A junção das tecnologias blockchain, aprendizado de máquina e georreferenciamento pode finalmente conferir a almejada segurança jurídica às transações imobiliárias no Brasil, reduzindo drasticamente seus custos. O sistema blockchain forma uma cadeia de blocos incorruptível, organizados de forma segura e transparente. Inicialmente aplicado às transações com criptomoedas, essa cadeia de blocos foi estendida aos contratos digitais e registros de ativos. Ela se baseia na criptografia de curva elíptica, conhecida pela sigla ECC, um método algébrico que utiliza curvas elípticas sobre campos finitos. Essa estrutura matemática tem o potencial de conferir segurança e eficiência às transações imobiliárias, dois atributos imiscíveis quando o assunto é o registro de imóveis.
A Revolução de Torrens
O reformador agrário irlandês Sir Richard Torrens era filho do oficial da marinha Robert Torrens, que estimulou a emigração para a colônia da Austrália Meridional no alvorecer da era vitoriana. Com sua proposta inovadora nas transações imobiliárias, Richard Torrens foi nomeado Registrador-Geral da nova colônia, descrevendo seu método na obra “The South Australian System of Conveyancing by Registration of Title”, de 1859.
Antes do Registro Torrens, as colônias adotavam o sistema britânico. Na Austrália do Sul, esse sistema tornou-se especialmente caótico, não se adequando às características do novo assentamento na Oceania. De fato, a Austrália tinha um território enorme, quase desértico, escassamente povoado e com grandes porções ainda por desbravar. Já a Inglaterra era pequena, densamente povoada, intensamente edificada e com famílias há muito enraizadas, cujas origens remontam a quase um milênio. Com isso, a complexidade da regulação legal da metrópole em matéria de direitos reais imobiliários constituía um entrave a mais para a nova colônia.
No sistema anterior, se o vendedor não apresentasse uma boa raiz (good root), o comprador do imóvel poderia legitimamente recusar a conclusão do negócio. Por título com boa raiz se entendia aquele cuja impugnação por terceiro seria altamente improvável, embora possível. Até 1875, o período de início da boa raiz de um título na Austrália devia remontar a 60 anos antes do contrato, um lapso temporal vinculado à expectativa de vida da classe dominante da época.
Esse período de tempo tinha a função de reduzir a probabilidade de uma reivindicação adversa fundada em direito anterior. Caso a transação se mostrasse segura, o negócio seria concluído e o saldo do preço pago, com a entrega de todos os documentos relativos ao imóvel acompanhados do termo de transferência e das chaves. Logo após a transação, o “solicitor” do comprador apresentava o contrato na coletoria tributária para que o imposto de transmissão fosse calculado, pago e carimbado no título de quitação.
Além deste processo burocrático, os primeiros títulos imobiliários da nova colônia padeciam de sérios vícios formais, já que eram pouco mais que recibos emitidos pelo comissário de terras públicas e pelo tesoureiro colonial. Estes recibos se limitavam a declarar que, “em consideração a soma de ‘x’ libras esterlinas, concediam toda a parcela de terra número ‘y’, delineada na planta anexa, juntamente com toda a madeira, minérios e acessórios, para pertencer ao comprador, seus herdeiros e cessionários para sempre”.
Percebe-se que os recibos incluíam os minerais encontrados no imóvel, por conta da corrida do cobre na região, além de conferirem a propriedade por prazo indeterminado, diferenciando-se de outras colônias que estabeleciam prazo certo para a exploração econômica da propriedade, ao fim do qual a terra retornaria para a Coroa.
Mas os recibos não indicavam o tamanho do imóvel, nem especificavam a posição do terreno, e a “planta anexa” não passava de um retângulo em torno de um número, inteligível apenas pela referência ao mapa original do distrito onde se encontrava encravado, que adotavam uma medição corrida, em vez de medição trigonométrica, tornando-os frequentemente imprecisos. Em muitos casos eram utilizados mapas supostamente originais, mas contraditórios, e mesmo quando litografados, os planos não tinham escala ou eram desfigurados pela utilização de papel inadequado.
Para piorar, os mapas foram completamente destruídos pelo fogo no incêndio de 1839, juntamente com os livros de campo dos agrimensores, o que fez os novos mapas multiplicarem os erros, com alteração dos marcos de medição nos terrenos. Em 1842, as divisões distritais foram sendo substituídas por condados e vilas, o que forçou os imóveis a passarem por novas medidas e renumerações, aprofundando ainda mais a insegurança.
Para aplacar esse sistema caótico foi que Torrens criou seu sistema de registro de títulos, sendo adotado pelas Leis de Propriedade Imobiliária de 1858 na colônia da Austrália Meridional e nos estados de Victória e Adelaide. O Sistema Torrens substituiu o sistema de escrituras (deeds) pelo sistema de título (title), suplantando a cerimônia de transferência de propriedade (libré de seisin), que remontava à era feudal, quando todas as terras pertenciam ao monarca. O novo sistema deu foco no título, cujo registro atua como evidência conclusiva da propriedade.
O novo método de Torrens baseia-se numa tríade de princípios básicos (do espelho, da cortina e da indenização) que sustentam a característica da inalienabilidade (indefeasibility) do título, conferindo segurança jurídica à transação imobiliária. Com isso, foi superada a necessidade de buscas exaustivas da cadeia dominial de titularidades, cujas diligências eram lentas e onerosas, e não conferiam segurança completa ao comprador, que estava sempre sujeito ao princípio nemo dat quod non habet (ninguém dá o que não tem).
Como uma de suas principais inspirações, Torrens referiu-se expressamente à Lei Inglesa da Marinha Mercante de 1854 (Merchant Shipping Act), destacando a técnica simplificada e padronizada de transmissão de embarcações. Diversos dispositivos desta lei foram incorporados ao Real Property Act, guardando paralelo com o Sistema Torrens, como a estrutura formal do registro de embarcações, que tomava o bem como unidade básica do registro, conferindo dinamismo na transmissão de propriedades imobiliárias.
Mas a principal fonte do Sistema Torrens veio do sistema de registro da Hansa germânica, como os sistemas hamburguês e de Lübeck, que se desprenderam das amarras do sistema feudal. Com efeito, em 1856 o registrador em Hamburgo Ulrick Hübbe defendeu a adoção na Austrália do Sul dos métodos de transferência e oneração de bens imóveis utilizados na Aliança Hansa. Em muitos aspectos, a concepção inovadora do Sistema Torrens foi considerada uma versão do método hamburguês.
A adoção do sistema Torrens na Austrália Meridional foi um sucesso, tendo se espalhado por diversas partes do mundo, como Cingapura e EUA. O novo sistema também foi adotado na Palestina Mandatária, em Israel, onde permanece válido desde 1948.
Registro Torrens no Brasil
Muitos dos problemas que acometiam a Austrália do Sul quando da adoção do sistema Torrens em meados do século XIX também afetavam o Brasil. Rui Barbosa repugnava as praxes cartorárias e forenses que oneravam o crédito imobiliário pela barreira formal imposta pelo sistema notarial então aplicado nas transações de imóveis, lutando para transpor o que chamava de “velho formalismo romano”.
O Decreto 451-B de 1890 incorporou o Sistema Torrens no Brasil, buscando superar o regime românico-germânio, caracterizado por Torrens por sua falibilidade, custo alto, lentidão, complexidade e pelos embaraços que obstruem, depreciando o valor natural do solo, conforme a tradução de Rui Barbosa.
Mas a adoção do sistema no Brasil se mostrou um fiasco, conforme exposto por Daniel Lago Rodrigues em robusta tese de doutorado apresentada na USP em 2023 intitulada “Evolução Histórica do Registro Torrens”, na qual discorre sobre os diversos percalços para a implementação do novo sistema no ordenamento pátrio.
Mesmo nos dias de hoje, ainda são frequentes problemas de titularidade posteriores à venda de um imóvel, resumidas na frase “Apareceu um dono!”, vinculada ao direito de terceiros estranhos à transação, dando ensejo a litígios infindáveis sobre quem tem o melhor título, envolvendo comprador, vendedor e terceiros. É justamente por isso que o princípio da indefeasibility (inalienabilidade) do título é um pilar fundamental do Sistema Torrens, proporcionando proteção contra contestações à propriedade.
No ordenamento pátrio há um regramento similar, com o art. 136 da Lei nº 6.019/73 prevendo o princípio da prioridade, dando preferência ao título apresentado primeiro para prenotação. Já os arts. 195 e 236 respaldam o princípio da continuidade registral, que deve refletir uma cadeia ininterrupta de transmissão de direitos, com cada titularidade sendo comprovada pelo registro imediatamente anterior.
Já o regramento da alienação fiduciária de imóveis, segundo disposto na Lei nº 9.517/97, conferiu ao registro uma natureza constitutiva, sem a qual a propriedade fiduciária e a garantia não se perfazem.
De fato, nos últimos anos muitas leis foram aprovadas com o intuito de titular imóveis e facilitar a regularização fundiária no Brasil, mas as amarras burocráticas travam boa parte dos avanços almejados pela legislação.
Avanços Históricos no Registro Imobiliário Brasileiro
Em termos históricos, os imigrantes foram subsidiados para ocupar as terras brasileiras, tanto no império quanto na república. Afinal, os mesmos problemas na relação da colônia britânica na Oceania e a metrópole sobre a extensão do território, povoamento e titulação de terras acometiam o Brasil na sua relação com Portugal.
Assim como a emigração para a Austrália foi estimulada por Robert Torrens, a emigração para o Brasil também foi estimulada em Portugal e no Japão. A imigração japonesa subvencionada para o Brasil teve início no ano de 1908 com a chegada do navio Kasato ao porto de Santos. Segundo Petrone, diversos fatores influenciaram na vinda de imigrantes japoneses, como a constante instabilidade do imigrante europeu tanto na fazenda como no próprio Estado, a redução da corrente imigratória em decorrência de fatores externos e de fatores internos provocados pela situação crítica da lavoura, e finalmente, a possibilidade de abrir novo mercado para o café no Japão.
Com a aprovação do Decreto nº 528 de 1890, conhecido como Lei Glicério, em homenagem ao general Francisco Glicério, o governo da república passou a conceder favores aos proprietários que empregassem imigrantes na atividade agrícola. A lei também regularizou o serviço de introdução e localização dos imigrantes.
Já o Decreto nº 6.455/1907 regulamentou o Serviço de Povoamento do Solo, dispondo no art. 2º que “serão acolhidos como imigrantes os estrangeiros menores de 60 anos, que, não sofrendo de doenças contagiosas, não exercendo profissão ilícita, nem sendo reconhecidos como criminosos, desordeiros, mendigos, vagabundos, dementes ou inválidos, chegarem aos portos nacionais com passagem de terceira classe, à custa da União, dos Estados ou de terceiros; e os que, em igualdade de condições, tendo pago as suas passagens, quiserem gozar dos favores concedidos aos recém-chegados”.
Para Skidmore, em vez de procurar trabalhadores livres desocupados em outras regiões do país (principalmente no Nordeste, que se achava em declínio econômico), os cafeicultores tentaram, a partir de 1870, substituir seus escravos por mão de obra imigrante. A única função que viam para os brasileiros nativos era o trabalho pesado, como a derrubada de matas virgens. Para o trabalho altamente organizado de plantio e colheita do café, os fazendeiros preferiam imigrantes, em sua opinião mais competentes e mais confiáveis.
Com o advento da Constituição de 1891 (art. 64), o governo republicano transferiu para os estados as terras devolutas localizadas em seus territórios, em compasso com o federalismo norte-americano, ficando na responsabilidade dos entes subnacionais povoá-las.
Já no tocante ao registro imobiliário, o art. 1.716 do Código Civil de 1916 dispunha que as relações constitutivas ou translativas de imóveis de valor superior a 30 salários mínimos deveriam ser feitas por escritura pública, norma replicada no art. 108 do código atual. O dispositivo se aplica principalmente nos casos de compra e venda, doação e sucessão. Já os arts. 80, II e 1.806 do Código Civil dispõem que o direito à sucessão aberta é equiparado a bem imóvel. Com isso, a renúncia à herança exige instrumento público ou termo nos autos.
Mas foi com o Estatuto da Terra, aprovado em 1964, que houve um verdadeiro avanço na regularização fundiária, servindo de fonte para a Lei de Registros Públicos de 1973. A esse respeito, é preciso destacar o curto período de intensa modernização legislativa do país iniciado em 1964, e que se estendeu até 1967.
De fato, neste mesmo ano foi aprovada a Lei nº 4.320/64, ainda no governo de João Goulart, regulamentando o direito financeiro, e que é aplicada até os dias atuais. Já sob a presidência de Castelo Branco, foi aprovada a Lei nº 4.595/64, que regulamentou o Sistema Financeiro Nacional, contando com a atuação medular do advogado Francisco Campos, conhecido como Chico Ciência, dada a expertise que detinha em temas variados. No mesmo ano ainda foi aprovada a Lei nº 4.591/64, que regulamentou os condomínios em edificações e incorporações imobiliárias.
No ano seguinte, foram aprovadas a Lei nº 4.728/65, que regulamentou o mercado de capitais, a Lei nº 4.771/65, que instituiu o Código Florestal, a Lei nº 4.717/65, que regulamentou a Ação Civil Pública e a Lei nº 4.886/65, que regulamentou a profissão dos representantes comerciais autônomos.
Em 1966, foram aprovados o Decreto-Lei nº 37/66, que regulou as importações e o imposto de importação, o Decreto-Lei nº 70/66, que regulamentou as associações de poupança e a cédula de crédito hipotecário, o Decreto nº 57.595/66, que regulamentou o cheque, o Decreto nº 57.663/66, que regulamentou a letra de câmbio e a nota promissória, e a Lei nº 5.107/66, que criou o FGTS.
Por fim, em 1967, foram aprovadas a Lei nº 5.197/67, que proibiu a caça, e os Decretos-Lei nº 200/67 e 201/67, que organizou a Administração Pública Federal e regulamentou os crimes de responsabilidade de prefeitos e vereadores, respectivamente.
Antes da atual Lei de Registros Públicos, que unificou o registro e começou a ser aplicada em 1976, vigia um sistema de transcrições, que dependia da tradição para ter validade, aplicando-se ainda o Registro Torrens de forma facultativa.
Ao lado da proteção da propriedade com o registro público, o direito brasileiro também deu guarida à proteção da posse. Em termos doutrinários, a teoria subjetiva de Savigny concedeu autonomia à posse, considerando-a uma situação fática objeto de tutela, ainda que apartada da estrutura jurídica da titularidade formal do bem. Para essa teoria, a posse é formada pela coisa (corpus) e pela intenção de tê-la consigo (animus domini). Assim, o exercício do poder de fato sobre um bem sem a intenção de ser dono caracteriza mera detenção, como o locatário, não podendo fazer uso dos mecanismos de proteção da posse existentes no ordenamento.
Já para a teoria objetiva de Ihering a posse seria um poder de fato e a propriedade um poder de direito sobre a coisa, não havendo autonomia entre os dois institutos, com a posse representando apenas a visibilidade do domínio. Para esta teoria, o animus domini está implícito, o que amplia consideravelmente o rol de possuidores que podem se valer da proteção da posse, como o locatário.
A esse respeito, o direito civil brasileiro adotou a teoria objetiva da posse como regra, constando algumas exceções da teoria subjetiva. Com efeito, a aplicação irrestrita da teoria objetiva pode criar embaraços para a segurança jurídica, como no caso de alguém se encontrar na posse de um bem há bastante tempo, ainda que com a oposição do proprietário, e ainda assim tenha sua posse turbada por terceiros. Neste caso, a teoria objetiva não oferece mecanismos de proteção da posse, por estar dissociada da propriedade. Em decorrência disso, a proteção conferida ao posseiro pelo art. 1.210 do Código Civil encampou de forma excepcional a teoria subjetiva, que também se aplica no caso de usucapião.
Progresso Atual nas Transações Imobiliárias
Em obra inovadora, coordenada por Alberto Gentil, Ricardo Dip discorre sobre a tendência de americanização do registro de imóveis no Brasil¹. Nos EUA, o registro de imóveis difere entre os estados, mas em regra não possui cartórios, utilizando um sistema menos burocrático para proteção ao comprador (title insurance) e notários públicos (notary public) para verificação de assinaturas e documentos.
O title insurance oferece um seguro para cobrir possíveis prejuízos do comprador, como dívidas passadas e conflitos de posse. A figura do corretor de imóveis é substituída pelas title companies, que atuam na intermediação da compra e venda, garantindo que o imóvel esteja livre de ônus. Não há um registro centralizado, sendo o título registrado nos county clerk ou recorder of deeds.
Mas as transações imobiliárias nos EUA eram encarecidas pelos mandatos de ponto de venda (point of sale - POS), que aumentavam os custos da transação, como o reparo do sistema de esgotos antes do fechamento do negócio. Em alguns condados, a inspeção no imóvel pode obrigar ao aumento no desempenho energético da propriedade. Na cidade de Maple Heights, por exemplo, o inspetor pode impor o reparo de até 40 categorias de possíveis violações ao código, inclusive documentais. Estes custos adicionais foram superados pela adoção do sistema blockchain, que reduziu boa parte dos mandatos de ponto de venda, facilitando as transações imobiliárias.
No Brasil, Frederico Assad expõe a tendência de digitalização do registro de imóveis, discorrendo sobre certidão digital, matrícula on line, E-protocolo, assinaturas digitais, proteção de dados e os sistemas RCDE, SEIC e SERP (Sistema Eletrônico de Registros Públicos)². Essa digitalização pode ser constatada no crescimento da plataforma e-notariado.
Mas é com a incorporação definitiva do blockchain no Brasil que a revolução no setor de fato ocorrerá. Com efeito, Gabriel de Sousa Pires reporta nações que já implementaram o sistema de cadeia de blocos no registro imobiliário, com ganhos substanciais em segurança e eficiência, como Estônia, Suécia e Geórgia³.
Georreferenciamento e Aprendizado de Máquina
No início da década de 2000, a Lei nº 10.267/2001 e o Decreto nº 4.449/2002 passaram a exigir o georreferenciamento certificado pelo INCRA para os imóveis rurais acima de 25 hectares, com a descrição do imóvel em seus limites, características e confrontações. A partir de novembro de 2025, essa exigência será estendida a todos os imóveis rurais. Em reforço, o art. 14 da Lei nº 11.284/06 exige com destaque em negrito que as concessões de florestas públicas tenham o perímetro georreferenciado.
A tecnologia de georreferenciamento utiliza dados colhidos do sistema GNSS, sensoriamento remoto por satélites, drones e teodolitos (utilizados por topógrafos) para mapear a área. No entanto, como a Terra tem um formato geoide, as fotografias aéreas apresentam distorções, que podem ser removidas por meio de técnicas matemáticas, como as transformações polinomiais.
De fato, a precisão nas medições de áreas rurais, por serem mais extensas, necessita de tratamento matemático relacionado à geometria esférica, por conta da geodésia da Terra e sua superfície curva. Disso decorre o uso de círculos máximos ao invés de retas paralelas e efeitos trigonométricos, como a soma interna dos ângulos de um triângulo ser maior de 180º e menor de 540º. Com efeito, a trigonometria esférica indica que a curvatura da Terra é de 8 a 12,5 cm/km, a depender da forma de cálculo, bem inferior à curvatura da Lua de 50 cm/km, mas que já impacta nas medições de áreas extensas.
Atualmente, é possível utilizar dispositivos com GPS dedicado, como o popular “GPS Fields Area Measure”, acionando o modo pin, com a fixação de pontos de marcação em um mapa (visão de satélite), delimitando os cantos e limites da área. Desta forma, por mais irregular que seja o perímetro, com relevo acidentado e coberto de mata, o programa é capaz de calcular com precisão a área e as divisas do terreno, reduzindo substancialmente os litígios sobre demarcação de imóveis limítrofes.
Aliado a isso, o aprendizado de máquina (machine learning) tem sido utilizado como ferramenta para a avaliação precisa do valor dos imóveis, tanto no meio urbano quanto rural, diminuindo os custos com avaliadores e aquecendo o setor de transações imobiliárias com a redução das perdas e fraudes.
O Papel Ambiental do Registro de Imóveis
Nos últimos anos, o registro de imóveis transpôs a função meramente registral relacionada à propriedade, passando a albergar funções ambientais.
Com efeito, no julgamento do IAC 13, o STJ fixou em 2022 as teses C e D, entendendo que o regime registral brasileiro admite a averbação de informações facultativas de interesse do imóvel, inclusive ambientais, e que o Ministério Público pode requerer diretamente ao oficial de registro competente a averbação de informações alusivas a suas funções institucionais.
Segundo constou no acórdão, “embora a Lei de Registros Públicos (Lei n. 6.015/1973) não tenha norma impositiva de averbação de APA, tampouco a veda. Ao contrário: em atenção ao princípio da concentração, consta na lei previsão expressa quanto à possibilidade de averbações facultativas (contrario sensu) ... sendo plenamente adequada a pretensão do MP de averbação da APA, que pode fazê-lo, até mesmo, por requerimento direto ao oficial de registro.”
Os arts. 8º e 9º da Lei nº 6.902/1981 já previam a proteção das áreas de proteção ambiental. Atualmente, se buscam modos de proteção registral que alcancem também a proteção da fauna, como o confisco de imóveis onde ocorre crueldade com animais.
A esse respeito, a Lei Arouca (Lei nº 11.794/2008) impôs procedimentos éticos na experimentação científica em animais, em complemento à Lei n° 6.360/76. E a Lei n° 15.183/2025 proibiu testes de cosméticos com animais vertebrados vivos.
A esse respeito, é importante lembrar que o miolo da alcatra bovina, conhecido como baby beef, e a carne de vitelo, de bezerros machos de raças leiteiras, foram denunciadas no passado por sua origem cruel. Ao lado do abate com marretas, essas práticas foram abolidas, mas continuam sendo exploradas por sites sensacionalistas.
A proteção ao meio ambiente também se estende às servidões do imóvel, a exemplo da faixa de servidão da rede elétrica. No RE 627.189, julgado pelo STF em 2016 com repercussão geral, a corte fixou a tese de que “enquanto não houver certeza científica acerca dos efeitos nocivos da exposição ocupacional e da população em geral a campos elétricos, magnéticos e eletromagnéticos, gerados por sistemas de energia elétrica, devem ser adotados os parâmetros propostos pela Organização Mundial da Saúde (OMS), conforme estabelece a Lei 11.934/2009”.
Além do argumento relacionado à saúde humana, as ações civis públicas que originaram o recurso acima alegaram prejuízos ao meio ambiente, que não restaram comprovados. A faixa de servidão da rede elétrica varia de 20 a 70 metros nas laterais, mas em se tratando de fios de alta tensão, ela também se aplica na faixa vertical, pois estes fios necessitam de uma altura considerável, já que a terra úmida atua como boa condutora, necessitando de uma grande lacuna de ar para isolar os fios do solo, pois é a carga ao redor dos cabos que realmente transportam a energia elétrica, e não os elétrons no interior dos fios.
Apesar de todo o progresso em eletricidade, o fenômeno ainda é cercado de mistérios, como os blue jets e raios globulares. Estes últimos possuem relatos que remontam ao século XII, estimando-se que até 5% da população já tenha visto o fenômeno, que só foi objeto de pesquisa a partir de meados do século XIX. Também é alvo de inúmeros mitos, atribuindo-o a seres fantásticos, como o AncheMallén, da cultura Mapuche, encravada entre os territórios da Argentina e do Chile, a cerca de 700 km de Santiago, um ser que assume a forma de uma esfera de luz, semelhante ao raio globular.
No início, o fenômeno chegou a ser confundido com o fogo-fátuo, causado pela queima de gás metano, ou o fogo de santo Elmo, causado pela ionização do ar. Atualmente, o raio globular é alvo de uma dúzia de teorias científicas, que o descrevem desde um plasma flutuante até alucinações induzidas por campos magnéticos. Recentemente, a prestigiosa revista científica C&EN (Chemical & Engineering News, vol. 102, edição 12, 2024) reportou os avanços em química atmosférica na explicação do raio globular, e o instituto Max Planck divulgou recentemente que conseguiu simular uma bola brilhante de plasma semelhante aos relatos do fenômeno.
Conclusão
Desde o início dos anos 2000, o economista peruano Hernando de Soto prega que a falta de formalização da posse de imóveis dificulta a transformação de ativos em capital produtivo, defendendo o reconhecimento legal da propriedade em comunidades carentes.
Paralelo a isso, percebe-se uma intensa evolução tecnológica na arquitetura e agronomia nos últimos anos, tanto no design e na construção de imóveis quanto na produção rural. Mas essa evolução na exploração imobiliária não foi absorvida pelas transações imobiliárias, que continuam presas ao formalismo cartorário.
Com efeito, as residências atuais no Brasil possuem paredes de concreto para resistir a disparos de fuzil, semelhantes às casas com bunkers antibomba e antimíssel vistas em alguns países. Com isso, já passa da hora de as transações imobiliárias acompanharem essa incorporação tecnológica.
Uma alegoria com o corpo humano pode servir de exemplo. A fecundação humana é uma área complexa cercada de enigmas que a ciência não consegue decifrar, conforme a compilação de Ryuzo Yanagimachi4. Até mesmo a visão tradicional de que a fecundação humana é uma corrida desenfreada entre espermatozoides foi superada pela descoberta recente de que, após o término da corrida, o óvulo escolhe qual espermatozoide irá fecundá-lo5.
O aprofundamento científico nesta área, facilitado pela incorporação de novas tecnologias, possibilitou uma revolução na reprodução humana. Essas tecnologias também têm propiciado avanços no entendimento de diversas outras áreas do corpo humano, desde o nascimento até a morte, passando pelos processos nutritivos e energéticos do corpo.
Com efeito, foram descobertos efeitos quânticos nas duas pontas deste processo, desde a fotossíntese que transforma energia solar em energia química, até a síntese de ATP, que transforma a energia química em energia mecânica para o corpo. No primeiro caso, o processo é mediado pelo fenômeno da superposição quântica6, enquanto no segundo atuam o emaranhamento e o tunelamento quânticos7.
Até mesmo a sensibilidade humana ao calor, essencial para a sobrevivência, ainda é cercada de mistérios. De fato, pouco se sabe sobre os mecanismos físicos e químicos subjacentes à termorrecepção. A transdução é bastante complexa, envolvendo o amortecimento de uma corrente catiônica ativada por hiperpolarização e um papel permissivo para uma corrente de potássio de inativação lenta.
Diversas hipóteses foram propostas para a origem molecular da termossensibilidade humana e a forma como a temperatura modula os canais iônicos, com hipóteses admitindo que a mudança de temperatura produz um ligante que se junta a um receptor e afeta o canal; ou produz uma alteração estrutural no canal que provoca sua abertura; ou, ainda, afeta a estrutura da membrana, causando mudanças na tensão que ativam os canais iônicos.
Percebe-se das alegorias acima que a incorporação das novas tecnologias possibilita intenso progresso em questões científicas, resolvendo mistérios e criando novos enigmas. Mas esse progresso não pode ficar restrito à ciências “fortes”, cabendo seu uso também nas ciências sociais, em especial no direito imobiliário. Na precisa advertência de Victor Hugo, nada é mais poderoso do que uma ideia cujo tempo chegou.
A incorporação sem amarras burocráticas de blockchain, IA e georreferenciamento irá proporcionar uma revolução em antigos institutos jurídicos, como o registro de imóveis, dinamizando as transações imobiliárias no Brasil.
Citações
1- Registro de Imóveis, editora Revista dos Tribunais, 1ª edição, 2023, p. 29.
2- Registro Eletrônico de Imóveis, Revista dos Tribunais, 1ª edição, 2024.
3- “Blockchain vs. Cartórios: O Registro de Imóveis está em risco?”, migalhas.com, publicado em 19/03/2025.
4-“https://bioone.org/journals/biology-of-reproduction/volume-106/issue-4/ioac037/Mysteries-and-unsolved-problems-of-mammalian-fertilization-and-related-topics/10.1093/biolre/ioac037.full”, publicado em março de 2022. (“Mistérios e problemas não resolvidos da fertilização de mamíferos e tópicos relacionados”, em tradução livre).
5-“https://www.researchgate.net/publication/342068598_Chemical_signals_from_eggs_facilitate_cryptic_female_choice_in_humans”, publicado em junho de 2020. (“Sinais químicos dos ovos facilitam a escolha enigmática das fêmeas em humanos”, em tradução livre).
6-“https://www.researchgate.net/publication/388531954_Nuclear_Quantum_Effects_Explain_Chemiosmosis_The_Power_of_the_Proton”, publicado em janeiro de 2025.
7-“https://www.researchgate.net/publication/394431209_Quantum_Tunneling_of_Protons_through_Respiratory_Complex_I_of_Mitochondria”, publicado em agosto de 2025.
Oficial de Justiça do TRT 7° Região.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: COELHO, LEONARDO RODRIGUES ARRUDA. Do Registro Torrens ao Blockchain: A Revolução nas Transações Imobiliárias. Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 27 out 2025, 04:41. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/coluna/3876/do-registro-torrens-ao-blockchain-a-revoluo-nas-transaes-imobilirias. Acesso em: 29 out 2025.
Por: Remo Higashi Battaglia
Por: Marcela de Brito
Por: Remo Higashi Battaglia
Por: Remo Higashi Battaglia
Por: Marcos Antonio Duarte Silva

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