Empresas em crise e proteção patrimonial
Quando uma empresa entra em Recuperação Judicial (RJ), surge a dúvida: quais bens podem ser protegidos de penhoras e execuções?
Usinas, aeronaves, semoventes, parques temáticos e até marcas já foram reconhecidos como essenciais pelo Judiciário. Mas a proteção não é absoluta: depende da função do bem na operação e da viabilidade do plano de recuperação.
A lei e o stay period
A Lei nº 11.101/2005, alterada pela Lei nº 14.112/2020, prevê que a RJ tem como objetivos:
a) Superar a crise econômico-financeira;
b) Preservar a atividade produtiva;
c) Garantir empregos e atender aos credores (art. 47).
O deferimento da RJ cria o chamado “stay period”, período de 180 dias em que execuções e constrições são suspensas. Durante esse período, bens essenciais recebem proteção, desde que respeitada a boa-fé, a transparência e a viabilidade econômica.
Bens essenciais x não essenciais
A definição de essencialidade é funcional: o bem deve ser indispensável à continuidade da atividade econômica.
Quadro resumo:
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Tipo de bem
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Protegido?
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Condições de alienação
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Usinas, minerodutos (Samarco)
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Sim
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Apenas com plano aprovado ou substituição viável
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Aeronaves de companhia aérea
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Sim
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Somente com autorização judicial ou plano aprovado
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Semoventes produtivos
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Sim
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Apenas se houver substituição viável
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Bens fiduciários
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Não
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Podem ser executados pelos credores
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Bens suspeitos de fraude
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Não
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Proteção não se aplica
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Jurisprudência em destaque
STJ – Essencialidade de bens
“Compete ao juízo da recuperação judicial dispor sobre a essencialidade dos bens, mesmo em caso de alienação fiduciária.” (AgInt no AREsp 1529808/RS, 2019)
STJ – Proteção além do stay period
“O término do stay period não autoriza automaticamente a busca e apreensão de bens reconhecidos como essenciais.” (AgInt no REsp 2061093/SP, 2023)
TJ-PR – Continuidade da proteção
“Bens declarados essenciais mantêm essa condição mesmo após o fim do stay period, em nome do princípio da preservação da empresa.” (AI 0023116-48.2022.8.16.0000, 2022)
Casos emblemáticos
a) Samarco: usinas e minerodutos essenciais à operação, protegidos durante RJ.
b) Avianca: STJ suspendeu a devolução de aeronaves para evitar colapso operacional.
c) Varig: alienação parcial via Unidade Produtiva Isolada (UPI), mantendo operação.
d) Hopi Hari: atrações essenciais não podem ser vendidas, pois comprometem atividade econômica e social.
Outros setores que tiveram bens essenciais protegidos: clubes de futebol (Cruzeiro, Coritiba), redes de restaurantes (Madero), indústrias (Dudalina), marcas de moda (Arezzo & Co), editoras (Abril) e plataformas de tecnologia (Oi S/A).
Limites da proteção patrimonial
A proteção não cobre:
a) Fraude ou ocultação de patrimônio (art. 50, CC);
b) Bens com garantia fiduciária (art. 49, LRF).
A alienação de bens essenciais só é permitida se:
a) Prevista no plano aprovado;
b) Autorizada judicialmente;
c) Com substituição técnica comprovada.
Síntese prática:
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Tema
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Limites / Requisitos
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Boa-fé e função social
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Proteção não cobre fraudes ou ocultação
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Desconsideração da PJ
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Aplicável se houver confusão patrimonial ou abuso
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Prova de essencialidade
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Demonstração técnica e econômica necessária
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Pós stay period
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Proteção pode persistir, com análise judicial
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Alienação programada (UPI)
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Permitida se parte de plano viável e em benefício da recuperação
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Conclusão
A proteção patrimonial em RJ não é um privilégio do devedor, mas um instrumento de continuidade da atividade econômica e social.
O Judiciário atua equilibrando:
a) Protege bens indispensáveis;
b) Rejeita abusos;
c) Garante que a empresa possa se reerguer.
Casos como Samarco, Avianca, Varig e Hopi Hari mostram que a proteção é técnica e funcional, não automática.
O uso correto dessa proteção:
a) Preserva a empresa;
b) Mantém empregos;
c) Protege a cadeia de fornecedores;
d) Assegura que os créditos possam ser pagos no futuro.
Em tempos de crise, a proteção responsável é um instrumento de racionalidade jurídica e de aposta na retomada econômica, equilibrando os direitos dos credores com a função social da empresa.
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