da citada  audiência, fato este que, também, necessitaria ser apurado, no  entendimento do juiz.
 Assim, o magistrado ofereceu representação  criminal contra o ora paciente, para apuração da ocorrência de eventuais  crimes tipificados nos modelos fundamentais dos artigos, 138 e 139,  estes combinados com o artigo 141, II, na forma do artigo 70, caput,  todos do Código Penal, além do artigo 304, do mesmo diploma legal, em  concurso material. Esta representação fundamentou a investigação  criminal conduzida pelo digno promotor de justiça, ora apontado como  coator, que ora se pretende seja trancada.
 Examina-se a controvérsia.
 A possibilidade de investigação criminal desenvolvida pelo Ministério  Público tem motivado acesa controvérsia doutrinária e jurisprudencial. É  fastigioso aduzir novos argumentos a essa polêmica, que não se resolve  com singela interpretação literal de normas constitucionais ou, em  complemento destas, do sistema legislado infraconstitucional. A inicial  deste pedido, bem ainda a manifestação da Digna Procuradoria Geral de  Justiça, desenvolveram ambas longas considerações acerca da questão,  sempre com apoio em respeitáveis doutrinas e não menos reverenciáveis  acórdãos desta Corte e dos Tribunais Superiores.
 Entretanto, é de se  observar que o Supremo Tribunal Federal, embora não tenha pacificado o  tema, com decisão do Egrégio Plenário acerca da constitucionalidade  dessas investigações, tem admitido em diversos pronunciamentos a  possibilidade de que o Ministério Público possa exercer atos dessa  natureza.
 Assim, o HC 91.661, relatado pela Ministra Ellen Gracie  (DJe de 3.4.2009), onde se estabeleceu a possibilidade de o Ministério  Público colher elementos de prova que demonstrem autoria e materialidade  de determinado crime, salientando:
 “Tal  conclusão não significa retirar da Polícia Judiciária as atribuições  previstas constitucionalmente, mas apenas harmonizar as normas  constitucionais (arts. 129 e 144) de modo a compatibilizá-las para  permitir não apenas a correta e regular apuração dos fatos supostamente  delituosos, mas também a formação da opinio delicti. O artigo 129,  inciso I, da Constituição Federal, atribui ao parquet a privatividade da  promoção da ação penal pública. De seu turno, o Código de Processo  Penal estabelece que o inquérito policial é dispensável, já que o  Ministério Público pode embasar seu pedido em peças de informação que  concretizem justa causa para a denúncia. Ora, é princípio basilar de  hermenêutica constitucional e dos ‘poderes implícitos’ segundo o qual,  quando a Constituição Federal concede os fins, dá os meios. Se a  atividade fim promoção da ação penal pública foi outorgada ao parquet em  foro de privatividade, não se concebe como não lhe oportunizar a  colheita de prova para tanto, já que o CPP autoriza que ‘peças de  informação’ embasem a denúncia. Cabe ressaltar que os delitos descritos  na denúncia teriam sido praticados por policiais, o que, também,  justifica a colheita dos depoimentos das vítimas pelo Ministério Público”.
 Mais recentemente, no HC 93.930/RJ, relator o Ministro Gilmar Mendes  (DJe nº 22, pub. 3.2.2011, Ementário nº 2456-01), dispôs no mesmo  sentido. Em longo e erudito voto que direcionou o acórdão, o relator  concluiu pela possibilidade constitucional de o Ministério Público  realizar investigações, contudo, ali dispôs uma ressalva:
 “Considere-se,  ainda, que a investigação criminal exercida pelo Ministério Público não  se consubstancia como uma regra geral. Melhor seria dizê-la confortada  no plano da necessidade circunstancial. No mais das vezes, seu  desenvolvimento decorre ou da inconveniência casuística da instauração  de um procedimento amplo como o inquérito policial ou mesmo da omissão  da Polícia na investigação de determinados delitos, notadamente quando  envolvidos agentes policiais”.
 Nesse sentido, é relevante a ressalva da Digna Procuradoria Geral de Justiça (fl. 160) ao oficiar neste habeas corpus:
 “Inicialmente,  chama um pouco atenção o interesse do promotor de justiça em instaurar  procedimento investigatório pelo Ministério Público em disputa entre  advogado e juiz, com ataques mútuos por origem processual, ‘fogo de  encontro’, quando poderia (até deveria) encaminhar a representação para  apuração pela autoridade policial”.
 Se o fato que motivou  a investigação pelo Ministério Público não envolve como investigado  algum agente político que pudesse influenciar no resultado das  diligências, ou, não se desenvolvendo contra omissão policial mormente  quando se investiga fatos causados por policiais, civis ou militares ou,  ainda, inexistindo particular necessidade de envolvimento do Ministério  Público para suprir deficiências da investigação criminal realizada  pela Polícia Judiciária, não haverá justo motivo para que se excepcione a  necessidade de inquérito policial.
 Não se cuida, aqui, de se dispor  sobre a ilicitude de provas obtidas de outro modo, em investigação  feita pelo órgão do Ministério Público. A licitude é possível, desde que  não violado algum direito fundamental do cidadão na atividade  investigatória, cabendo analisar cada caso onde a questão se ponha,  devendo a investigação revestir-se das mesmas garantias postas em favor  do investigado, aplicáveis ao inquérito policial.
 Contudo, é de se  reconhecer a impossibilidade de prosseguir investigação do Ministério  Público, quando não se verificar como nestes autos a excepcionalidade  dos fatos que a motivam. Não deve cada gabinete de promotor de justiça  ser substituto ordinário de delegacias de polícia. Também não há  conveniência em se erigir promotores ou procuradores de justiça em  superpoliciais. A regra deve ser o inquérito policial, a exceção será  ditada pela necessidade justificada, a partir de especial conveniência  do procedimento investigatório que, de outro modo, poderia resultar em  omissão na colheita de provas.
 Nestes autos, quando o juiz  representou por eventual ofensa do advogado contra sua honra, ou por  suspeita de crime de falsidade ideológica, sendo investigado pessoa que  não teria, ao menos em tese, condição de interferir na colheita de  provas, ou motivar omissão do condutor do inquérito, não há justo motivo  para a investigação do Ministério Público.
 Assim, a existência  injustificada desta investigação configura constrangimento ilegal,  devendo ser obstada por via deste pedido de habeas corpus.
 Entretanto, a pretensão dos impetrantes não foi além do trancamento da  investigação realizada pelo Ministério Público. Não se atacou a  possibilidade de que ela se realizasse pela via ordinária do inquérito  policial e, ademais disso, sequer há provas que pudessem ser avaliadas  de plano, para se decidir sobre a justa causa para apuração dos  eventuais delitos apontados na representação do juiz.
 Assim, em face  desses motivos, defere-se a ordem para trancamento da investigação  realizada pelo promotor de justiça, oriunda da representação criminal  148/10 da 3ª Promotoria de Justiça da Comarca de Suzano, devendo ser,  unicamente o instrumento daquela representação, encaminhado ao delegado  de polícia, para que este conduza o inquérito policial.
 Figueiredo Gonçalves
 relator
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Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: PAULO, TJSP - Tribunal de Justiça do Estado de São. TJSP - Processo Penal. Investigação realizada por promotor. Trancamento Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 05 jun 2011, 21:52. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Jurisprudências/24657/tjsp-processo-penal-investigao-realizada-por-promotor-trancamento. Acesso em: 31 out 2025.
Por: TJSP - Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo
Por: TRF3 - Tribunal Regional Federal da Terceira Região
Por: TJSC - Tribunal de Justiça de Santa Catarina Brasil

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